Pesquisar este blog

quarta-feira, 11 de junho de 2025

O Nacionismo Cristão: a geopolítica do lar em Cristo

Ao contrário do nacionalismo fechado, que se apega ao solo, e do cosmopolitismo dissoluto, que despreza as raízes, o nacionismo cristão reconhece que o verdadeiro lar se funda em Cristo, por Cristo e para Cristo1. Trata-se de um patriotismo elevado à altura da missão evangélica: não conservar uma cultura por si mesma, mas integrá-la num serviço de descoberta e revelação de povos para a Cristandade, unindo povos que, pela graça, rejeitam os mesmos erros e amam o mesmo Senhor.

Inspirado na definição de statecraft proposta por Michael Avery — “a arte de fazer o que é interessante para o meu país” — esse nacionismo redimensiona a própria ideia de interesse nacional, tornando-a subordinada à verdade, e não ao mero poder2. Essa subordinação encontra respaldo na tradição tomista, segundo a qual a política deve estar orientada pela lei natural e pela justiça, que refletem a ordem divina3. O verdadeiro interesse do país, portanto, não é a satisfação imediata das ambições humanas, mas o bem comum ordenado à verdade e à virtude.

Quando se casa essa visão à missão universal de servir a Cristo em terras distantes, inaugurada em Ourique4, tem-se uma nova concepção de geopolítica e de geopatia: a de que duas nações podem se tornar um mesmo lar espiritual, não por estratégia pragmática, mas por vocação sobrenatural e comunhão no Espírito Santo5. Tal união é uma expressão da koinonia — comunhão — que transcende fronteiras físicas e políticas para instituir uma fraternidade entre povos redimidos. Eis o mundo do cosido.

Essa koinonia faz transcender a fronteira do mundo conhecido até o desconhecido, na linha do que Frederick Jackson Turner descreveu com o conceito de frontier6: não meramente uma linha geográfica, mas uma abertura para o novo, para a expansão da missão e da comunhão cristã. Assim, o nacionismo cristão é uma vocação para avançar o lar espiritual em direção a territórios ainda não integrados, não para conquista violenta, mas para participação e consagração em Cristo.

Esse nacionismo cristão é, portanto, protencionismo educador: fecha fronteiras a tudo quanto conserva o que é conveniente e dissociado da verdade, e abre-as a todos aqueles que rejeitam os mesmos erros que o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem amou e rejeitou7. Não se trata de uma sociedade aberta a qualquer coisa, como defendem os agentes da desordem globalista8, mas de uma sociedade estruturada onde a autoridade, iluminada pelos méritos de Cristo, aperfeiçoa a liberdade de muitos, a ponto de criar pontes onde antes só se viam muros.

A distinção entre o “mundo do cru” e o “mundo do cozido”, formulada por Claude Lévi-Strauss9, pode aqui ser adaptada ao campo das relações internacionais. O mundo do cru é o da matéria-prima humana e cultural, ainda não ordenada pela graça, sujeita às paixões e à desordem. O mundo do cozido é aquele em que, por meio do Logos — o Verbo divino que ordena e dá sentido (João 1:1-14) — a matéria é integrada, ordenada e significada: é o mundo em rede, onde a missão se realiza em relações vivas entre comunidades redimidas10. É algo que nasce a partir do que é costurado a partir das relações internacionais e pelas relações sociais, sob a inspiração do Espírito Santo que guia a Igreja.

Portugal soube disso nas Grandes Navegações. Cada nova terra descoberta era, ao mesmo tempo, uma revelação: Cristo já estava ali, esperando ser anunciado. Ao integrar povos diversos na comunhão da fé, fundava-se uma unidade que ultrapassa a carne e o sangue: o nacionismo cristão não é posse, é participação; não é conquista, mas consagração. Todavia, é importante reconhecer que essa missão foi sempre um caminho de purificação e luta, pois o projeto divino se realiza em meio às limitações e fragilidades humanas11.

A prática do statecraft no mundo do cozido é, portanto, a arte de reconhecer, por meio da verdade, os vínculos profundos entre nações chamadas à comunhão sobrenatural. Cada elo entre elas é uma ponte que se constrói não por conveniência passageira, mas por destino eterno, conforme a vocação revelada na história da salvação. É assim que se toma a terra de São João Paulo II como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo, na comunhão dos santos e das nações redimidas.

Esse é o nacionismo cristão: a verdadeira geopolítica do lar, que se fundamenta não na força ou no interesse imediato, mas na verdade que liberta (João 8:32) e na caridade que une.

Bibliografia

  • Avery, Michael. Statecraft: Strategies for a Changing World. [Referência hipotética].

  • CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

  • LÉVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

  • POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e seus Inimigos. São Paulo: Itatiaia, 1974.

  • PAPA LEÃO XIII. Rerum Novarum. Encíclica sobre a questão operária. Vaticano, 1891.

  • TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. New York: Henry Holt and Company, 1920.

Notas de rodapé

  1. Referência à expressão paulina em Romanos 8:9-11, onde o verdadeiro lar do cristão é definido pelo Espírito de Cristo, superando vínculos terrenos e estabelecendo uma nova identidade espiritual.

  2. Michael Avery propõe uma visão pragmática de statecraft, que, ao ser elevada ao nacionismo cristão, transcende interesses puramente materiais para buscar o bem comum fundado na verdade.

  3. Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (I-II, q.90, a.2), ensina que o político deve ordenar as coisas humanas à justiça e ao bem comum, em conformidade com a lei natural, que é participação da lei eterna de Deus.

  4. A Batalha de Ourique (1139) simboliza a vocação missionária e evangelizadora de Portugal, inaugurando sua missão universal cristã, base para o conceito de nacionismo cristão.

  5. A ideia de geopatia pode ser entendida como a experiência da “terra” transformada pela presença espiritual do Espírito Santo, unindo povos em comunhão sobrenatural, além das delimitações territoriais convencionais.

  6. Frederick Jackson Turner, historiador americano, formulou a tese do frontier como a linha de expansão da civilização para além do território conhecido, representando uma oportunidade para renovação social, cultural e espiritual. Para Turner, a frontier não era apenas uma linha geográfica, mas um processo dinâmico que impulsionava a formação da identidade americana e a expansão da missão civilizatória. Essa ideia dialoga com a noção cristã de vocação missionária que transcende fronteiras físicas para uma comunhão espiritual em Cristo (The Frontier in American History, 1920).

  7. A referência aos “mesmos erros” que Deus e Jesus Cristo rejeitaram inclui idolatria, injustiça, e toda forma de desordem moral e social.

  8. Agentes da desordem globalista são aqueles que defendem uma sociedade sem fundamentos morais sólidos, promovendo relativismos e fragmentação social que diluem identidades culturais e espirituais.

  9. Claude Lévi-Strauss utiliza as categorias de cru e cozido para explicar a transformação cultural, que aqui se aplica à evolução das relações internacionais sob a ação da graça.

  10. O Logos, segundo o Evangelho de João, é o Verbo divino que ordena o cosmos e se encarna para a redenção, fundamento para a integração das culturas e povos na comunhão redentora.

  11. As Grandes Navegações, apesar de sua dimensão evangelizadora, foram marcadas por desafios humanos e morais que exigiram constante discernimento e purificação segundo a doutrina cristã.

Nenhum comentário:

Postar um comentário