Como as diferenças na formação política, social e jurídica definiram destinos opostos na história da Polônia e de Portugal.
Introdução
A história dos povos é, em grande medida, moldada pelas estruturas institucionais que adotam. Duas nações que, à primeira vista, compartilham experiências de crises dinásticas – Polônia e Portugal – trilharam, no entanto, destinos profundamente diferentes. Enquanto a Polônia foi tragada por sua própria aristocracia, perdendo sua soberania durante mais de um século, Portugal atravessou o mesmo mar revolto, mas manteve-se de pé, preservando sua unidade e sua independência.
O que explica essa diferença? A resposta está nas raízes profundas de cada civilização: no modelo de organização política, na cultura jurídica e na formação social dos seus respectivos reinos.
1. A Monarquia Eletiva Polonesa: A Abertura da Caixa de Pandora
Após a morte do rei Sigismundo II Augusto, último da dinastia Jaguelônica, em 1572, a Polônia adotou um modelo de monarquia eletiva, permitindo que a nobreza escolhesse livremente quem ocuparia o trono. A intenção era proteger a liberdade da nobreza contra a centralização do poder nas mãos de uma dinastia hereditária. Na prática, criou-se um Estado incapaz de se defender, de se reformar ou de tomar decisões estruturantes.
O sistema polonês ficou conhecido pelo conceito da "Liberdade Dourada", que incluía:
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O "liberum veto", que permitia que qualquer deputado do Sejm (parlamento) vetasse decisões unilaterais, bloqueando totalmente o funcionamento do Estado.
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A eleição de reis estrangeiros, frequentemente subordinados aos interesses de potências vizinhas.
Esse modelo não era um avanço democrático, como alguns anacronicamente poderiam supor, mas sim uma oligarquia aristocrática, onde a liberdade estava restrita a uma pequena elite nobiliárquica, às custas da fragilidade nacional.
O preço foi altíssimo:
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Incapacidade de resistir às pressões externas.
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Dependência crescente da Rússia, da Prússia e da Áustria.
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Culminando nas três Partilhas da Polônia (1772, 1793 e 1795), que apagaram o país do mapa até sua restauração no século XIX.
2. Portugal: a fortaleza contra a desintegração
No mesmo século XVI, Portugal enfrentava uma crise similar. A morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir (1578) e do seu sucessor, Cardeal D. Henrique, abriu uma crise de sucessão. Diferentemente da Polônia, Portugal não cedeu ao modelo de monarquia eletiva como regra permanente. Houve, sim, um interregno e uma disputa dinástica que culminou na união com a Espanha sob Filipe II (Filipe I de Portugal). Contudo, esse arranjo manteve-se como uma união pessoal de coroas, sem dissolver a soberania jurídica do Reino de Portugal.
Essa união durou até 1640, quando, por meio da Restauração liderada pela Casa de Bragança, Portugal recuperou plena autonomia, reafirmando sua unidade territorial e institucional.
Por que Portugal resistiu, enquanto a Polônia desmoronou?
3. A Grande Diferença: Feudalismo X Reconquista
A chave dessa diferença está nas origens e na formação social de cada reino.
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A Polônia viveu plenamente o modelo feudal europeu, onde o rei era, na prática, um primus inter pares — o primeiro entre iguais. O poder real estava sempre sob o jugo da alta nobreza (szlachta), que dominava vastas extensões de terra e controlava exércitos privados. O Estado era, portanto, estruturalmente fraco.
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Portugal não conheceu o feudalismo clássico. A ocupação árabe impediu a formação do modelo feudal ocidental. No lugar disso, Portugal estruturou-se dentro da lógica da Reconquista Cristã, um modelo que exigia centralização militar, jurídica e administrativa, com forte autoridade real.
O rei português não era um "senhor feudal" entre outros, mas sim o chefe da guerra santa contra os infiéis, líder do processo de reconquista e, posteriormente, da expansão ultramarina. Isso gerou uma cultura de:
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Fortíssima centralização administrativa.
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Sistema jurídico unificado.
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Forte identidade nacional, ligada diretamente à coroa e ao cristianismo.
4. As Consequências Históricas
| Fator | Polônia | Portugal |
|---|---|---|
| Modelo de poder | Oligarquia nobre, rei eleito e fraco | Monarquia centralizada, rei soberano |
| Estrutura social | Feudalismo clássico | Sociedade moldada pela Reconquista |
| Crise dinástica | Monarquia eletiva permanente, colapso estatal | União dinástica temporária, restauração em 1640 |
| Soberania | Extinta nas Partilhas (1772-1795) | Mantida, com breve união com Espanha |
| Expansão e Defesa | Estado fraco, sem capacidade de projeção externa | Império ultramarino, defesa eficaz da soberania |
5. Conclusão
O destino da Polônia serve como um poderoso espelho para entender aquilo de que Portugal foi salvo. A ausência de um feudalismo clássico, substituído por uma cultura de guerra santa, Reconquista e expansão marítima, garantiu a Portugal uma robustez institucional que lhe permitiu atravessar séculos de desafios, mantendo sua unidade e soberania.
Se hoje a Polônia renasce das cinzas como exemplo de resiliência, deve também à superação das estruturas que a levaram à ruína. Portugal, por sua vez, é o exemplo de que uma sólida cultura jurídica, uma autoridade real forte e uma sociedade estruturada fora do feudalismo foram — e continuam sendo — os pilares de sua permanência na história.
Bibliografia Recomendada
Sobre a História da Polônia:
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Davies, Norman. God's Playground: A History of Poland. Oxford University Press. 2005.
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Obra monumental em dois volumes. Essencial para entender a história da Polônia, suas instituições e a crise da monarquia eletiva.
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-
Butterwick, Richard. The Polish-Lithuanian Commonwealth, 1733-1795: Light and Flame. Yale University Press, 2020.
-
Aborda os últimos anos da Comunidade Polaco-Lituana e suas crises institucionais.
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Lukowski, Jerzy & Zawadzki, Hubert. A Concise History of Poland. Cambridge University Press, 2001.
-
Excelente introdução panorâmica à história da Polônia.
-
Sobre a História de Portugal:
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Saraiva, José Hermano. História Concisa de Portugal. Publicações Europa-América, 1993.
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Obra fundamental, clara e sintética, escrita por um dos maiores historiadores populares de Portugal.
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-
Mattoso, José (dir.). História de Portugal. Editorial Estampa.
-
Obra em vários volumes coordenada por José Mattoso, oferece uma abordagem profunda e acadêmica.
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-
Oliveira Marques, A. H. de. História de Portugal. Palas Editores.
-
Uma das sínteses clássicas sobre a história portuguesa.
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Sobre Comparações Culturais, Jurídicas e Políticas:
-
Pocock, J.G.A. The Machiavellian Moment. Princeton University Press, 1975.
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Embora não trate diretamente de Portugal ou Polônia, oferece uma compreensão magistral sobre como diferentes tradições políticas moldaram a história dos povos europeus.
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-
Royce, Josiah. The Philosophy of Loyalty. Macmillan, 1908.
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Essencial para entender como a lealdade forma o tecido social que sustenta ou destrói nações.
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Fontes Complementares:
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Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições. Vide Editorial.
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Reflete sobre o colapso das instituições políticas, jurídicas e morais no Ocidente, o que se conecta diretamente com a análise do colapso da Polônia e da resistência de Portugal.
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-
Leão XIII. Rerum Novarum, 1891.
-
Documento fundamental sobre a ordem social e o papel da autoridade na organização dos povos.
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