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terça-feira, 3 de junho de 2025

Da inflação ao cashback: duas gerações, dois modos de relacionar-se com o consumo

Minha mãe é filha da inflação. Cresceu e construiu sua vida adulta num Brasil onde quem adiasse o consumo perdia. A regra era simples, cruel e implacável: "Compre hoje, pois amanhã estará mais caro." Esse raciocínio não era fruto de imediatismo inconsequente, mas sim de uma estratégia de defesa, quase instintiva, contra o empobrecimento progressivo que a inflação impunha a todos.

Por isso, até hoje, mesmo vivendo em um ambiente de relativa estabilidade monetária, sua lógica permanece a mesma: resolver as demandas domésticas com rapidez, comprar o que é necessário sem esperar, antes que o preço suba — mesmo quando, muitas vezes, ele não sobe.

Eu, no entanto, sou filho de outro tempo. Fui educado na lógica da estabilidade relativa, dos programas de pontos, dos cashbacks e dos aplicativos que transformam consumo em acúmulo de capital simbólico — milhas, recompensas, crédito, vantagens. Minha mentalidade foi formatada não pela urgência, mas pelo planejamento.

Quando vou às compras, meu primeiro gesto é abrir o Livelo. Meu carrinho está sempre vazio, porque não carrego desejos impulsivos, mas uma lista de intenções organizadas na seção “comprar mais tarde”. Ali, reviso o que é prioridade, comparo, escolho fornecedores que me oferecem o maior retorno em pontos, cashback ou milhas. Só então efetuo a compra, dentro dos recursos que possuo e da estratégia que tracei.

O sistema de fidelidade, como o Livelo, não premia quem compra movido pela necessidade imediata, mas sim quem planeja, compara, e faz o tempo trabalhar a seu favor. Na lógica inflacionária, o tempo era um inimigo; na lógica do planejamento financeiro, o tempo se torna um aliado.

No fundo, tanto minha mãe quanto eu agimos de forma racional — cada um dentro da moldura histórica que o formou. Ela, para se proteger do empobrecimento gerado pela inflação. Eu, para transformar consumo em acúmulo de capital, seja ele financeiro, simbólico ou cultural.

Essa diferença revela mais do que um contraste geracional. Ela expressa uma mudança de mentalidade econômica, que reflete a transição do Brasil de uma economia de defesa — onde todos corriam para não perder — para uma economia de estratégia, onde ganha quem sabe esperar, comparar e acumular.

O curioso é que o Brasil de hoje oscila entre esses dois mundos. Quem não percebe isso vive preso a hábitos que já não oferecem as mesmas vantagens. Quem compreende essa dinâmica aprende que, no jogo econômico atual, não basta trabalhar — é preciso saber transformar consumo em capital, seja ele material ou imaterial.

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