Introdução
Num tempo em que a verdade foi relativizada e a autoridade espiritual da Igreja é frequentemente ignorada, o católico que busca viver sua fé integralmente encontra sérios obstáculos ao tentar exortar seus irmãos — sobretudo quando esses irmãos, embora também católicos, exercem profissões revestidas de prestígio social, como a medicina. Surge então um dilema: como chamar à verdade alguém que, por orgulho de sua formação ou posição, dificilmente escutaria uma advertência direta de um leigo?
A resposta pode estar mais próxima do confessionário do que do confronto direto. Este artigo expõe uma prática espiritualmente refinada: recorrer ao confessor do irmão para, sob o selo da confissão, confiar-lhe a missão de orientar pastoralmente aquele que precisa ouvir uma verdade moral ou natural que já não pode ser ignorada.
1. A Autoridade Espiritual sobre a Técnica
A medicina, como arte de curar, é uma vocação nobre. Mas quando o médico católico abraça ideologias e práticas que contradizem o que já é evidente à luz da razão natural ou da ciência desideologizada — como a manutenção indiscriminada do uso de máscaras em contextos onde sua eficácia foi refutada — ele não apenas erra tecnicamente, mas compromete sua coerência como católico.
Ora, se esse médico é um fiel da Igreja, então possui um confessor. E se possui um confessor, submete-se voluntariamente à direção de um outro Cristo que, pela autoridade recebida no sacramento da Ordem, é responsável por sua alma. Eis a via de acesso legítima e sacramental pela qual o problema pode ser enfrentado.
2. A Economia da Verdade no sigilo da confissão
Quando o fiel que percebe tal desvio se aproxima do confessionário, ele não apenas busca tratar dos próprios pecados. Ele pode, em espírito de caridade e zelo pelo próximo, confiar ao sacerdote uma preocupação: o fato de que certo irmão em Cristo, cuja alma está sob a guarda daquele confessor, parece agir de modo contrário à verdade já conhecida.
Essa revelação, feita sob o selo do sacramento, não constitui uma denúncia nem uma fofoca. É antes um ato de confiança e uma súplica humilde: "Padre, não tenho autoridade para corrigir esse fiel — mas o senhor tem. Por isso, confio-lhe este fardo para que, se julgar prudente e inspirado por Deus, oriente-o conforme os méritos de Cristo."
Dessa forma, a verdade é transmitida por vias invisíveis e legítimas — sem escândalo, sem disputa, sem violência argumentativa.
3. O orgulho do diploma vs. a humildade da fé
Sabemos por experiência que muitos profissionais católicos, mesmo piedosos, submetem mais sua conduta às diretrizes de seus conselhos profissionais do que ao Magistério da Igreja. E embora isso possa parecer razoável em certo nível, há situações em que essa submissão se torna servil — e o católico começa a defender o erro por comodidade, medo ou orgulho.
Neste cenário, a correção fraterna direta raramente surte efeito. O médico dificilmente se dobrará à advertência de um leigo, mesmo que esse leigo esteja com a razão. Haverá resistência, justificativa, racionalização. Mas a voz de seu confessor — aquele a quem ele confia a saúde da alma — tem mais chance de tocar sua consciência, pois é recebida como palavra de Cristo.
4. A Hierarquia que Protege a Verdade
Agir assim é respeitar a hierarquia espiritual da Igreja. O leigo fiel, embora movido por caridade, reconhece seus limites e não se arroga o direito de ensinar aquele que se crê mais sábio. Ele prefere submeter sua intenção à autoridade do sacerdote, permitindo que o Espírito Santo aja por meio do canal sacramental instituído por Cristo.
Trata-se de uma aplicação discreta, porém eficaz, do princípio da subsidiariedade: não forçar de baixo para cima, mas recorrer ao superior hierárquico para que, com mais sabedoria e autoridade, conduza o fiel à conversão.
Conclusão
Numa época em que o confronto direto tende a gerar rupturas, o fiel católico deve recuperar o valor da ação invisível, sacramental, silenciosa — mas profundamente eficaz. Se o médico católico erra, e se seu confessor é conhecido, então há uma via legítima, discreta e espiritual para ajudá-lo: a confissão.
Por ela, não apenas lavamos nossas faltas, mas também colaboramos para que a verdade alcance os outros sem escândalo, sem orgulho e sem violência. Cristo, que instituiu o sacerdócio, confiou aos seus ministros a cura das almas. Por isso, quando sentimos que não temos a força para corrigir, podemos confiar — com humildade — a verdade àquele que age em nome do próprio Cristo.
📚 Bibliografia Recomendada
1. Catecismo da Igreja Católica (CIC)
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Seções relevantes:
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§1461–1467: Sobre o ministério da reconciliação e o papel do sacerdote como "outro Cristo".
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§2478: Sobre a caridade na correção fraterna e o dever de interpretar de forma benévola os atos do próximo.
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Observação: Fundamenta o papel do sacerdote como médico da alma, justifica o sigilo sacramental e legitima a confiança pastoral na correção indireta.
2. Concílio de Trento – Sessão XIV (Sobre o Sacramento da Penitência)
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Expõe de maneira dogmática o caráter medicinal da confissão.
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Destaca: “Como médicos e juízes, os sacerdotes devem curar e julgar em nome de Cristo os que pecam.”
3. São Tomás de Aquino – Suma Teológica, Suplemento, q.6–q.11
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Especialmente:
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Supl., q.6, a.1 e a.2: Sobre o papel do confessor como juiz.
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Supl., q.10, a.1–2: Sobre o dever do confessor em exortar, advertir e corrigir os penitentes com prudência.
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Aplicação: Fornece base teológica para que um confessor, por caridade pastoral, conduza a alma à correção, mesmo que não conheça a origem da advertência.
4. São Francisco de Sales – Introdução à Vida Devota
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Capítulo sobre “A escolha do confessor”.
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Lição: O confessor é diretor de almas, especialmente necessário para os leigos bem formados que, por orgulho ou complexidade de vida, precisam de correção sutil.
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Recomenda-se ainda o capítulo que trata da “correção fraterna” feita com doçura e moderação, quando a via direta se mostra ineficaz.
5. Pe. Garrigou-Lagrange, O.P. – As Três Idades da Vida Interior
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Em diversos trechos, o autor insiste na importância da direção espiritual e da correção feita sob o influxo da caridade sobrenatural.
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Importante: Explica por que a correção que vem por meio do confessor é mais fecunda e eficaz que a repreensão direta, quando esta seria recebida com resistência.
6. Código de Direito Canônico (1983)
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Cân. 983–984: Sobre o sigilo sacramental.
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Cân. 979: Sobre a prudência do confessor em colher informações e orientar o penitente.
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Aplicação prática: Justifica juridicamente o papel do confessor em conduzir pastoralmente fiéis que erram, mesmo que por causa comunicada indiretamente e com caridade.
7. Papa Pio XII – Encíclica Mystici Corporis Christi (1943)
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§88–96: O sacerdócio como participação do ofício pastoral de Cristo.
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Mostra que a correção de erros morais e intelectuais dos fiéis também pertence ao múnus santificador dos padres.
Sugestão de Leitura Complementar
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Dom Jean-Baptiste Chautard – A Alma de Todo Apostolado: A obra mostra que a eficácia do apostolado depende mais da vida interior e da intercessão do que da argumentação direta.
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Dom Prosper Guéranger – O Ano Litúrgico: Em suas meditações sobre o tempo da Septuagésima e Quaresma, trata com grande finura da penitência como serviço à caridade para com o próximo.
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