Introdução
A emergência da inteligência artificial (IA) aplicada à síntese vocal inaugura um novo paradigma no direito, na economia e na filosofia da arte. A possibilidade de gerar interpretações vocais de artistas falecidos, como Michael Jackson, levanta questões jurídicas e econômicas de alta complexidade. Este artigo visa analisar os impactos da IA sobre os direitos conexos, propondo uma reflexão jurídico-filosófica sobre a autonomização da voz como ativo patrimonial.
1. Dos Direitos Conexos aos Direitos Autônomos sobre a Voz
Historicamente, os direitos conexos se vinculam à interpretação, ao fonograma e à execução pública. A IA rompe essa relação: a voz, isolada do fonograma original, se torna um bem patrimonial autônomo, capaz de gerar novos produtos culturais.
1.1. Bases Legais e Doutrinárias
Conforme a Convenção de Roma (1961) e a Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei 9.610/98), os direitos conexos protegem os artistas-intérpretes. Contudo, não há previsão específica para modelos vocais sintéticos, o que gera lacunas legislativas.
2. A Fragmentação dos Direitos e a Cadeia de Valor
O uso de IA gera uma nova camada na cadeia de direitos:
Direito autoral (letra e música);
Direito conexo tradicional (intérprete e fonograma);
Direito de imagem;
Direito de replicação vocal sintética.
Cada um desses direitos pode ser licenciado de forma independente, criando um mercado mais complexo e sujeito a disputas.
3. O Caso Michael Jackson como Paradigma
Michael Jackson já possuía um patrimônio fonográfico bilionário. Com a IA, sua voz pode ser utilizada em composições inéditas, sem necessidade de fonogramas originais. Isso transforma sua voz em um ativo isolado, capaz de gerar novas fontes de receita para seus herdeiros.
3.1. Gestão Patrimonial Específica
Dada essa realidade, surge a necessidade de fundos patrimoniais destinados exclusivamente à gestão da voz sintetizada, separados dos direitos fonográficos e autorais tradicionais.
4. Desafios Jurídicos e Filosóficos
4.1. Direitos da Personalidade Póstuma
A voz, como extensão da personalidade, está protegida pelos direitos da personalidade. Seu uso póstumo depende de:
Consentimento em vida;
Ou, na ausência, autorização dos herdeiros.
4.2. Pretensão Resistida e Litígios Complexos
Conflitos entre herdeiros, compositores, produtores de IA e titulares dos direitos autorais se tornam inevitáveis, exigindo novas formas contratuais e regulações específicas.
5. Economia da Eternidade
O conceito de "economia da eternidade" define esse novo mercado, onde artistas continuam produzindo obras mesmo após sua morte biológica. A voz torna-se um bem replicável, licenciado em escala global, aplicável não apenas na música, mas também em publicidade, cinema e metaverso.
6. Considerações Finais
A voz sintetizada inaugura um novo ramo do direito e da economia cultural. Trata-se de uma disrupção que exige regulação jurídica urgente, bem como uma reflexão filosófica profunda sobre o que significa existir como artista na era da inteligência artificial.
Referências
Convenção de Roma sobre Proteção dos Artistas, Produtores de Fonogramas e Organismos de Radiodifusão (1961).
Lei 9.610/1998 - Lei de Direitos Autorais (Brasil).
LESSIG, Lawrence. "Free Culture". Penguin Press, 2004.
FISHER, William. "Promises to Keep: Technology, Law, and the Future of Entertainment". Stanford University Press, 2004.
GINSBURG, Jane C. "The Concept of Authorship in Comparative Copyright Law". DePaul Law Review, 2003.
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