A pena de morte, A verdade e A autoridade: reflexões à luz da constituição e da doutrina cristã
Resumo:
A Constituição Federal do Brasil veda a pena de morte, exceto em caso de guerra declarada. Este artigo explora o sentido profundo desta exceção, ampliando a reflexão para o plano teológico e filosófico, sobretudo a partir da doutrina cristã. Em tempos de crise democrática, quando autoridades usurpadoras ocupam espaços legítimos de poder e afastam-se da verdade, instaura-se uma "guerra declarada" contra o reino da mentira. Nesta luta, a verdade, conforme ensinado por São João Paulo II, é o fundamento da liberdade, e a autoridade revestida de Cristo deve buscar restaurar a ordem justa e o bem comum.
Introdução
A Constituição de 1988 é clara ao dispor sobre a pena de morte no Brasil: ela é expressamente proibida, exceto em situações extremas, como em caso de guerra declarada (art. 5º, inciso XLVII, alínea "a"). Esta norma revela o compromisso do Estado Democrático de Direito com a proteção da vida humana. No entanto, essa exceção suscita reflexões importantes sobre o que significa "guerra declarada" e, mais amplamente, sobre o papel da autoridade e da verdade em tempos de crise democrática.
A pena de morte na Constituição e o contexto da guerra declarada
O artigo 5º da Constituição Federal não deixa dúvidas: a pena de morte não é admitida em tempo de paz. Contudo, a hipótese da guerra declarada autoriza exceções, o que aponta para um estado de exceção em que o direito à vida pode ser relativizado pela necessidade extrema de defesa da nação.
Mas, e quando a própria democracia — cuja finalidade é a realização da justiça e da liberdade — se encontra relativizada, corroída por interesses e mentiras, e autoridades ilegítimas ocupam os espaços do poder? Pode-se dizer que existe uma “guerra declarada” contra a ordem justa, ainda que ela não seja reconhecida formalmente como tal?
Democracia Relativa e A Usurpação da Autoridade
A democracia verdadeira exige a conexão entre o poder político e a verdade. Quando o poder se dissocia da verdade, a democracia torna-se mera técnica de dominação, uma estrutura frágil que serve a interesses distorcidos, e não ao bem comum. Este fenômeno cria o que pode ser chamado de democracia relativa: um regime em que a aparência democrática existe, mas a essência está comprometida.
Neste contexto, aqueles que "conservam o que é conveniente e dissociado da verdade", ocupando espaços próprios de autoridades legítimas, tornam-se obstáculos para o verdadeiro exercício da liberdade. A autoridade legítima, segundo a doutrina cristã e filosófica clássica, deve ser revestida da verdade e ordenada ao bem comum. Sem isso, ela é mera tirania.
A verdade como fundamento da liberdade
São João Paulo II, na sua encíclica Veritatis Splendor, ensina que a liberdade humana só pode ser entendida em correspondência com a verdade do bem. A liberdade não é autonomia absoluta, mas a capacidade de agir segundo a verdade.
Assim, a luta pela restauração da verdade no âmbito político e social é uma luta pela liberdade verdadeira. A "guerra declarada" contra as falsas autoridades não é, portanto, uma guerra de violência física necessariamente, mas uma luta pela conversão, pelo esclarecimento e pela restauração da ordem justa.
Autoridades Revestidas de Cristo e O Papel do Verdadeiro Poder
A autoridade legítima, segundo São Tomás de Aquino, é aquela que ordena o homem ao bem comum. Essa autoridade só pode ser legítima se fundada na verdade, que é revelada em Cristo, o Rei eterno. A usurpação do poder por aqueles que rejeitam a verdade implica um desvio grave da ordem social e espiritual.
Portanto, o papel dos verdadeiros detentores da autoridade — “revestidos de Cristo” — é combater a mentira e restaurar a ordem, fazendo valer o direito natural e divino. Tal combate não se reduz ao plano temporal, mas envolve uma dimensão espiritual, onde armas como a oração, o ensino e o testemunho são fundamentais.
Considerações Finais
A exceção da pena de morte em caso de guerra declarada na Constituição brasileira pode ser entendida, em um plano mais amplo, como um símbolo da necessidade de proteção extrema da ordem justa contra forças que ameaçam a vida e a liberdade.
Em tempos de democracia relativa, a verdadeira “guerra declarada” é aquela contra a mentira e a usurpação do poder, onde o trabalho dos cristãos e das autoridades legítimas é afirmar a verdade como fundamento da liberdade, promovendo uma ordem social que respeite a dignidade humana e o bem comum.
Assim, a verdadeira pena a ser aplicada não é sobre as pessoas, mas sobre as estruturas e ideologias que se afastam da verdade, sempre com a finalidade de restaurar a liberdade plena, como ensinou São João Paulo II.
Bibliografia
📜 Fontes Jurídicas
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Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm -
Bobbio, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 13. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
(Para fundamentação teórica sobre a norma jurídica e seus limites, incluindo situações excepcionais como a guerra.)
📜 Fontes Filosóficas e Políticas
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Particularmente a Iª-IIae, q.90-97, que trata da lei e da sua relação com o bem comum. -
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(Fundamentação sobre a política como busca do bem comum.) -
Royce, Josiah. A Filosofia da Lealdade. São Paulo: É Realizações, 2019.
(Relevante para entender a ligação entre dever, lealdade, comunidade e verdade.) -
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(Análise da crise da modernidade e da perda da referência à verdade no direito.) -
Maritain, Jacques. O Homem e o Estado. São Paulo: Paulus, 2005.
(Importante para discutir o papel da autoridade legítima e do bem comum.)
📜 Fontes Magisteriais e Doutrina Social da Igreja
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Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html -
Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Pontifício Conselho Justiça e Paz. São Paulo: Paulinas, 2005.
(Obra de referência para compreender a relação entre autoridade, bem comum e verdade.)
📜 Fontes Complementares
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(Fundamental para compreender a importância da leitura criteriosa na formação do espírito crítico e do senso da verdade.) -
Silveira, Sidney. A Dialética da Decadência. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2010.
(Análise da decadência cultural e da corrupção da autoridade sem referência à verdade.)
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