1. Introdução: A Roda que Move o Mundo
Desde que o homem inventou a roda, ela não apenas serviu para transportar coisas no espaço físico, mas também se tornou símbolo universal de movimento, transformação, continuidade e poder. O que poucos percebem é que a roda não é só uma ferramenta da física, mas também da política, da economia e da estrutura simbólica das sociedades.
Quando observamos as estruturas de decisão, os núcleos de poder e os círculos de influência, logo percebemos que a lógica da roda — circular, centrada, hierárquica — está presente em praticamente todas as formas organizativas do poder real, ainda que muitas vezes ocultas sob aparências democráticas ou técnicas.
Este artigo propõe refletir sobre a economia da roda, não apenas no sentido técnico e físico, mas sobretudo no plano simbólico, político, iniciático e cultural.
2. A Roda como Arquétipo do Poder
A roda é, antes de tudo, um arquétipo. Na tradição simbólica, ela representa:
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O centro e a periferia: O eixo central imóvel sustenta o movimento da circunferência. Isso reflete diretamente na estrutura do poder: há sempre um centro decisório e uma periferia executora.
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O ciclo eterno: Tal como as estações, os ciclos do tempo, as dinastias e os impérios, a roda simboliza a recorrência dos processos civilizacionais.
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A conexão de pontos distantes: Assim como a roda permite transportar cargas e pessoas, os círculos de poder conectam interesses, territórios e grupos diversos.
3. Círculos Políticos: A Roda Invisível das Decisões
O mito democrático sugere que as decisões são tomadas de forma linear e pública. Contudo, a realidade do poder opera de forma circular:
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Círculos de influência: Pense nos think tanks, nos clubes privados, nas mesas redondas diplomáticas, nas cúpulas internacionais, onde poucos decidem por muitos.
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O princípio do círculo fechado: Assim como a roda é fechada sobre si mesma, os círculos decisórios mantêm-se herméticos. O acesso se dá por cooptamento, herança, iniciação ou mérito restrito.
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A mesa como roda simbólica: A própria disposição de mesas de negociações internacionais, como nas Nações Unidas, nas conferências do G7 ou G20, reproduz a simetria da roda, onde o centro (os interesses estruturantes) organiza a periferia (os interesses subordinados).
4. Sociedade Iniciática e Economia Simbólica
Nenhuma estrutura política ou econômica se sustenta sem uma base simbólica. As sociedades iniciáticas compreenderam isso há milênios.
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Iniciação é economia simbólica: O iniciado é alguém que recebe um capital simbólico. Esse capital não é dinheiro, mas é convertido, direta ou indiretamente, em influência, prestígio, autoridade e, muitas vezes, riqueza material.
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O segredo como moeda: Assim como o dinheiro moderno é uma abstração baseada na confiança, o segredo iniciático é uma forma de capital reservado aos círculos internos, cuja posse distingue o profano do iniciado.
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Economia do saber oculto: Assim como as rodas movem mercadorias, os círculos iniciáticos movem saberes, técnicas de poder, estratégias de domínio e controle social.
5. A Roda na História das Elites
A roda, como símbolo, aparece constantemente na formação das elites:
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Senado Romano: A palavra Senatus vem de senex (velho, ancião), remetendo aos círculos dos anciãos que detinham o saber e o poder. As reuniões eram em fóruns circulares, onde todos podiam ver-se mutuamente, mas a autoridade estava no centro simbólico.
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A Távola Redonda: Na lenda arturiana, a mesa redonda simboliza a igualdade aparente entre os cavaleiros, mas só os iniciados nela têm assento. O povo permanece fora do círculo.
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Círculos maçônicos: A Maçonaria, com sua simbologia geométrica, reproduz a lógica da roda na distribuição dos graus, dos saberes e dos papéis dentro da loja.
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Clubes modernos: Bilderberg, Clube de Roma, Conselho de Relações Exteriores, Bohemian Grove — todos são expressões contemporâneas dos círculos onde o poder real é articulado.
6. A Desintegração da Roda e a Crise Moderna
Na modernidade, especialmente na era das massas, há uma tentativa constante de dissolver os círculos visíveis e substituí-los por estruturas burocráticas, automatizadas e desterritorializadas. Contudo, a roda simbólica não desaparece — ela apenas se desloca:
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Das nações aos mercados: O eixo do poder migra das soberanias nacionais para as mesas de decisão dos grandes fundos, dos bancos centrais e das corporações transnacionais.
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Do espaço físico ao espaço digital: As redes sociais são rodas difusas, onde o algoritmo (o novo eixo invisível) conecta periferias inteiras a centros ocultos.
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A ilusão do acesso: Embora todos tenham acesso aparente às informações, o controle dos dados, dos fluxos e das narrativas está nas mãos de poucos — os novos detentores da roda.
