Nos bastidores da política brasileira, as engrenagens que movem o poder frequentemente operam longe dos olhos do público. Poucos personagens da história recente ilustram tão bem essa dinâmica quanto Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua trajetória revela não apenas uma escalada meteórica nos altos círculos da República, mas também os métodos utilizados para consolidar e manter poder — métodos que incluem a manipulação de processos judiciais, pressão sobre aliados e adversários, além de acordos políticos que tangenciam os limites da moralidade e da legalidade.
A construção de um poder paralelo
O caminho que levou Alexandre de Moraes ao STF não foi o tradicional para um magistrado. Ao contrário dos ministros que chegam à Corte após uma longa carreira na magistratura, na academia ou no Ministério Público, Moraes fez sua escalada pelos corredores da política. Atuou como advogado de políticos notórios, foi Secretário de Segurança Pública de São Paulo durante a gestão de Geraldo Alckmin, advogado de Eduardo Cunha e, posteriormente, Ministro da Justiça de Michel Temer.
Seu ingresso no STF, em fevereiro de 2017, foi resultado de uma articulação que começou ainda durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Nesse contexto, um episódio específico chamou a atenção: a invasão do celular de Marcela Temer, esposa de Michel Temer, em abril de 2016. O caso, que envolvia supostas imagens íntimas e mensagens comprometedoras, não foi investigado pela Polícia Federal — como seria de se esperar, dado o envolvimento da então futura primeira-dama —, mas sim pela Polícia Civil de São Paulo, subordinada diretamente à pasta de Alexandre de Moraes.
A condução desse episódio foi crucial para solidificar a relação de confiança entre Moraes e Temer. Pouco tempo depois, ele foi nomeado Ministro da Justiça e, logo em seguida, indicado ao STF. Sua trajetória evidencia que, no Brasil, competência técnica muitas vezes é secundária diante de lealdades políticas bem cultivadas.
O STF como ferramenta de pressão política
O modus operandi de Moraes não parou na sua ascensão ao Supremo. Recentemente, ele voltou aos holofotes ao pressionar o presidente do PSD, Gilberto Kassab, em meio às discussões sobre o projeto de anistia aos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro.
A estratégia foi clara: resgatar um inquérito antigo contra Kassab, relacionado a acusações de corrupção passiva, caixa dois e lavagem de dinheiro. Esse processo, que havia sido remetido à Justiça Eleitoral de São Paulo em 2019, retornou às mãos de Moraes no STF justamente no momento em que Kassab se mostrava simpático à ideia da anistia — movimento que contava, inclusive, com apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Não se trata de coincidência. Moraes, que no passado trabalhou diretamente com Kassab — sendo, inclusive, o único secretário demitido pelo ex-prefeito de São Paulo —, sabe exatamente onde apertar para exercer influência. Esse episódio revela não apenas a face política do STF, mas também o uso do Judiciário como instrumento de chantagem e barganha.
A Crise Moral da Elite Brasileira
O caso de Alexandre de Moraes não é isolado. Ele é, antes, sintoma de uma crise mais profunda que assola as elites políticas, jurídicas e até religiosas do Brasil. A hipocrisia se manifesta quando agentes públicos se apresentam como moralmente íntegros — frequentadores de missas, membros de movimentos religiosos conservadores — mas que, na prática, adotam posturas de omissão, conivência e, não raramente, covardia diante do avanço de práticas imorais ou ilegais.
A passividade das lideranças religiosas, tanto católicas quanto evangélicas, reflete-se na sociedade. Enquanto fiéis confundem fé com pietismo vazio, esquecendo o princípio beneditino do ora et labora, aqueles que deveriam liderar a resistência contra os abusos de poder preferem se esconder atrás de rituais ou discursos vazios.
Justiça ou Gangsterismo?
O padrão se repete com frequência inquietante. O mesmo Moraes que interveio para blindar Michel Temer no passado é aquele que hoje resgata processos esquecidos para colocar adversários e ex-aliados contra a parede. As ações deixam claro que seu comportamento ultrapassa os limites do aceitável na vida pública, aproximando-se mais dos métodos de organizações mafiosas do que de um Estado de Direito.
Ao transformar o STF em instrumento de pressão, Moraes não apenas compromete a credibilidade da Suprema Corte, mas também ameaça a estabilidade institucional do país. A Justiça deixa de ser um pilar da democracia e se converte em uma arma nas mãos de quem controla sua engrenagem.
Conclusão
A história de Alexandre de Moraes serve como um espelho incômodo para o Brasil. Ela revela um sistema onde as leis são moldáveis, onde princípios são negociáveis e onde o poder é exercido não em nome da Justiça, mas da conveniência política.
Enquanto a sociedade permanecer anestesiada, entregue a um ciclo de omissões, covardias e superficialidades, personagens como Moraes continuarão a prosperar — não por sua competência, não por sua integridade, mas pela habilidade em jogar o jogo sujo do poder.
Se o Brasil quiser se reencontrar com a verdadeira democracia, terá antes de enfrentar seus próprios fantasmas. E poucos deles são tão reveladores quanto este.
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