I. Introdução
Vivemos numa época marcada por uma confusão profunda sobre os próprios fundamentos da cultura, da liberdade e da missão. Tanto os ideólogos revolucionários quanto os conservadores modernos permanecem prisioneiros de uma falsa dicotomia: de um lado, os que idolatram as fronteiras herdadas, defendendo tradições desvinculadas da verdade; de outro, os que creem que ultrapassar fronteiras significa subvertê-las, destruí-las, desconstruí-las.
Ambos os projetos são reféns de um horizonte estreito, limitado pelo visível, pelo conhecido e pelo imanente. Ambos se esquecem de que a única fronteira legítima a ser superada é aquela que separa o homem do que ainda não viu na luz da Verdade, que é Cristo.
A missão cristã, desde os tempos apostólicos, consiste exatamente nisto: alargar as fronteiras do mundo conhecido — não apenas geográfico, mas principalmente espiritual, cultural e civilizacional.
II. A colonização do imaginário na Missão Cristã
O conceito moderno de “colonização do imaginário”, tal como utilizado nos círculos marxistas e desconstrutivistas, é uma perversão linguística que inverte os próprios sentidos da história. Acusa-se o missionário de ser um agente de dominação cultural, quando na verdade ele é, no sentido mais literal e teológico, um arauto da liberdade dos filhos de Deus, libertando os homens das trevas da ignorância, da idolatria, da mentira e do pecado.
De fato, quando povos como Portugal, sob a luz do Milagre de Ourique, e como a Polônia, guiada pela mística da Divina Misericórdia revelada a Santa Faustina Kowalska, se lançaram em missão pelo mundo, não foi por desejo de dominação, mas por amor à Verdade, que é Cristo.
Nisso se cumpre o que São Paulo escreveu:
“Ai de mim se eu não evangelizar!” (1Cor 9,16)
III. A fronteira como limite do conhecido
O verdadeiro sentido da fronteira não é o da barreira que separa povos e culturas, mas o do limite entre o que é conhecido e o que ainda não foi visto. Superar a fronteira é, antes de tudo, ver aquilo que antes não se via, compreender aquilo que antes permanecia escondido, iluminar as sombras da ignorância com a luz da Verdade.
Por isso, os missionários — quer sejam jesuítas navegando no mar-Oceano, quer sejam padres poloneses levando a Divina Misericórdia aos confins da terra — alargam as fronteiras do mundo, não por meio da força, mas pela luz da fé, da caridade e da verdade.
Essa expansão dos horizontes não é um ato de violência, mas um ato de amor; não é dominação, mas libertação; não é opressão, mas a plena realização do mandato de Cristo: “Ide e fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28,19).
IV. Superando o conservantismo estéril e o mito da fronteira
O conservantismo moderno, desvinculado da Verdade, se apega às formas mortas do passado, idolatrando o que herdou sem perguntar se aquilo corresponde à ordem do Todo.
Por outro lado, o progressismo revolucionário, alimentado pelo mito da fronteira como espaço de transgressão, pretende que superar limites significa destruir tudo o que é dado, romper com a tradição, desconstruir a cultura e abolir a ordem.
Ambos erram, pois ambos são cegos à Verdade.
A missão cristã supera esse falso dilema, pois ela não idolatra as circunstâncias nem as destrói, mas as reordena, as purifica e as eleva na luz do Logos.
“A necessidade se faz liberdade, pois enxergamos Cristo nessas coisas.”
Quando a cultura, o trabalho e até as limitações materiais são absorvidas no horizonte da Verdade, elas deixam de ser meras imposições da natureza ou da história e se tornam instrumentos de santificação, de liberdade e de glória.
V. Portugal e Polônia: uma comunidade providencial
Quando uma comunidade toma dois países como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo, isso não é uma construção ideológica, nem uma ficção romântica, nem uma engenharia social.
Trata-se da manifestação na história de uma realidade espiritual inscrita no Corpo Místico de Cristo. Portugal, com sua missão Ouriqueana, e Polônia, com sua vocação de nação da Misericórdia, formam, nesse sentido, nações vigárias da missão cristã no mundo.
Ambas mostram que as fronteiras não existem para separar, mas para ser atravessadas no amor e na verdade. Ambas testemunham que a verdadeira colonização do imaginário é a evangelização das almas, é plantar o Reino de Deus no coração dos homens e das culturas.
VI. Conclusão: a fronteira como chamado à missão
Superar as fronteiras do conhecido não é negar as circunstâncias, mas iluminá-las com a verdade. É por isso que o missionário cristão não é um destruidor nem um conservador no sentido mundano — ele é, antes, um agricultor do Reino, um navegador da misericórdia, um semeador de luz.
“É pela verdade, que é o fundamento da liberdade, que a necessidade se faz liberdade.”
Vemos Cristo no trabalho, na cultura, na história, nas circunstâncias — e, vendo-O, absorvemos tudo no Todo que é Deus, redimindo, santificando e oferecendo cada coisa como hóstia viva no altar da missão.
Portanto, a verdadeira expansão das fronteiras — seja dos mapas, seja da alma — é, e sempre será, missão, cultura e santificação.
📚 Bibliografia
🔹 Fontes Teológicas e Espirituais
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A Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB, Paulus, 2002.
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Santa Faustina Kowalska. Diário: A Misericórdia Divina na Minha Alma. Editora Divina Misericórdia, 2007.
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Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa, Loyola, 2001.
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Papa Leão XIII. Rerum Novarum. 1891.
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Papa Pio XII. Mystici Corporis Christi. 1943.
🔹 Fontes Históricas e Filosóficas
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Rafael Bluteau. Vocabulário Português e Latino. Lisboa, 1712-1728.
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Frederick Jackson Turner. The Frontier in American History. Henry Holt and Company, 1920.
-
Josiah Royce. The Philosophy of Loyalty. Macmillan, 1908.
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Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições. Vide Editorial, 2015.
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Olavo de Carvalho. O Imbecil Coletivo. Vide Editorial, 2017.
🔹 Fontes Complementares
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Charles Taylor. A Secular Age. Harvard University Press, 2007.
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Rémi Brague. A Lei de Deus: História Filosófica de uma Aliança. Três Estrelas, 2019.
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Plinio Corrêa de Oliveira. Revolução e Contra-Revolução. Editora Vera Cruz, 1959.
-
Jean-Pierre Vernant. As Origens do Pensamento Grego. Difel, 1991.
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