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domingo, 25 de maio de 2025

Do Fórum da Barra Funda ao Fórum da “Barafunda”: Uma Crônica Jurídica da Paulicéia Desvairada

Em meio ao concreto bruto da metrópole paulistana, ergue-se o Fórum Criminal da Barra Funda, centro nevrálgico da Justiça Penal em São Paulo. Ali, milhares de advogados, promotores, juízes, peritos, servidores e partes se cruzam diariamente, como formigas agitadas em um formigueiro cujo mapa poucos dominam. No entanto, não são poucos os que, entre risos irônicos e suspiros cansados, abandonam a pronúncia formal para batizar aquele complexo de concreto e burocracia com um nome que lhe soa mais apropriado: Fórum da “Barafunda”.

O trocadilho não é mero capricho linguístico. A semelhança fonética entre “Barra Funda” e “Barafunda” é apenas a porta de entrada para uma crítica mordaz, porém bem-humorada, que emerge da experiência concreta de lidar com aquele organismo labiríntico. Aqui, a ironia opera com elegância: simula um estrangeirismo, como se o termo “barafunda” fosse uma corruptela vinda do inglês, do espanhol ou de algum idioma qualquer — mas, na verdade, é um abrasileiramento ácido que revela mais sobre a realidade local do que qualquer empréstimo linguístico poderia expressar.

Quando o Nome Revela a Coisa

O nome de um lugar, dizia Aristóteles, não é apenas um signo arbitrário; em certas circunstâncias, revela a própria essência da coisa nomeada. E se é verdade que o bairro da Barra Funda herdou seu nome da geografia — uma referência às várzeas alagadiças que ali existiam —, também é verdade que o Fórum, de certo modo, parece ter absorvido para si as características de um terreno pantanoso: difícil de atravessar, cheio de becos sem saída, de afundamentos e de embaraços.

Ali, quem não conhece as regras não escritas do funcionamento interno rapidamente se perde. E não me refiro às regras processuais codificadas, que já são um labirinto por si só, mas às lógicas subterrâneas que regem o fluxo real dos processos, dos despachos, das audiências e dos trâmites administrativos.

A Barafunda Estrutural

O caos não é meramente uma percepção subjetiva. Ele se revela, de forma objetiva, na arquitetura, na logística e na cultura institucional daquele lugar. São incontáveis varas espalhadas em prédios diferentes, corredores infindáveis, sistemas eletrônicos que coexistem com processos físicos, balcões que nunca atendem na mesma lógica, filas que surgem do nada e somem sem explicação, audiências que se sobrepõem, ofícios que somem, petições que evaporam.

É uma verdadeira coreografia da ineficiência, um balé descoordenado que obriga advogados e jurisdicionados a desenvolverem uma habilidade especial: a de navegar no caos. Quem não domina essa arte logo se vê frustrado, exasperado e, não raro, prejudicado.

O Elemento “Gringo” na Ironia

O componente “gringo” na formulação desse apelido não é acidental. Ele revela, ainda que inconscientemente, uma crítica à tendência recente — sobretudo no meio jurídico — de importar modelos, expressões e fórmulas estrangeiras, muitas vezes desconectadas da realidade brasileira. Assim, o Fórum vira “Barafunda” quase como se fosse um erro de pronúncia de um turista perdido, que tenta perguntar o caminho sem saber onde está nem onde quer chegar. Mas o turista, aqui, somos todos nós.

Essa pseudo-estrangeirização do termo ironiza não apenas o funcionamento interno do fórum, mas também uma certa pretensão cosmopolita do próprio sistema judiciário, que adota jargões em latim, importações do common law e protocolos inspirados em modelos que pouco dialogam com a realidade tropical — onde o processo não corre, tropeça.

Reflexo de Uma Crise Maior

O que se passa na “Barafunda” não é exceção, mas espelho. É reflexo da própria crise estrutural do Poder Judiciário brasileiro: abarrotado, lento, disfuncional, hiperformalista quando convém e escandalosamente informal onde não deveria ser. O fórum é, portanto, a metáfora encarnada do Estado brasileiro: robusto na aparência, descoordenado na prática, burocrático na forma, caótico na essência.

Conclusão: Um Nome Que Diz Tudo

Chamar o Fórum da Barra Funda de “Fórum da Barafunda” não é apenas um gracejo. É um ato de resistência simbólica. É transformar a linguagem em crítica, a fonética em denúncia e a ironia em catarse coletiva. Afinal, quando a realidade se recusa a ser racional, resta ao povo nomeá-la pelo que ela realmente é.

E assim segue o Fórum — ou a Barafunda — enquanto a esperança de que a justiça, um dia, deixe de ser um labirinto e volte a ser caminho.

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