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terça-feira, 27 de maio de 2025

Por que rede social deve ser pessoal: riscos jurídicos e questões de identidade

 Em tempos de superexposição digital, tornou-se comum ver casais — sejam namorados, noivos ou cônjuges — compartilharem um único perfil nas redes sociais. À primeira vista, essa prática parece sinalizar união, parceria e transparência. No entanto, poucos se dão conta de que esse gesto aparentemente inocente pode ter repercussões sérias, tanto na esfera jurídica quanto no campo da identidade pessoal.

Este artigo propõe uma reflexão objetiva sobre o tema, com ênfase nos riscos práticos e jurídicos decorrentes da confusão entre o que é pessoal e o que é conjugal no ambiente digital.

1. Rede Social é extensão da personalidade civil

A personalidade civil, no direito brasileiro, começa com o nascimento e se projeta na vida social por meio de atributos como nome, imagem, honra, reputação e privacidade. A rede social, portanto, não é apenas um passatempo: ela é uma extensão concreta dessa personalidade, funcionando como vitrine pública de quem a pessoa é, do que ela pensa, faz, consome, ama, odeia ou deseja.

Quando duas pessoas compartilham um perfil, ocorre, na prática, uma fusão parcial de personalidades. Isso compromete não apenas a autenticidade da presença digital de cada um, mas também gera ruído nas relações pessoais, profissionais e até comerciais.

2. O perigo jurídico: prova de união estável

A união estável, segundo o artigo 1.723 do Código Civil brasileiro, se caracteriza pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.

O que muitos ignoram é que o ambiente digital é considerado pela jurisprudência como meio idôneo de exteriorização dessa convivência. Fotos conjuntas, declarações públicas, identificação mútua como "casal" ou "família" e, principalmente, um perfil compartilhado, são elementos que corroboram a existência de uma entidade familiar aos olhos do Direito.

Em casos de dissolução — especialmente quando não há contrato de convivência lavrado — um simples print do perfil compartilhado pode ser apresentado em juízo como prova robusta de que havia união estável. Isso abre caminho para pedidos de partilha de bens, pensão, direitos sucessórios e outros efeitos jurídicos decorrentes dessa modalidade de entidade familiar.

⚖️ Princípio da Publicidade da União:

Ao criar um perfil conjunto, o casal está, de fato, exteriorizando publicamente sua vida em comum — um dos pilares da configuração jurídica da união estável.

3. E quando acaba? O custo invisível da fusão digital

Quando a relação se desfaz, além dos traumas emocionais, surge um problema prático: quem fica com o perfil? Quem tem direito às redes sociais que, muitas vezes, reúnem contatos, memórias, relações profissionais e até monetização?

Se o perfil foi constituído como reflexo da entidade "casal", então ambas as partes podem se julgar titulares daquele espaço. O que parecia uma demonstração de amor se converte, rapidamente, em mais uma frente de conflito na separação.

Pior: a manutenção de um histórico digital conjunto pode continuar servindo como elemento de prova, ainda que a união tenha, de fato, terminado. Isso impacta não só relações pessoais futuras, mas também disputas patrimoniais e até previdenciárias.

4. A questão filosófica: o direito de ser pessoa

Para além do problema jurídico, há uma questão existencial profunda: cada pessoa é, por definição, única e irrepetível. A dignidade da pessoa humana — fundamento da República (art. 1º, III, da Constituição) — exige o reconhecimento da singularidade de cada indivíduo.

Fazer da rede social uma extensão da entidade "casal" significa, em última análise, anular parte dessa singularidade em nome de uma simbiose digital que nem sempre é saudável, nem para o relacionamento, nem para os próprios indivíduos.

Em uma cultura marcada pela confusão entre o eu e o outro, preservar a própria identidade — inclusive no ambiente digital — é um ato de liberdade, responsabilidade e maturidade.

5. Conclusão: rede social é pessoal, não coletiva

O perfil em rede social deve ser pessoal, intransferível e inconfundível. Isso não impede que se manifeste amor, parceria, cumplicidade ou afeto no ambiente digital — pelo contrário, essas manifestações são mais legítimas quando partem de sujeitos bem definidos, livres e responsáveis.

Optar por perfis individuais é, além de uma decisão inteligente do ponto de vista jurídico, um testemunho silencioso de que, para amar, é preciso primeiro ser.

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