7. Conclusão: Retomar o Centro da Roda
A compreensão da economia da roda é, antes de tudo, uma tomada de consciência. Quem não entende o funcionamento dos círculos simbólicos, políticos e econômicos vive condenado à periferia da história.
O caminho para retomar o controle da própria vida, da própria cultura e da própria comunidade passa necessariamente pela reapropriação do eixo: a restauração dos símbolos, dos ritos, da ordem e do sentido.
Quem ignora os círculos de poder torna-se um ponto perdido na periferia. Quem entende, pode, aos poucos, mover-se da borda em direção ao centro — no plano político, econômico, cultural e espiritual.
Bibliografia Recomendada
🔹 Simbologia, Tradição e Antropologia do Poder
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René Guénon – O Simbolismo da Cruz
➝ Essencial para entender a relação entre eixo, centro, horizontalidade e verticalidade no simbolismo tradicional. -
Mircea Eliade – O Sagrado e o Profano
➝ Sobre a estrutura simbólica dos espaços e a lógica dos centros sagrados. -
Mircea Eliade – Imagens e Símbolos
➝ Análise detalhada da função dos símbolos nas culturas tradicionais e no inconsciente coletivo. -
Julius Evola – Revolta Contra o Mundo Moderno
➝ Estudo profundo das estruturas tradicionais de poder, sua sacralidade e o colapso moderno. -
Jean Hani – O Simbolismo do Templo Cristão
➝ O templo como microcosmo, reprodução da roda celeste e do eixo do mundo.
🔹 Estruturas de Poder, Iniciação e Elites
-
Georges Dumézil – Mito e Epopéia (volumes I, II e III)
➝ Análise da estrutura trifuncional das sociedades indo-europeias: soberania, guerra e produção. -
Vilfredo Pareto – Tratado de Sociologia Geral
➝ A teoria das elites: como o poder circula, se alterna e se mantém através dos "resíduos" e "derivações". -
Gaetano Mosca – A Classe Política
➝ Obra seminal sobre a inevitabilidade das elites e a organização do poder. -
C. Wright Mills – A Elite do Poder
➝ Análise moderna das elites políticas, econômicas e militares nos Estados Unidos e sua interconexão. -
David Rothkopf – Superclass: The Global Power Elite and the World They Are Making
➝ Como as elites globais atuais se formam, operam e mantêm seu poder.
🔹 Economia, Redes e Estruturas Invisíveis
-
Manuel Castells – A Sociedade em Rede
➝ A transição das estruturas verticais para redes horizontais no mundo digital e econômico globalizado. -
Zygmunt Bauman – Globalização: As Consequências Humanas
➝ Como os centros de decisão se desterritorializam e como isso impacta os indivíduos. -
Friedrich Georg Jünger – A Perfeição da Técnica
➝ Uma crítica ao domínio técnico sobre o simbólico e o espiritual, mostrando como a técnica reorganiza o mundo.
🔹 Tradições Cavaleirescas e Círculos Sagrados
-
Jean Markale – A Távola Redonda
➝ O simbolismo da mesa redonda arturiana e sua relação com o poder, a fraternidade e a iniciação. -
Joseph Campbell – O Herói de Mil Faces
➝ Estruturas narrativas e simbólicas que fundamentam os mitos e os ritos de passagem, incluindo os de poder. -
Ramon Llull – O Livro da Ordem de Cavalaria
➝ Reflexão medieval sobre a ordem, a iniciação, o serviço e o simbolismo cavaleiresco.
🔹 Filosofia da Lealdade, Ordem e Serviço
-
Josiah Royce – The Philosophy of Loyalty
➝ Uma reflexão sobre a lealdade como princípio estruturante das ordens, dos círculos e da construção do sentido coletivo. -
Olavo de Carvalho – O Jardim das Aflições
➝ Análise da desintegração dos símbolos na modernidade, com ênfase na crise da ordem, da política e da metafísica no Ocidente.
🔹 Fontes Complementares (Leituras Críticas e Estratégicas)
-
Henry Kissinger – World Order
➝ Reflexões sobre a ordem internacional, círculos de poder e a construção do mundo moderno a partir da perspectiva realista. -
Carroll Quigley – Tragedy and Hope: A History of the World in Our Time
➝ Uma das mais detalhadas exposições acadêmicas sobre como as elites globais operam, escrita por um insider da academia americana. -
Niall Ferguson – The Square and the Tower: Networks and Power, from the Freemasons to Facebook
➝ Como o poder oscila historicamente entre hierarquias (torres) e redes (praças), mas nunca se democratiza totalmente.
Conclusão da Bibliografia
Este conjunto de obras oferece tanto as chaves simbólicas quanto as ferramentas sociológicas, históricas e filosóficas necessárias para compreender o funcionamento da economia da roda. Quem deseja realmente entender os movimentos do mundo — tanto materiais quanto imateriais — deve estudar não apenas a superfície dos fenômenos, mas as estruturas invisíveis que os sustentam.
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