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sexta-feira, 23 de maio de 2025

O chá do Texas: uma punição simbólica aos vícios do Império

Por séculos, a história tem sido fértil em exemplos de punições simbólicas que espelham, de maneira cruel ou irônica, os próprios pecados de seus condenados. Uma das mais célebres é a de Marco Licínio Crasso, o homem mais rico de Roma, cuja ganância o levou a uma desastrosa campanha contra os partos. Derrotado e capturado, segundo a tradição, Crasso foi executado de forma simbólica: ouro derretido foi-lhe despejado na garganta — um castigo feito na medida para aquele que viveu e morreu pela sede insaciável de riqueza.

Se a história tem o dom de se repetir, que analogia caberia aos crimes políticos de George W. Bush?

O início do século XXI foi marcado pelas guerras que se desenrolaram sob a justificativa da luta contra o terrorismo, mas que, na prática, serviram para garantir o controle de rotas, mercados e recursos, em especial o petróleo. As invasões do Afeganistão e do Iraque foram legitimadas por mentiras cuidadosamente construídas, como a falsa existência de armas de destruição em massa. Milhões de mortos, refugiados, países destroçados e um Oriente Médio mergulhado no caos — herança direta da política externa americana conduzida sob sua administração.

Curiosamente, foi o próprio George W. Bush que, em 2006, reconheceu o que todos já sabiam: “America is addicted to oil” — "a América é viciada em petróleo". A declaração soou quase como uma confissão pública, mas sem arrependimento, sem penitência, sem reparação. Apenas o reconhecimento frio e pragmático de um vício transformado em política de Estado.

Se Crasso foi condenado a morrer sufocado por aquilo que mais amava — o ouro —, por que não imaginar Bush recebendo uma punição simbólica análoga? No lugar do ouro derretido, que se lhe sirva uma overdose de "chá do Texas" — como se chama, em gíria popular americana, o petróleo bruto. Que se despeje o ouro negro, não nas artérias econômicas do império, mas diretamente na garganta do viciado, até que o vício consuma não só seu corpo, mas também o símbolo de um modelo civilizacional fundado na espoliação, na guerra e no saque.

É evidente que aqui falamos de uma metáfora, uma sátira que busca iluminar com crueza a hipocrisia de uma política que, sob o manto da liberdade e da democracia, levou morte, destruição e miséria a povos inteiros, sempre em nome dos interesses energéticos, corporativos e estratégicos dos Estados Unidos.

O petróleo não é apenas um recurso. É, neste contexto, o tótem moderno de uma religião profana. Uma religião onde se sacrifica a vida humana, a estabilidade dos povos e a saúde do planeta no altar do consumo desenfreado, da acumulação e da dominação global.

Bush não é, obviamente, o único sacerdote desse culto. Mas foi, durante anos, seu sumo sacerdote mais visível. Sua punição simbólica, portanto, serve menos como vingança imaginária e mais como reflexão: quantos outros seguirão bebendo desse mesmo cálice, até que o próprio império colapse pela overdose de seus próprios vícios?

O século XXI já deixou claro que a conta chega. A questão é: quem vai pagar — e quem continuará impune?

Bibliografia Sugerida

  • CHOMSKY, Noam. Hegemonia ou Sobrevivência: A busca dos Estados Unidos pelo domínio global. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
    — Análise contundente sobre a política externa americana e seu papel imperialista no mundo contemporâneo.

  • KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque: A ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
    — Estudo sobre como catástrofes (guerras, desastres naturais e crises econômicas) são exploradas para impor reformas neoliberais.

  • STIGLITZ, Joseph E.; BILMES, Linda J. The Three Trillion Dollar War: The true cost of the Iraq conflict. New York: W. W. Norton & Company, 2008.
    — Análise econômica dos custos reais da guerra do Iraque.

  • ANDERSON, Perry. Imperium. London Review of Books, 2002.
    — Reflexão sobre o papel do império americano na nova ordem mundial pós-Guerra Fria.

  • JOHNSON, Chalmers. Nemesis: The Last Days of the American Republic. New York: Metropolitan Books, 2006.
    — Discussão sobre como o imperialismo ameaça a própria democracia americana.

  • POLANYI, Karl. A Grande Transformação: As origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
    — Clássico da sociologia econômica que discute como os mercados desregulados levam a desastres sociais e políticos.

  • GIBBON, Edward. The History of the Decline and Fall of the Roman Empire. London: Penguin Classics, 1994.
    — Embora sobre Roma, oferece paralelos indispensáveis para entender os ciclos de ascensão e queda dos impérios, como o episódio da morte de Crasso.

  • HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. São Paulo: L&PM, 2016.
    — Abordagem ampla sobre como mitos, religiões e ideologias moldam sociedades, incluindo o papel dos recursos naturais como símbolos de poder.

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