Introdução
A influência dos Estados Unidos sobre a política interna de diversos países, incluindo o Brasil, manifesta-se historicamente por meio de mecanismos de guerra híbrida, diplomacia agressiva, controle de informações e financiamento de organizações não governamentais através de agências como a United States Agency for International Development (USAID). Este artigo busca analisar como essa influência se operacionaliza no Brasil, especialmente no contexto recente das eleições e da condução da política externa.
O conteúdo aqui exposto é baseado em análises recentes, como as do ex-conselheiro do Departamento de Estado, Mike Benz, bem como nas falas do coronel Gerson e de outros comentaristas brasileiros, cruzando essas informações com autores referenciais da geopolítica contemporânea.
1. USAID e a Doutrina Neoconservadora: Exportação da Democracia ou Imperialismo Disfarçado?
A criação da USAID, em 1961, tinha como proposta oficial fornecer assistência humanitária, mas desde sua origem foi projetada como um instrumento de influência política e geoestratégica dos EUA no mundo. Segundo Nye (2004, p. 5), “o poder suave funciona quando outros querem o que você quer. Isso contrasta com o poder duro, que utiliza coerção e pagamento”. A USAID opera exatamente nesse limiar, financiando ONGs, movimentos sociais e programas que alinham os países aos interesses americanos.
Porém, como alerta Chalmers Johnson (2000, p. 23), “as ações de inteligência, interferências e tentativas de mudança de regime sob o pretexto de ajuda e desenvolvimento acabam por gerar efeitos colaterais, o chamado blowback, que muitas vezes retornam para assombrar o próprio império”.
Essa atuação se articula historicamente com a agenda dos neoconservadores, grupo que, segundo Brzezinski (1997, p. 24), defende que os Estados Unidos devem “manter sua primazia global por meio da intervenção militar, controle de recursos estratégicos e imposição de seus valores”.
O ex-presidente Donald Trump, ao contrário, criticou abertamente essa política. Em discurso na Arábia Saudita, declarou: “não estamos aqui para dar lições. Não estamos aqui para dizer aos outros como viver” (TRUMP apud PATRICK, 2017, p. 156). Essa fala evidencia a ruptura de Trump com a tradição neoconservadora, priorizando o interesse interno americano.
2. A Guerra Híbrida Aplicada ao Brasil: Entre Censura, Judicialização e Pressões Diplomáticas
A guerra híbrida consiste em uma combinação de meios militares, diplomáticos, econômicos, cibernéticos e informacionais para desestabilizar governos. Para Mike Benz (2023), o modelo adotado pelos EUA nos últimos anos foca no controle informacional e na censura digital, como armas principais.
Na transcrição analisada, o coronel Gerson destaca que a visita do diretor da CIA ao Brasil, durante o processo eleitoral, “foi, na prática, uma ameaça velada ao governo brasileiro” (GERSON apud ENTREVISTA, 2024). Trata-se de um episódio que ilustra claramente como os EUA, sob pretexto de “defesa da democracia”, interferem diretamente na soberania de outros países.
Essa prática não é nova. Como explica Zbigniew Brzezinski (1997, p. 48), estrategista da segurança nacional americana, “o controle da Eurásia é vital para a primazia americana, assim como o controle indireto da América Latina é essencial para garantir seu quintal estratégico”. A atuação da USAID e de outras agências se insere exatamente nessa lógica de manutenção do controle periférico.
3. O Desmonte Estratégico do Brasil: De FHC à Censura das Redes
O coronel observa ainda que desde o governo Fernando Henrique Cardoso houve um trabalho sistemático de redução do protagonismo militar brasileiro. O próprio Ministério da Defesa foi criado, segundo ele, “como uma imposição indireta dos EUA, visando limitar o poder autônomo das Forças Armadas brasileiras” (GERSON apud ENTREVISTA, 2024).
Esse enfraquecimento institucional coincidiu com a crescente dependência econômica do Brasil de setores controlados por capitais americanos e europeus, especialmente no agronegócio e na indústria de aviação. “Enquanto se acena diplomaticamente para a China e a Rússia, toda a estrutura produtiva de alto valor agregado brasileira está ligada ao Ocidente”, observa o coronel (GERSON apud ENTREVISTA, 2024).
De fato, segundo Woolf (2022, p. 7), “a interdependência econômica é uma das ferramentas não militares mais eficazes de projeção de poder do Departamento de Defesa dos Estados Unidos”.
4. Choque Entre a Realidade Geopolítica e o Idealismo Ideológico
O descompasso entre o discurso ideológico da política externa brasileira — buscando alinhamento com China, Rússia e outros regimes — e sua realidade econômica interna, profundamente integrada ao sistema ocidental, gera contradições profundas.
Segundo Patrick (2017, p. 21), “a soberania no mundo moderno não pode mais ser tratada como um conceito absoluto, mas como uma negociação constante entre interesses domésticos e pressões externas”. Isso explica por que movimentos de aproximação do Brasil com blocos como os BRICS não são suficientes para alterar, no curto prazo, sua dependência estrutural dos EUA e da Europa.
O coronel Gerson conclui: “não se trata de amizade entre países, mas de interesses e de quem domina os mecanismos de pressão e influência” (GERSON apud ENTREVISTA, 2024).
Conclusão
A análise da atuação da USAID e da política externa americana no Brasil permite compreender que a soberania nacional é hoje disputada em múltiplas frentes: econômica, informacional, tecnológica e militar. A guerra híbrida, longe de ser uma abstração teórica, manifesta-se concretamente na forma de censura, judicialização seletiva, controle sobre redes sociais e pressões diplomáticas disfarçadas de defesa da democracia.
O amadurecimento da diplomacia brasileira exige que o país reconheça suas vulnerabilidades estruturais, compreenda os jogos de poder global e estabeleça políticas de fortalecimento interno que reduzam sua dependência estratégica, tanto do Ocidente quanto de outros polos de poder.
Referências Bibliográficas – Formato ABNT
BENZ, Mike. Testemunhos e Relatórios sobre Censura e Interferência nas Eleições. Foundation for Freedom Online, 2023. Disponível em: https://foundationforfreedomonline.com. Acesso em: 02 jun. 2025.
BRZEZINSKI, Zbigniew. The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives. New York: Basic Books, 1997.
GOMES, Coronel Gerson. Entenda funcionamento da USAID e influência dos EUA no Brasil. Transcrição de áudio. 2024.
JOHNSON, Chalmers. Blowback: The Costs and Consequences of American Empire. New York: Henry Holt, 2000.
NYE, Joseph S. Jr. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004.
PATRICK, Stewart. The Sovereignty Wars: Reconciling America with the World. Washington D.C.: Brookings Institution Press, 2017.
TRUMP, Donald. Discurso na Cúpula Árabe-Americana-Islâmica. Riyadh, 2017. Apud: PATRICK, Stewart. The Sovereignty Wars: Reconciling America with the World. Washington D.C.: Brookings Institution Press, 2017.
USAID. History and Mission. Disponível em: https://www.usaid.gov. Acesso em: 02 jun. 2025.
WOOLF, Amy. U.S. Defense Primer: The Department of Defense. Congressional Research Service, 2022. Disponível em: https://crsreports.congress.gov/product/pdf/IF/IF10587. Acesso em: 02 jun. 2025.
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