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sexta-feira, 2 de maio de 2025

Entre a tradição e a ibirapuerização: o valor das mecânicas nos jogos antigos

No debate sobre jogos eletrônicos, há uma tendência comum — e muitas vezes apressada — de associar "jogo antigo" a "jogo ultrapassado". Essa associação, embora compreensível em um cenário de constantes inovações tecnológicas, ignora um aspecto essencial: a distinção entre o tempo de mercado e a vitalidade de uma mecânica.

Um jogo pode ser antigo sem ser obsoleto. Sua idade não é, por si só, um indício de decadência. Aliás, há jogos que resistem ao tempo não como relíquias nostálgicas, mas como tradições vivas. A mecânica, quando bem concebida, permanece fértil, continua a dar frutos, inspira novas gerações de jogadores e desenvolvedores. Por outro lado, quando essa mecânica se esgota, quando perde sua capacidade de encantar, desafiar e renovar a experiência do jogador, ela entra num processo de morte simbólica.

Para ilustrar esse fenômeno, podemos cunhar aqui o termo "ibirapuerização". Em referência à famosa árvore morta do Parque Ibirapuera, em São Paulo — que foi preservada como escultura após sua morte —, o termo sugere um estado em que algo já não vive, mas permanece em pé como monumento. É o caso de jogos que, apesar de sua relevância histórica, já não produzem frutos: não geram prazer genuíno, não renovam sua base de jogadores, e tampouco influenciam de forma ativa o design contemporâneo. Tornam-se objeto de reverência, mas não de participação.

Um bom exemplo disso é a franquia The Sims. Sua ideia central — simular a vida cotidiana, as relações sociais e os dilemas pessoais — continua tão relevante que já rendeu quatro grandes versões e inspirou outros jogos recentes, como Inzoi. No entanto, nem todas as versões da franquia mantêm a mesma vitalidade. O The Sims 1, embora clássico e inovador em sua época, hoje possui mecânicas claramente datadas, já superadas pelos padrões atuais. Em contraste, o The Sims 2 permanece relevante até hoje, especialmente por seu equilíbrio entre jogabilidade e profundidade emocional. Já o The Sims 3, com seu mundo aberto e sistema de progressão mais orgânico, apresenta um potencial que poderia até suplantar as mecânicas do 2 e do 4, a menos que se deseje uma experiência mais intimista, centrada na introspecção e na vida interior — algo mais presente nas versões anteriores.

A ibirapuerização não acontece por conta da idade do jogo, mas por conta do esgotamento de sua seiva criativa. É um processo que pode atingir qualquer título, seja antigo ou novo. Jogos lançados há poucos anos já podem parecer mortos se baseiam em fórmulas repetitivas, desprovidas de alma ou propósito. Da mesma forma, jogos com décadas de existência — como Tetris, Super Mario Bros., The Legend of Zelda: Ocarina of Time, Age of Empires II, The Sims 2 — continuam sendo jogados e estudados por oferecerem experiências que resistem ao tempo, que transcendem o mero contexto técnico e alcançam um nível de design clássico.

Esses jogos antigos, mas vivos, são como árvores centenárias que ainda frutificam. Tornam-se fontes de tradição, não por nostalgia vazia, mas porque revelam algo perene sobre o jogo enquanto forma artística, desafio mental ou espaço de imaginação. São como os grandes livros da literatura: não importa que tenham sido escritos em séculos passados — o que importa é que ainda têm algo a dizer.

É, portanto, preciso cuidado ao tratar o antigo como descartável. A crítica cultural madura sabe distinguir o que envelheceu com nobreza do que apenas ficou para trás. E o mercado de jogos, se quiser alcançar a maturidade que outras artes já conquistaram, precisará fazer essa distinção com sabedoria.

Enquanto houver jogadores dispostos a colher os frutos de mecânicas bem pensadas, vivas e frutíferas, mesmo que antigas, não haverá ibirapuerização. Haverá, sim, tradição.

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