Se o futebol é a mais séria das frivolidades, Nomar é o seu sacerdote mais devoto. Goleiro de manual, santo das traves, entidade das redes invioláveis. Chamavam-no, nas quebradas, nas colunas e nos bares, de Nomarca Gol. Um trocadilho sacrílego que, se ouvido por Deus, arrancaria um sorriso.
Quando a Libertadores chegava — aquela tragédia latino-americana de suor, cotovelo e canela —, Nomar se transformava. O homem fechava o gol como quem fecha o caixão do adversário. Era uma tampa hermética. Um lacre de supermercado. Uma porta de cofre suíço.
A torcida rival, coitada, sofria. E sofria de prisão de ventre espiritual. Não havia gol, não havia alívio, não havia catarse. Só aquele aperto, aquela cólica emocional que começava nos 15 do primeiro tempo e só passava no apito final. Nomar não pegava bola. Pegava almas.
Os atacantes saíam do jogo existencialmente derrotados. Alguns precisavam de psicólogo. Outros largavam a carreira e abriam food truck.
A imprensa, essa tragédia à parte, tentava arrancar dele qualquer declaração. Perguntavam se aquele muro na pequena área era fruto de treinamento, de fé ou de pacto. E Nomar, impassível, com aquele olhar de quem atravessou séculos defendendo pênaltis metafísicos, ajeitava o boné — seu talismã de guerra —, e largava, sem mexer uma sobrancelha:
— Cago pra essa conversa. Isso é tendencioso. Só tô fazendo meu trabalho.
Mas foi numa coletiva após uma vitória na altitude de Quito que Nomar pariu sua obra-prima verbal. Cercado de microfones, celulares, gravadores e jornalistas ávidos por manchetes, largou a bomba sem sequer alterar o tom de voz:
— É isso mesmo. Quando Nomar é o goleiro, ninguém marca gol. E quando jornalista faz pergunta idiota... — fez uma pausa teatral, olhando diretamente para a câmera da emissora líder de audiência — ...o Nomar, na qualidade de entrevistado, caga pra pergunta do jornalista.
Silêncio. Três segundos de silêncio que pareceram três séculos. O repórter da rádio ficou lívido. A moça da TV arregalou os olhos. O estagiário da imprensa quase desmaiou segurando o tripé.
E Nomar, imperturbável, cruzou os braços, ajeitou o boné de novo e ficou olhando pro além, como quem espera o ônibus da eternidade.
No dia seguinte, os jornais não tiveram pudor. Manchete em caixa alta, espalhada em todas as bancas do continente:
“NOMAR: NINGUÉM MARCA GOL — E ELE CAGA PRA PERGUNTA IDIOTA”
O colunista mais velho da praça, aquele que acompanhou Pelé, Garrincha e o apito do primeiro árbitro da história, escreveu no rodapé da página:
— Faz tempo que não surgia um personagem assim. O último foi Deus. E, mesmo assim, há controvérsias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário