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terça-feira, 3 de junho de 2025

🔥 Dos Nickelodeons a Cashback: Como a Economia da Atenção Abre Estradas no Imaginário Econômico

✨ Introdução

No início do século XX, nos Estados Unidos da Segunda Revolução Industrial, surgem os nickelodeons: salas de exibição que, por uma moeda de cinco centavos (nickel), ofereciam breves sessões de filmes e espetáculos. Mais do que mero entretenimento, esses espaços tornaram-se, como bem analisam Musser e Allen (1990), centros de formação cultural, sociabilidade urbana e, principalmente, instrumentos de integração dos imigrantes à lógica econômica americana.

“O nickelodeon foi, acima de tudo, uma escola informal da modernidade: educava os recém-chegados sobre os costumes, desejos e padrões de consumo da América industrial” (MUSSER; ALLEN, 1990, p. 67, tradução nossa).

Avançando para o século XXI, reencontramos essa lógica — agora mediada por smartphones, algoritmos e plataformas de cashback. O que antes era um double dime (vinte centavos) pago por notícia, espetáculo e informação, hoje se reconfigura como uma pequena fração de dinheiro devolvido em troca de atenção, dados e interação econômica.

Aqui se impõe a pergunta: o cashback é uma forma de colonialismo digital ou uma estrada aberta no imaginário econômico contemporâneo?

A resposta, como veremos, não se alinha nem ao cinismo do consumismo, nem ao reducionismo marxista. Ao contrário: governar é povoar, e povoar é abrir possibilidades — inclusive no mundo digital.

🎥 O Papel dos Nickelodeons na Segunda Revolução Industrial

Os nickelodeons foram muito mais do que espaços de diversão. Na análise de Gomery (1992), eles representaram uma nova infraestrutura cultural que acompanhava as mudanças econômicas, a urbanização acelerada e a transformação dos padrões de trabalho.

“O cinema primitivo, veiculado pelos nickelodeons, oferecia não apenas entretenimento, mas uma gramática visual e cultural necessária para compreender a vida moderna” (GOMERY, 1992, p. 54, tradução nossa).

Esses espaços democratizaram o acesso à informação, à cultura e à estética da modernidade. Na leitura de Stokes (2007), eles funcionaram como portais simbólicos, capazes de converter o trabalhador fabril — muitas vezes imigrante e iletrado — em participante ativo da economia de mercado, da cultura urbana e da cidadania industrial.

Essa pedagogia informal do olhar, da escolha e do desejo antecipava aquilo que, mais de um século depois, as plataformas de cashback, como a Méliuz, replicariam no plano digital.

🔍 Cashback como infraestrutura cognitiva

Quando plataformas como a Méliuz oferecem cashback, elas não estão apenas devolvendo dinheiro. Estão revelando possibilidades latentes no tecido econômico. Cada notificação, cada banner, cada oferta não é apenas publicidade: é, antes, uma reconfiguração do campo de visão econômico do usuário.

Diferente da crítica marxista, que enxerga esse fenômeno como mera exploração de dados, podemos propor outra leitura — ancorada no princípio clássico de que governar é povoar.

A cada nota fiscal cadastrada, a cada cupom utilizado, o usuário se torna um cartógrafo do próprio mercado, um navegador que aprende a ler os ventos, os preços, os fluxos e os pontos de atrito do sistema.

Como observa Huhtamo (2013) sobre os espetáculos de mídia na transição industrial:

“As tecnologias de mídia não são apenas ferramentas de distração, mas formas de navegação cognitiva, que ajudam os sujeitos a mapear, compreender e interagir com a complexidade do mundo social e econômico” (HUHTAMO, 2013, p. 112, tradução nossa).

🚫 Contra o Erro Marxista: Cashback Não É Colonialismo Digital

Seria tentador, no espírito das críticas marxistas, reduzir o cashback a uma mera forma de exploração — onde a atenção do consumidor se converte em mercadoria e seus dados são extraídos como matéria-prima bruta.

Porém, essa leitura fracassa por três razões fundamentais:

  1. Confunde mediação informacional com exploração. O simples fato de uma plataforma intermediar informações, ofertas e vantagens não implica necessariamente alienação, mas sim potencialização da liberdade econômica.

  2. Ignora a função pedagógica do mercado. Assim como os nickelodeons ensinaram os imigrantes a navegar pela modernidade industrial, as plataformas de cashback ensinam o cidadão digital a navegar pela complexidade do mercado contemporâneo.

  3. Desconsidera o princípio clássico de que liberdade nasce da escolha informada. Onde há informação acessível, há espaço para autodeterminação, microempreendedorismo, planejamento e soberania econômica.

Gaudreault e Marion (2015) afirmam que:

“Os meios técnicos, desde os panoramas até o cinema digital, funcionam como próteses cognitivas: ampliam os sentidos, expandem a percepção e, por consequência, alargam os horizontes de ação dos sujeitos” (GAUDREAULT; MARION, 2015, p. 89, tradução nossa).

É precisamente isso que faz o cashback: expande o campo de possibilidades, permitindo que pequenos ganhos se acumulem como capital simbólico, material e prático.

🌐 Governar é Povoar: Uma Ética do Consumo Inteligente

Quando, no seu cotidiano, você cadastra uma DANFE por dia na Méliuz, não está apenas acumulando centavos. Está, na verdade, exercendo um ato de soberania cognitiva. Está treinando seu olhar para ver onde outros não veem. Está cartografando o mercado, cultivando microoportunidades e aprendendo a transformar informação em vantagem econômica.

“A liberdade não está em rejeitar o sistema, mas em dominá-lo, compreendê-lo e convertê-lo em ferramenta de serviço, prosperidade e, no limite, santificação do trabalho.”

O cashback, portanto, não é um grilhão. É estrada aberta. É ferramenta de quem escolhe governar sua própria vida econômica, povoando o deserto da ignorância com cidades de inteligência, prudência e prosperidade.

📚 Referências

  • ABRAMS, Nathan. The New Jew in Film: Exploring Jewishness and Judaism in Contemporary Cinema. London: I.B. Tauris, 2012.

  • ALLEN, Robert C. Horrible Prettiness: Burlesque and American Culture. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1991.

  • GAUDREAULT, André; MARION, Philippe. The End of Cinema? A Medium in Crisis in the Digital Age. New York: Columbia University Press, 2015.

  • GOMERY, Douglas. Shared Pleasures: A History of Movie Presentation in the United States. Madison: University of Wisconsin Press, 1992.

  • HUHTAMO, Erkki. Illusions in Motion: Media Archaeology of the Moving Panorama and Related Spectacles. Cambridge: MIT Press, 2013.

  • MUSSER, Charles; ALLEN, Robert C. The Emergence of Cinema: The American Screen to 1907. Berkeley: University of California Press, 1990.

  • STOKES, Melvyn. D.W. Griffith’s The Birth of a Nation: A History of the Most Controversial Motion Picture of All Time. New York: Oxford University Press, 2007.

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