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domingo, 8 de junho de 2025

📜 O Grande Júri e o Juiz de Pronúncia: um estudo comparado entre os sistemas norte-americano e brasileiro

Em muitos debates sobre direito comparado, surge a curiosidade em torno do chamado grande júri (grand jury) do sistema jurídico norte-americano. Sua existência, por vezes mitificada, desperta o interesse de estudiosos do processo penal, especialmente quando comparada à atuação do juiz de pronúncia no sistema brasileiro, no âmbito do Tribunal do Júri.

Embora sejam instituições distintas, pertencentes a tradições jurídicas diferentes (common law e civil law, respectivamente), ambas desempenham um papel funcionalmente semelhante: o de filtrar os casos que efetivamente merecem ser levados a julgamento popular.

📌 O Grande Júri: Origem, Composição e Finalidade

O grande júri é uma instituição típica do direito penal norte-americano, prevista na Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Trata-se de um colegiado de cidadãos leigos, geralmente composto por 16 a 23 pessoas, convocado para deliberar, em segredo, se existem provas suficientes para acusar formalmente alguém de um crime, isto é, para emitir um "indictment".

A atuação do grande júri ocorre antes do julgamento propriamente dito. O réu não participa dos trabalhos, nem seu advogado; quem conduz a apresentação dos fatos é o promotor público, que exibe documentos, escuta testemunhas e solicita o indiciamento. Se pelo menos doze jurados concordarem que há causa provável (probable cause), o acusado é formalmente denunciado e segue-se o processo judicial.

Portanto, o grande júri não julga a culpa, mas funciona como uma instância pré-processual voltada à formação da acusação, com o objetivo de proteger o cidadão de acusações arbitrárias por parte do Estado.

📌 O Juiz de Pronúncia no Brasil: Rito do Júri e Garantia Processual

No Brasil, o equivalente funcional ao grande júri é encontrado na figura do juiz de pronúncia, que atua no rito especial do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do Código de Processo Penal).

Após a fase de instrução preliminar, o juiz analisa se existem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade de um crime doloso contra a vida (como homicídio, infanticídio, induzimento ao suicídio, entre outros). Caso existam, ele pronuncia o réu, ou seja, decide que ele deve ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, composto por sete jurados leigos.

É importante destacar que o juiz de pronúncia não julga o mérito da causa. Ele apenas verifica a presença de elementos mínimos que justificam o envio do caso à apreciação do povo, conforme o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da Constituição Federal, que assegura a soberania dos veredictos do júri.

A decisão de pronúncia pode ser:

  • Pronúncia: o réu será julgado pelo júri;

  • Impronúncia: ausência de indícios suficientes;

  • Absolvição sumária: se houver prova cabal de exclusão do crime ou da ilicitude;

  • Desclassificação: se o crime não for doloso contra a vida, cabendo à justiça comum o julgamento.

🧭 Comparando as Funções

Apesar de se situarem em momentos distintos dos respectivos processos penais, o grande júri americano e o juiz de pronúncia brasileiro compartilham a missão de evitar que o réu seja submetido a julgamento popular sem justa causa. Ambos operam como instâncias de controle prévio da acusação.

Critério Grande Júri (EUA) Juiz de Pronúncia (Brasil)
Natureza Coletiva (leigos) Singular (juiz togado)
Composição 16 a 23 cidadãos 1 juiz de direito
Participação da defesa Não participa Participa plenamente
Publicidade Segredo Publicidade relativa (salvo exceções)
Resultado Indictment (acusação formal) Pronúncia (envio ao júri popular)
Julga a culpa? Não Não

⚖️ Diferenças Sistêmicas e o Princípio Acusatório

A presença do grande júri no direito americano decorre de uma tradição constitucional que valoriza a participação cidadã mesmo nas etapas iniciais do processo penal. Já no Brasil, inserido em um sistema acusatório de matriz romano-germânica, o controle da acusação é atribuído a um juiz técnico, em respeito aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Enquanto o grande júri busca ser um freio comunitário ao poder do Estado, o juiz de pronúncia cumpre uma função de garantia jurisdicional, sendo imparcial e fundamentando sua decisão com base no conjunto probatório colhido na fase instrutória.

📚 Conclusão

A comparação entre o grande júri norte-americano e o juiz de pronúncia brasileiro revela como diferentes sistemas jurídicos resolveram o mesmo problema: como garantir que ninguém seja julgado sem justa causa.

Embora os meios adotados variem – um pelo veredito prévio de um grupo de cidadãos, outro por uma decisão judicial técnica –, o fim é o mesmo: assegurar a justiça do processo e a dignidade da pessoa humana, evitando perseguições arbitrárias e preservando o equilíbrio entre a autoridade estatal e os direitos do acusado.

📖 Bibliografia

  • BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.

  • CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de Antonio de Holanda Cavalcanti. São Paulo: Saraiva, 2017.

  • GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 24. ed. Niterói: Impetus, 2022.

  • LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2024.

  • MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

  • UNITED STATES CONSTITUTION. Fifth Amendment (Due Process Clause and Grand Jury Requirement).

  • LAFAVE, Wayne R. Criminal Procedure. 6th ed. St. Paul, MN: West Academic Publishing, 2020.

  • BARRON, Jerome A.; DIENES, C. Thomas. Constitutional Law: Principles and Policy. 9th ed. St. Paul, MN: West Academic, 2022.

  • ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Derecho Penal Latinoamericano. Buenos Aires: Ediar, 2019.

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