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segunda-feira, 26 de maio de 2025

A História das Mentalidades e O Legado das Civilizações: Uma Perspectiva Gassetiana

A História das Mentalidades pode ser compreendida como o estudo do modo como as ideias moldam o ser humano e as sociedades ao longo do tempo. Neste sentido, a definição proposta por Ortega y Gasset — de que o homem é qualificado pelas suas ideias — revela-se fundamental para entendermos os processos históricos e sociais. Afinal, as ideias são o fio condutor que determina não apenas o comportamento individual, mas também a dinâmica coletiva das civilizações.

No entanto, ao refletirmos sobre a natureza dessas ideias, podemos compará-las às “idéias de náufragos” — frágeis, instáveis, e muitas vezes oriundas de um cenário de incertezas e adversidades. Esta metáfora é especialmente útil para explicar o cenário recorrente de instabilidade, competição e conflito que marca as relações sociais ao longo da história. As ideias que sustentam uma civilização não surgem num vácuo perfeito, mas num ambiente permeado por desafios que testam a sua coerência e força.

Por outro lado, a ambição natural de toda civilização é deixar um legado que transcenda o tempo. Esse anseio não se limita à mera expansão territorial ou material. Mais do que conquistar espaços físicos ou acumular riquezas, a verdadeira missão reside em sobreviver às intempéries históricas, em manter-se resiliente mesmo diante das adversidades. É justamente nos momentos de circunstâncias favoráveis — quando as condições são propícias — que a civilização deve consolidar sua prosperidade e seu impacto duradouro.

É dentro de um cenário desses que se explica por que os portugueses tendiam ao protecionismo econômico, enquanto os ingleses eram favoráveis ao livre comércio. Portugal, embora tivesse uma geografia voltada para a expansão marítima, enfrentava um problema crucial: era um país pequeno e de população escassa, constantemente ameaçado pela Espanha. Jaime Cortesão relacionou essa necessidade de sobrevivência com a teoria dos sigilos dos descobrimentos, uma mentalidade estratégica que se transmutou em emigração organizada, casamentos diplomáticos e construção de redes de conexões comerciais e políticas. Essa estratégia permitiu que Portugal se expandisse e defendesse seu território mesmo dispondo de pouco material humano (Cortesão, 1944).

Já os ingleses, protegidos pela insularidade de seu território, tinham uma população abundante e estavam geograficamente distantes das principais ameaças continentais. A Inglaterra, ao fazer parte da Liga Hanseática, desenvolveu uma indústria naval robusta e inicialmente enriqueceu-se com a pirataria — um meio pelo qual capitalizou seu acesso a recursos como o carvão, vital para a Revolução Industrial. Tal cenário favoreceu o desenvolvimento do livre comércio, uma vez que sua economia se beneficiava da circulação fluida de mercadorias e da expansão industrial (Braudel, 1985; Hobsbawm, 1968).

Essa comparação histórica entre Portugal e Inglaterra ilustra como as circunstâncias geográficas, demográficas e históricas criaram mentalidades econômicas distintas, refletindo a necessidade de sobrevivência versus o potencial para expansão e liberalização econômica. Assim, a História das Mentalidades não apenas estuda ideias isoladas, mas também as estratégias que as civilizações adotam para garantir sua continuidade e legado.

Em suma, ao olharmos para a história sob a lente da qualificação do homem pelas suas ideias, percebemos que a instabilidade e a competição são reflexos das ideias precárias e dos contextos adversos em que elas surgem. Mas também percebemos que, para que uma civilização deixe um legado significativo, é necessário que ela desenvolva a capacidade de se fortalecer nos bons momentos, construindo assim uma base sólida para resistir às tormentas futuras.

Bibliografia

  • Braudel, Fernand. Civilization and Capitalism, 15th–18th Century. Harper & Row, 1985.

  • Cortesão, Jaime. Os Descobrimentos Portugueses e a Teoria dos Sigilos. Lisboa: Editorial Presença, 1944.

  • Hobsbawm, Eric. The Age of Revolution: 1789-1848. Weidenfeld & Nicolson, 1968.

  • Ortega y Gasset, José. Meditaciones del Quijote. Revista de Occidente, 1914.

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