Na década de 1980, a música pop e o rock anglófono viveram uma era de domínio quase absoluto sobre a indústria fonográfica global, capitaneada por nomes como Michael Jackson e Madonna. O fenômeno cultural era tão avassalador que muitas bandas excelentes, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo, foram ofuscadas. No entanto, com o advento do streaming e o ressurgimento de interesse por obras menos comerciais e mais densas, artistas como Renato Russo vêm sendo redescobertos por novas gerações — e, finalmente, comparados em pé de igualdade com ícones da música internacional.
A força de Renato Russo
Líder da Legião Urbana, Renato Russo foi um letrista e compositor singular. Sua música "Monte Castelo" é exemplo paradigmático de uma obra que transcende a música popular para tocar os domínios da filosofia, da teologia e da poesia clássica. A canção combina versos de Camões e da Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, resultando numa reflexão sobre o amor como única via de redenção humana.
Esse tipo de abordagem é virtualmente inexistente no rock anglófono. Tomemos como comparação três canções icônicas: "Love of My Life" (Queen), "One" (U2) e "Like a Rolling Stone" (Bob Dylan). Embora todas sejam grandes obras, nenhuma delas atinge a profundidade metafísica e espiritual de "Monte Castelo".
Comparando universos líricos
"Love of My Life" é uma ode à perda amorosa. Freddie Mercury canta a ausência com uma doçura e desespero tocantes, mas ainda se mantém num plano romântico e humano, sem aludir a transcendência. Já "One", de Bono Vox, apresenta um drama mais complexo: o amor ferido e conflituoso. A música se constrói em torno de uma tensão irresolúvel — queremos amar, mas não sabemos como, ou não conseguimos perdoar.
Bob Dylan, por sua vez, desmonta a identidade de uma geração em "Like a Rolling Stone". A letra é ácida, irônica, uma espécie de juízo final sem tribunal nem redenção. A personagem é lançada ao mundo sem bússola, despojada de tudo, inclusive da própria dignidade.
Renato Russo vai além. Em "Monte Castelo", ele não apenas reconhece o sofrimento e a ruína, mas aponta uma saída — o Amor com letra maiúscula. Seu amor "tudo crê, tudo espera, tudo suporta". O tom não é de sarcasmo nem de lamento, mas de confissão solene, como num salmo contemporâneo. A canção é oração e poema ao mesmo tempo. E o mais impressionante: é cantada em português, numa época em que o idioma era culturalmente periférico no cenário global.
A originalidade como marca
Nenhuma banda de rock anglófono, até onde sabemos, realizou um trabalho similar. Não se trata aqui de nacionalismo musical, mas de uma constatação: Renato Russo, por meio de um domínio singular da palavra, da estrutura poética e da herança espiritual do Ocidente, construiu uma obra que se eleva acima da média internacional. Não há concessões comerciais em "Monte Castelo". O ouvinte é convidado a refletir, a se emocionar, e — acima de tudo — a se converter.
Conclusão
Criticar Renato Russo sem compreender essa densidade é ignorar a verdadeira função da arte: elevar, iluminar, transformar. A obra dele resiste ao tempo porque carrega consigo o peso da verdade, da beleza e da dor — e os reconcilia no Amor. Em um mundo cada vez mais órfão de sentido, revisitar músicas como "Monte Castelo" é não apenas um ato estético, mas também espiritual.
A superioridade poética de Renato Russo, especialmente em "Monte Castelo", não é acidental. É fruto de um gênio que soube ouvir os ecos da eternidade e traduzi-los em uma língua que agora se expande pelo mundo — o português da alma redimida.
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