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domingo, 25 de maio de 2025

O invisível aos olhos do mundo: a verdadeira memória nos méritos de Cristo

Vivemos num mundo regido por um princípio cruel e não declarado: “Quem não é visto, não é lembrado.” Este axioma, repetido nas rodas de negócios, nas redes sociais e até nas relações mais íntimas, revela a lógica de um tempo dominado pela busca incessante por visibilidade, validação e aplauso. É o império da imagem, onde o ser frequentemente cede espaço ao parecer.

Contudo, aos olhos de Deus, essa lógica se desfaz. O próprio Deus não tem imagem. Não pode ser representado, fotografado nem exibido. E, no entanto, é Ele quem sustenta a existência de tudo, visível e invisível. Quem vive em conformidade com o Todo que vem de Deus jamais se esquece Dele, pois Deus não precisa ser visto para ser lembrado. A memória de Deus não depende da propaganda, mas da presença viva que Ele imprime na consciência reta, na inteligência iluminada e na vontade ordenada ao bem.

A Memória do Invisível

Diante dessa realidade, cabe refletir: como posso ser digno dos méritos de Cristo se adoto a lógica do mundo, que descarta, ignora e invisibiliza aqueles que não têm utilidade aparente, que não brilham, que não vendem, que não performam?

Os Cristos necessitados — os pobres, os doentes, os marginalizados, os esquecidos — são aqueles que o mundo não quer ver. São os invisíveis na lógica do mercado, da política e até, muitas vezes, nas relações sociais mais corriqueiras. Mas não são invisíveis aos olhos de Deus. Ao contrário: neles se manifesta, de maneira misteriosa, a própria presença de Cristo.

“Tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era estrangeiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.” (Mt 25, 35-36)

É por isso que, na busca de ser digno dos méritos de Cristo, não posso jamais esquecer daqueles que o mundo esquece. E, ainda que eu os veja poucas vezes na vida, mantenho o registro daquilo que é digno aos olhos de Deus: uma memória viva e operante, pronta a se converter em atos concretos de amor, serviço e caridade quando a ocasião se apresentar.

Quando a Dor Revela a Verdade

Não falo dessas coisas apenas por reflexão teórica. Falo porque conheço, na carne e na alma, o que é ser invisível até mesmo para quem, por juramento, recebeu a incumbência de cuidar dos outros.

Em 2023, quando adoeci gravemente e fiquei acamado, a mulher com quem eu me relacionava — uma enfermeira — me deixou exatamente quando eu mais precisava. Naquele momento, percebi que, para ela, eu não era um Cristo necessitado, não era o homem que, recuperado, poderia ser o companheiro da vida dela. Eu era apenas mais um paciente. Um peso. Um problema. Fui descartado, invisibilizado e abandonado.

Essa experiência me fez compreender, de dentro, o que significa ser um dos invisíveis deste mundo. E me ensinou, com uma clareza cortante, que até quem fez um juramento público de cuidar pode, se não estiver verdadeiramente unido à fonte do amor que é Deus, transformar sua vocação em mera função — esvaziada de alma, de humanidade e de compaixão.

Mas essa dor não me revoltou contra Deus. Pelo contrário: ela me configurou ainda mais com Cristo, que também foi abandonado pelos seus na hora da paixão.

“Então todos os discípulos o abandonaram e fugiram.” (Mt 26, 56)
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46)

Contra a Lógica do Esquecimento

Recusar o princípio “quem não é visto não é lembrado” é um ato de resistência espiritual. Significa afirmar que a dignidade não depende de holofotes, curtidas ou prestígio. A verdadeira memória é aquela que se faz em Deus, não nos algoritmos do mundo.

Por isso, assumo como princípio de vida que, sempre que algo me for concedido por Deus — seja um bem material, seja um tempo livre, seja um gesto de cuidado —, procurarei aqueles que o mundo esquece, para dar-lhes toda a atenção de que um Cristo necessitado necessita. Não por pena, nem por filantropia vazia, mas por amor e por justiça, pois neles está Cristo, que se fez pobre, fraco e invisível para confundir os fortes e visíveis deste século.

O Registro que Permanece

O mundo faz seus registros em nuvens digitais, bancos de dados e redes sociais. Deus faz Seu registro no Livro da Vida, onde não entra a vaidade, nem a mentira, nem a soberba.

Manter o registro dos necessitados, lembrar dos invisíveis, é um exercício de fidelidade ao próprio Cristo. É uma forma de dizer ao mundo que sua lógica de esquecimento e desprezo não tem domínio sobre aqueles que vivem na verdade que liberta.

Este é, enfim, um princípio que professo e me esforço por viver:

“Seja o mundo amnésico do que é digno; eu, porém, serei memória viva daquilo que Deus ama e não esquece.”

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