Quando a ibirarama, essa árvore nova, promissora e carregada de potência, é cortada, ela não se torna uma árvore velha e superada. Na lógica dos povos da floresta, isso não é ruína, nem fracasso, nem extinção. É travessia.
A ibirarama, uma vez ceifada, não perece. Ela é transladada — levada por mãos invisíveis, por forças que transcendem a materialidade — para uma outra terra. Uma terra sem males. Uma terra onde as sementes não conhecem a corrupção, onde as raízes não encontram o apodrecimento, onde os frutos amadurecem até o limite da abundância, até que, enfim, cumprindo seu ciclo, a árvore se torne velha — não por decadência, mas por plenitude.
Eis o que seria a ucronia para os povos indígenas. Não uma mera especulação sobre o que poderia ter sido, como concebe a mente moderna, mas um lugar real no espírito, um espaço-tempo outro, onde tudo aquilo que aqui foi interrompido, ferido ou perdido encontra sua continuidade. Não se trata de fugir da história, mas de saber que ela não é o todo. Existe um além da história. Existe um além do tempo.
Na visão dos povos originários, o tempo não é uma linha que se arrasta do passado para o futuro, nem uma seta que aponta cegamente para a frente. O tempo é um círculo, uma espiral, um organismo vivo. O que morre, renasce. O que se perde, se transmuta. O que se corta, se reencarna, se reimplanta, se refaz.
Deus, aqui, aparece não como um engenheiro das máquinas do mundo, mas como um engenheiro florestal — aquele que transplanta, que cuida, que move árvores inteiras de um campo para outro, de um mundo para outro, de um plano para outro, para que cumpram a sua vocação até o fim.
Se na lógica do progresso moderno, cortar uma árvore é liquidá-la, na lógica do sagrado indígena, cortar é deslocar. E deslocar é permitir que ela floresça em outro chão, em outra realidade. Talvez no chão da memória. Talvez no chão da eternidade. Talvez no chão onde os espíritos dançam e os ancestrais conversam, onde a história não é prisão, mas possibilidade.
O que a cosmovisão indígena intui pela experiência do mundo é, em certa medida, aquilo que a teologia cristã anuncia pela promessa: que há uma restauração final, que há um reino onde todas as feridas serão curadas, onde toda criação — homens, bichos, rios, florestas, ventos — será reconciliada consigo mesma e com o seu Criador.
Nesse sentido, a Terra Sem Males não é apenas uma utopia geográfica, nem uma ilusão mítica. É uma prefiguração, um anúncio, um eco do próprio Reino dos Céus — onde nada do que é verdadeiramente bom se perde, onde tudo que foi, é e será encontra seu cumprimento no amor.
A ibirarama, portanto, ao ser cortada, não deixa de existir. Ela simplesmente muda de estado, de plano, de solo. E continua sua vocação até o fim — até que, então, possa descansar, não porque foi descartada, mas porque foi plenamente realizada.
Eis o que é a ucronia para os povos da floresta. E talvez — quem sabe — eis o que deveria ser, também, para nós.
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