Resumo
Este artigo propõe uma reflexão sobre a escolha da data do Dia dos Namorados no Brasil, considerando sua relação simbólica com as estações do ano, especialmente o verão. À luz da tradição cristã, argumenta-se que o namoro é uma forma elevada de amizade ordenada pela caridade, e que a celebração do amor entre homem e mulher ganha mais coerência simbólica e espiritual quando situada em uma estação que favorece o florescimento da vida, da convivência e do discernimento à luz da verdade.
Palavras-chave: namoro cristão, estações do ano, amizade, São Valentim, simbolismo.
Introdução
O Dia dos Namorados no Brasil é celebrado em 12 de junho, uma data próxima ao solstício de inverno. Embora popularmente associada a Santo Antônio, conhecido como “casamenteiro”, tal escolha não encontra respaldo em fundamentos simbólicos ou espirituais que justifiquem sua permanência nesta estação. O objetivo deste artigo é demonstrar que o verão, mais do que o inverno, oferece um ambiente simbólico e espiritual mais propício à celebração do amor cristão, entendido como amizade elevada e ordenada à caridade.
1. A amizade como fundamento do namoro cristão
A tradição cristã, especialmente a tomista, compreende a amizade como o mais nobre dos vínculos humanos. Para Tomás de Aquino, “a amizade é a virtude que mais se aproxima da caridade” (AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 23, a. 1). A caridade, por sua vez, é o amor a Deus acima de todas as coisas e ao próximo por amor a Deus. Assim, o verdadeiro namoro entre homem e mulher deve se configurar como uma amizade que se ordena aos fins da caridade, isto é, que deseja o bem eterno do outro.
Josiah Royce, em sua obra The Philosophy of Loyalty, sustenta que a amizade verdadeira exige compromisso mútuo com causas comuns (ROYCE, 1908). Este compromisso, no namoro cristão, é a busca da santidade. O casal, neste contexto, ama e rejeita aquilo que o próprio Cristo amou e rejeitou, discernindo juntos a vontade de Deus.
2. A estação da luz e do discernimento
O verão é, simbolicamente, a estação da plenitude da luz, do calor e da verdade. É o tempo da vida que se expande, dos encontros que se intensificam e das amizades que se fortalecem. As atividades ao ar livre, os encontros comunitários e a convivência contínua oferecem o cenário ideal para que o namoro se desenvolva com clareza, sinceridade e realismo.
Como explica Mircea Eliade, “as estações do ano não são apenas divisões cronológicas, mas modos simbólicos de existência” (ELIADE, 1978, p. 83). O inverno, marcado pela retração da natureza, simboliza introspecção e espera. Já o verão é símbolo de presença, manifestação e amadurecimento. Celebrar o amor no verão é, portanto, um gesto de adesão simbólica à luz, à clareza e à verdade, que são condições necessárias para o florescimento do amor cristão.
3. O deslocamento cultural da data no Brasil
Enquanto no hemisfério norte o Valentine’s Day é comemorado em 14 de fevereiro — no final do inverno, já na esperança da primavera —, no Brasil o Dia dos Namorados ocorre em 12 de junho, no início do inverno. A escolha da data no Brasil foi impulsionada por campanhas publicitárias da década de 1940 e associada à véspera da festa de Santo Antônio (GOMES, 2020). Não há, porém, relação com a simbologia das estações ou com a espiritualidade do amor cristão.
Cabe aqui uma pergunta crítica: por que não celebrar o amor em fevereiro, durante o verão brasileiro, quando se celebra também São Valentim, mártir do amor conjugal cristão? Tal deslocamento resgataria a coerência entre o amor humano elevado à caridade e a estação mais propícia ao seu florescimento.
4. A luz do sol, e a luz de Cristo, como condição do amor verdadeiro
O verão revela, o inverno esconde. As relações que sobrevivem à luz do verão — com seus convívios diários, exigências práticas e presenças constantes — são aquelas que tendem a amadurecer. O amor que depende apenas da proteção do frio, do isolamento romântico e da idealização sentimental pode ser belo, mas é muitas vezes frágil. A luz do verão prova os vínculos: revela o que é verdadeiro, desgasta o que é fantasioso e purifica o que é duradouro.
Como nos lembra Lewis: “o afeto entre homem e mulher só se torna caridade quando é iluminado pela verdade de Cristo” (LEWIS, 2005, p. 137). Nesse sentido, o verão não é apenas uma conveniência climática, mas um símbolo espiritual da verdade que deve iluminar os relacionamentos cristãos.
Considerações finais
O namoro cristão é uma forma de amizade orientada à santidade, vivida nos méritos de Cristo. Sendo uma amizade que exige discernimento, presença e clareza, faz mais sentido que sua celebração ocorra no verão — estação da luz, da convivência e do amadurecimento das relações. Resgatar o dia de São Valentim no Brasil como ocasião para celebrar o amor sob o sol seria, assim, um gesto simbólico e espiritual coerente com os princípios da fé cristã.
Notas de Rodapé
-
A associação do Dia dos Namorados a Santo Antônio começou em São Paulo, com uma campanha publicitária da loja Clipper em 1949, organizada por João Doria, pai do ex-governador de São Paulo. Cf. GOMES (2020).
-
São Valentim foi um sacerdote romano do século III que celebrava casamentos cristãos proibidos pelo império. Foi martirizado por fidelidade ao sacramento do matrimônio.
-
O conceito de amizade como forma mais pura de convivência e princípio moral é explorado tanto por Tomás de Aquino quanto por Aristóteles. Cf. ARISTÓTELES (1991, Ética a Nicômaco, Livro VIII).
Referências bibliográficas
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001. v. 3.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Antonio de Castro Caeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991.
ELIADE, Mircea. O Mito do Eterno Retorno: arquétipos e repetição. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 1978.
GOMES, Murilo. Dia dos Namorados: como surgiu a data no Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/dia-dos-namorados-como-surgiu-a-data-no-brasil/. Acesso em: 12 jun. 2025.
LEWIS, C. S. Os Quatro Amores. Trad. Fernanda Abreu. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2005.
ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.
Nenhum comentário:
Postar um comentário