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domingo, 25 de maio de 2025

A economia da roda: a arte de bem colocar as coisas como princípio do progresso


“Tal como a roda exige a justa colocação de seus elementos — cubo, raios, aro — em torno de um eixo para que haja movimento, assim também a economia exige que bens, pessoas e fins sejam dispostos segundo a ordem natural, permitindo que o progresso não seja mero acúmulo, mas sim civilização. Esta é a verdadeira economia da roda.”
(Coomaraswamy, A Roda e Outros Símbolos do Metafísico)

Introdução

A etimologia das palavras muitas vezes revela verdades ocultas que escapam à percepção do senso comum. No português, o verbo “colocar” significa pôr uma coisa junto à outra em posição fixa, derivado do latim collocare, de co- (junto) + locare (pôr em lugar). Trata-se, portanto, de uma ação que pressupõe ordem, disposição racional e, consequentemente, funcionalidade.

Ao confrontar esse conceito com a língua polonesa, surge uma associação surpreendente e fecunda. A palavra “koło”, que significa roda, também remete à ideia de círculo, de movimento ordenado e de estrutura cooperativa. Não é por acaso que koło designa, além de roda, agrupamentos funcionais como associações acadêmicas (koło naukowe) ou círculos comunitários.

Neste artigo, propomos desenvolver uma reflexão sobre como o simples ato de colocar — entendido como ordenar, associar e dispor elementos de forma complementar — é o fundamento primeiro do movimento econômico, do progresso e da civilização. A roda, metáfora universal do avanço humano, é aqui tomada não apenas como instrumento mecânico, mas como símbolo da própria lógica da economia.

I. O Significado Ontológico e Filosófico de "Colocar"

“Colocar” não é um ato trivial. É um gesto ontológico e simbólico. Pôr uma coisa em relação a outra não é apenas um movimento físico, mas sobretudo um ato de inteligência, discernimento e finalidade.

No plano filosófico, a roda representa uma ordem cósmica:

  • O centro da roda simboliza o Uno, o princípio eterno e imutável.

  • O aro representa a totalidade, a comunidade, a esfera social.

  • Os raios são as relações que unem o múltiplo ao Uno, articulando as partes em unidade.

Esse simbolismo transcende a simples geometria e nos oferece uma visão profunda da ordem natural, que deve ser refletida nas relações econômicas e sociais.

Na economia, isso se expressa no conceito clássico de organização dos fatores de produção: terra, trabalho e capital. Nenhum desses elementos, isoladamente, gera riqueza. O que gera riqueza é a ordenação complementar desses bens segundo uma finalidade produtiva e ética.

II. A Roda como Metáfora Econômica e Social

No polonês, koło expressa com clareza essa realidade: a roda é uma forma circular cuja geometria exige que cada ponto esteja no lugar certo, equidistante do centro, garantindo equilíbrio e movimento.

Transposto para o campo econômico e social, isso significa que:

  • Cada bem econômico, recurso e agente deve ser colocado na posição que lhe é própria, segundo sua natureza e função.

  • A má colocação — por desordem, ignorância ou má fé — impede o giro da roda econômica, produzindo estagnação, desperdício e regressão.

  • A boa colocação gera sinergia, fluidez e progresso, assim como uma roda bem construída reduz o atrito e permite o deslocamento.

III. Colocar, Organizar, Progredir: Do Ato Técnico à Civilização

O ato de colocar bens econômicos em complementariedade é também um ato civilizacional. Diferencia a barbárie da civilização:

  • O bárbaro acumula bens sem ordem, segundo o acaso, instinto ou força bruta.

  • O civilizado dispõe os bens segundo uma lógica de complementaridade, respeitando sua natureza e finalidade próprias.

Esse princípio está na raiz do que se entende por capitalismo cristão clássico: não ganância acumuladora, mas boa administração dos dons, organização prudente dos meios para o serviço dos fins.

O movimento econômico, em sua essência, é uma grande roda posta a girar pelo ato humano de colocar os bens no seu devido lugar, organizando-os em torno de um centro que, para uma ordem justa, deve ser o bem comum.

