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sábado, 7 de junho de 2025

A prudência como porta de entrada: ética cristã nas interações sociais digitais

No Brasil, especialmente em grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro, a experiência cotidiana revela uma verdade incômoda: muitas vezes, um simples “olá” não abre portas — ao contrário, fecha-as. O gesto que, noutras culturas, pode simbolizar hospitalidade e boa vontade, por aqui se vê frequentemente com desconfiança, como se toda aproximação carregasse consigo uma intenção oculta ou um interesse disfarçado.

Essa realidade social, experimentada de forma marcante por quem já transitou pelo ambiente universitário e pela vida urbana carioca, ensina uma lição de valor duradouro: a de que a confiança é capital raro e que não se entra no espaço do outro sem antes ser introduzido. A introdução, nesse caso, não é mero formalismo: é uma senha simbólica, um selo de confiança que permite ao estranho tornar-se, pouco a pouco, um possível conhecido.

O estudo do perfil como gesto de respeito

Com a ascensão das redes sociais, esse princípio ganha novas formas. Se antes a mediação era feita por um amigo em comum, um anfitrião ou uma carta de apresentação, hoje ela pode ocorrer pelo simples gesto de estudar o perfil de alguém antes de abordá-lo. Não se trata aqui de espionagem, mas de respeito. De perceber se há abertura, se há pontos em comum, se existe uma linguagem compartilhável. É, no fundo, um modo de pedir licença: estou aqui, mas só entrarei se for convidado.

Adotar essa postura é mais do que prudência estratégica; é um ato de caridade. É reconhecer a dignidade do outro como sujeito, como alguém cuja liberdade merece ser preservada. Em tempos de exposição excessiva e abordagens invasivas, esse cuidado se torna virtude rara.

A ética cristã e o princípio da introdução

Nos méritos de Cristo, esse comportamento ganha ainda outra dimensão. A própria lógica da Revelação se dá assim: ninguém vem ao Pai senão por meio do Filho. Ninguém entra na casa do outro se não for pela porta. Ninguém conhece o coração do próximo se não for apresentado — por amizade, por afinidade ou por missão.

Cristo mesmo, em sua humanidade, respeita o tempo das pessoas, aproxima-se com doçura, chama pelo nome, espera ser reconhecido. O Espírito Santo não invade: sopra onde quer, mas não força portas. O cristão, portanto, não deve ser diferente.

A cultura da introdução, nesse sentido, é profundamente cristã: ela pressupõe mediação, reconhecimento, respeito pela liberdade do outro, e sobretudo o cultivo de vínculos verdadeiros, que não se fundam na utilidade, mas na dignidade recíproca.

A santificação através da prudência

Para quem busca se santificar através do estudo, do trabalho e do trato respeitoso com os demais, essa postura social discreta, quase invisível, não é fraqueza: é fortaleza. Fortalecer-se na paciência, no discernimento e na contenção é um modo de imitar a Cristo, que não se impunha, mas tocava os corações na hora certa.

A prudência, nesse caso, torna-se uma escola espiritual. Ela disciplina o impulso, refreia o ego, e convida à escuta antes da fala. Quem se apresenta com excessiva pressa, geralmente desconhece tanto a si quanto ao outro. Já aquele que espera a introdução, confia mais na Providência do que nas próprias intenções.

Conclusão: entre perfis e prsenças

Nas redes sociais — espelho e extensão de nossa alma pública — é possível cultivar um ethos cristão de aproximação. Um ethos que respeita o tempo, os sinais e os vínculos. Um ethos que não impõe, mas convida. Que não força, mas propõe. Que não “quebra o gelo”, mas o derrete com o calor da prudência.

Nesse campo invisível da convivência digital, cada perfil estudado, cada abordagem evitada, cada palavra ponderada pode ser um pequeno ato de caridade. E assim, mesmo sem palavras, mesmo sem ser notado, o cristão fiel constrói pontes invisíveis — que talvez só sejam vistas um dia à luz da eternidade.

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