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terça-feira, 10 de junho de 2025

O equívoco do termo “Poder Legislativo” e a necessidade de resgatar o conceito de Poder Parlamentar

 O uso do termo "Poder Legislativo" para designar um dos três poderes do Estado brasileiro reflete uma concepção reducionista da função política que historicamente coube aos parlamentos. Tal nomenclatura sugere que a função primordial dos representantes do povo é a elaboração de leis, quando, na verdade, essa é apenas uma de suas atribuições e talvez a menos relevante sob o ponto de vista do bem comum¹.

A verdadeira essência do Parlamento não está em legislar quantitativamente, mas em deliberar com sabedoria, fiscalizar com retidão e aconselhar com prudência. A atividade parlamentar, em seu sentido mais nobre, consiste em ser um órgão de conselho das melhores cabeças da nação, comprometidas com o bem da pátria, e não apenas com o jogo político-partidário ou a defesa de interesses setoriais².

Nesse contexto, propõe-se aqui uma reavaliação terminológica e institucional: em lugar de "Poder Legislativo", deveríamos resgatar o termo "Poder Parlamentar". Esta expressão traduz com mais fidelidade a natureza do órgão que deveria reunir os homens mais preparados e virtuosos para deliberar sobre os grandes assuntos da nação, auxiliar o soberano no exercício da autoridade moderadora e zelar pelo equilíbrio entre os poderes constituídos.

Na monarquia constitucional brasileira do século XIX, essa função era clara. O Parlamento não era um centro de criação normativa caótica e incessante, mas um espaço de conselho ao Imperador, que exercia o Poder Moderador como garantia da estabilidade e da liberdade. Conforme dispunha a Constituição de 1824, em seu artigo 98, o Poder Moderador era confiado exclusivamente ao Imperador como "chefe supremo da Nação" e deveria ser exercido "para manter a independência, harmonia e equilíbrio dos mais poderes políticos"³.

Os parlamentares, sobretudo os senadores vitalícios e os membros do Conselho de Estado, eram homens de notório saber, experiência e integridade, escolhidos não para representar interesses locais ou eleitoreiros, mas para auxiliar na condução prudente da coisa pública⁴.

Ao contrário do que muitos supõem, o centralismo do Império não era asfixiante. Era um centralismo fundado na autoridade que aperfeiçoa a liberdade, pois nela não havia opressão burocrática, mas unidade espiritual e política em torno do trono. As províncias gozavam de uma autonomia concreta e operante, justamente porque a unidade do Estado era garantida por uma figura que pairava acima das facções e paixões partidárias⁵.

Com a Proclamação da República, perdeu-se esse equilíbrio. O que se chamou de "federalismo" tornou-se, na prática, uma confusão institucional onde a União, dominada por interesses partidários e grupos de pressão, interfere abusivamente nas autonomias locais. A legislação tornou-se instrumento de luta ideológica, e os parlamentos, com raras exceções, deixaram de ser casas de conselho para se tornarem meros campos de batalha entre facções.

Portanto, não se trata apenas de mudar um nome, mas de restaurar uma visão filosófica e institucional mais elevada do que seja o Parlamento. Resgatar o termo "Poder Parlamentar" é um passo simbólico na direção de uma reforma moral e política que nos permita retornar à ideia de que a liberdade não pode existir sem autoridade, e que o verdadeiro poder é aquele exercido com sabedoria, em busca do bem comum, e não do poder pelo poder.

Este é o caminho para que um dia voltemos a ter um governo onde as leis, os conselhos e os juízos sejam verdadeiramente ordenados ao justo, ao belo e ao verdadeiro. Um governo onde, mais do que representantes eleitos, tenhamos homens justos, capazes de servir à verdade e aconselhar com retidão, nos méritos de Cristo.

Análise Comparativa: Modelos Britânico e Austríaco de Parlamento

O modelo britânico, matriz histórica do parlamentarismo, oferece um contraste útil. A Câmara dos Lordes, embora esvaziada de parte de seu poder legislativo ao longo do século XX, ainda representa o princípio da deliberação prudente, sustentada em notório saber, mérito e tradição. Já a Câmara dos Comuns representa os interesses populares, mas sua atuação é sempre moderada pela presença da Coroa e pela possibilidade de dissolução parlamentar, quando o sistema entra em crise. Essa possibilidade garante a fluidez entre autoridade e representação, protegendo o Reino Unido de paralisias institucionais.

O modelo austríaco, por sua vez, é interessante pela maneira como o antigo Império Austro-Húngaro compreendia a autoridade imperial como mediadora dos conflitos entre nacionalidades, grupos e regiões. Havia um equilíbrio entre o centro e as unidades locais, com forte presença de corpos intermediários. Embora a monarquia tenha sido dissolvida, muitas estruturas administrativas regionais e corporativas herdadas da época imperial continuam funcionando como moderadoras do poder democrático moderno, oferecendo uma continuidade institucional rara na Europa Central.

Ambos os modelos reforçam a tese aqui defendida: sem uma instância de autoridade permanente e prudente, os parlamentos se degeneram em arenas de facções. O Brasil teve, no século XIX, essa instância no trono e nos conselhos que o cercavam. O resgate do conceito de Poder Parlamentar, com fundamento doutrinário e histórico, pode ajudar a redescobrir essa dimensão perdida da nossa institucionalidade.

Notas de rodapé

  1. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

  2. RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.

  3. BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1824.

  4. VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.

  5. CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Referências Bibliográficas 

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1824.

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.

VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.

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