IV. O Centro da Roda: A Finalidade e o Bem Comum

Nenhuma roda gira sem um eixo, nenhuma economia se sustenta sem uma finalidade.

Quando o eixo é o lucro desenfreado, a roda gira de forma destrutiva, produzindo desigualdade, devastação ambiental e alienação.

Quando o eixo é o bem comum, a dignidade da pessoa humana e a conformidade com a ordem natural e divina, o giro da roda produz prosperidade justa, desenvolvimento sustentável e paz social.

Colocar não é apenas organizar recursos, mas também organizar finalidades — exige técnica, mas sobretudo sabedoria.

V. Instituições e a Estrutura da Economia da Roda

A metáfora da roda oferece uma orientação prática para a organização econômica:

  • Família e Comunidade: Base social que garante a formação humana integral e a transmissão das virtudes necessárias para a justiça e prudência econômica.

  • Empresas e Corporações: Espaços onde capital, trabalho e terra são organizados para gerar riqueza material, cultural e social.

  • Estado e Lei: O eixo que mantém o centro da roda firme, garantindo que os recursos sejam organizados para o bem comum e prevenindo que o movimento econômico se perca em interesses particulares.

A falha em qualquer um desses elementos desestabiliza a roda econômica: desestruturação familiar fragiliza o trabalho; leis injustas desviam a economia para interesses privados; ganância rompe os raios da solidariedade

VI. A Economia da Roda e a Sustentabilidade

Em tempos de crise ambiental, a roda simboliza a necessidade do equilíbrio e da sustentabilidade.

Uma roda que gira rápido demais, sem equilíbrio, se rompe. Similarmente, uma economia que busca crescimento desenfreado, ignorando limites naturais e humanos, destrói-se.

A economia da roda incorpora:

  • Respeito à ordem natural, reconhecendo a finitude dos recursos e a necessidade de prudência.

  • Valorização da dignidade humana, garantindo trabalho digno e distribuição justa dos frutos do progresso.

  • Princípios éticos que promovem justiça distributiva e solidariedade.

VII. O Tempo e o Movimento Cíclico da Economia da Roda

O progresso é um movimento cíclico e contínuo, não uma linha reta.

Assim como a roda retorna ao seu ponto inicial, o movimento econômico deve respeitar os ciclos da vida, natureza e história.

Essa visão convida à paciência, sabedoria e humildade, buscando sempre avançar para o verdadeiro bem, guiado pela verdade e justiça.

Conclusão

O ato de colocar revela-se como chave do progresso econômico, social e civilizacional. Colocar é ordenar. Ordenar é integrar. Integrar é movimentar. Movimentar é progredir.

A roda (koło) simboliza o movimento da história, técnica e economia. A boa colocação dos bens, pessoas e fins é o que faz girar a roda do progresso.

Que esta reflexão sirva de fundamento para uma economia não só eficiente, mas justa, bela e verdadeira — cujos eixos sejam a verdade, bondade e ordem natural, conforme a lei divina.

Bibliografia Recomendada

Filosofia da Linguagem, Etimologia e Ontologia do Verbo "Colocar"

  • Ernst Cassirer — Filosofia das Formas Simbólicas

  • Julius Pokorny — Indogermanisches etymologisches Wörterbuch

  • João Ribeiro — Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa

  • Gilles-Gaston Granger — Pensée Formelle et Sciences de l'Homme

Filosofia Econômica e Organização dos Bens

  • Luigi Taparelli d’Azeglio — Saggio Teoretico di Diritto Naturale Appoggiato sul Fatto

  • Wilhelm Röpke — Economia Humana

  • Pope Leo XIII — Rerum Novarum (1891)

  • Heinrich Pesch — Lehrbuch der Nationalökonomie

  • E. F. Schumacher — Small is Beautiful: Economics as if People Mattered

Simbolismo da Roda e Filosofia

  • Ananda K. Coomaraswamy — A Roda e Outros Símbolos do Metafísico

  • Mircea Eliade — O Sagrado e o Profano

  • Joseph Campbell — O Herói de Mil Faces

  • Josiah Royce — A Filosofia da Lealdade

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