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quinta-feira, 22 de maio de 2025

A Democracia dos Nobres: A História da Livre Eleição na República das Duas Nações (Polônia-Lituânia)

A Democracia dos Nobres: A História da Livre Eleição na República das Duas Nações (Polônia-Lituânia)

Introdução

Em tempos de eleições contemporâneas, frequentemente surgem debates sobre a qualidade da democracia, a validade das promessas eleitorais e os riscos da manipulação política. Poucos imaginam, no entanto, que tais discussões ecoam dilemas antigos. A antiga República das Duas Nações — uma união entre o Reino da Polônia e o Grão-Ducado da Lituânia — desenvolveu, a partir do século XVI, um dos sistemas eleitorais mais peculiares da história europeia: a wolna elekcja, ou livre eleição.

Esse modelo permitia que qualquer membro da nobreza, independentemente de sua fortuna ou posição social, pudesse votar na escolha do rei. Entre 1573 e 1791, onze reis foram eleitos por esse sistema. Embora pioneira na introdução de práticas que hoje associamos à democracia, a livre eleição esteve longe de ser isenta de contradições, abusos e, por vezes, desastres políticos.

Origens da Wolna Elekcja

O sistema surgiu após a morte de Sigismundo II Augusto, último rei da dinastia Jaguelônica, em 1572, sem deixar herdeiros. A República, então uma das maiores potências da Europa, enfrentava um dilema: como escolher um novo monarca sem recorrer à sucessão hereditária?

A solução encontrada foi radical para os padrões da época: a coroa se tornaria eletiva, e não mais hereditária. O modelo refletia a cultura política profundamente aristocrática da nobreza polonesa-lituana, que prezava pela sua liberdade e pela limitação dos poderes régios.

Como Funcionava a Livre Eleição?

Ao contrário dos modelos eleitorais modernos, o direito de voto não era universal — restringia-se aos membros do estado nobre, a chamada szlachta, que representava entre 8% e 10% da população total, uma proporção altíssima para os padrões europeus.

A eleição seguia o princípio da eleição viritim, no qual qualquer nobre podia pessoalmente comparecer ao campo de eleição, geralmente realizado na região de Wola, nos arredores de Varsóvia.

Fases do Processo Eleitoral:

  1. Convocação da Eleição: Realizada após a morte do rei, sob supervisão do interrex (geralmente o arcebispo de Gniezno).

  2. Discussões nas Províncias: Os nobres debatiam os candidatos e propostas.

  3. Assembleia Geral em Wola: Multidões de nobres se reuniam para votar.

  4. Apresentação dos Pacta Conventa: Documentos negociados entre os candidatos e os eleitores, contendo promessas específicas.

  5. Aceitação dos Artigos Henricianos: Documento constitucional obrigatório desde 1573, que limitava o poder do rei e garantia liberdades fundamentais à nobreza.

  6. Proclamação do Rei: A eleição era formalizada, seguida da coroação.

As Promessas e os Pactos

Cada candidato era obrigado a aceitar tanto os Artigos Henricianos, que garantiam:

  • Liberdade religiosa (num contexto de pluralismo raro na Europa da época);

  • Convocação regular do parlamento (Sejm);

  • Proibição de declarar guerra ou firmar tratados sem aprovação do Sejm;

  • Garantia de que qualquer rei seria deposto se violasse esses princípios.

Além disso, os candidatos firmavam os Pacta Conventa, onde prometiam medidas específicas, como financiamento de universidades, construção de frotas, campanhas militares, ou benefícios fiscais.

Na prática, porém, essas promessas frequentemente eram descumpridas assim que o rei assumia o trono.

Corrupção, Interferência Externa e Guerras Civis

Com o tempo, a nobreza percebeu que o momento da eleição era sua principal oportunidade para barganhar vantagens. Isso levou a uma crescente vulnerabilidade da República a ingerências estrangeiras.

Potências como a Áustria, França, Suécia, Rússia e o Império Otomano intervinham descaradamente, financiando facções internas, subornando eleitores e, em casos extremos, ameaçando com força militar.

Algumas eleições terminaram em conflitos armados. Um exemplo célebre é a eleição de 1587, quando partidários de Sigismundo III Vasa e de Maximiliano III Habsburgo travaram a batalha de Byczyna, que terminou com a vitória do lado sueco.

Exemplos Marcantes

  • Eleição de 1573: Primeiro uso da wolna elekcja. Candidatos incluíam Henrique de Valois (França), Ernesto Habsburgo (Áustria), Ivan, o Terrível (Rússia) e João III Vasa (Suécia). Venceu Henrique, que abandonou o trono pouco depois para ser rei da França.

  • Eleição de 1669: A nobreza impôs a eleição de Michał Korybut Wiśniowiecki, considerado um “piasta” — um candidato nacional, sem apoio estrangeiro, mas sem poder político real. Foi um dos reinados mais fracos da história.

  • Eleição de 1764: Sob vigilância direta do exército russo, foi eleito Stanisław August Poniatowski, último rei da Polônia, num processo amplamente manipulado por Catarina II da Rússia.

Declínio e Fim da Livre Eleição

A partir do século XVIII, a wolna elekcja se tornou um instrumento de controle externo sobre a República. A fragilidade interna resultante do sistema, somada à crescente corrupção e dependência de potências estrangeiras, contribuiu diretamente para as três partições da Polônia (1772, 1793, 1795), que apagaram o país do mapa europeu por mais de um século.

A Constituição de 3 de Maio de 1791 aboliu formalmente a livre eleição, propondo uma monarquia hereditária como tentativa de restaurar a estabilidade — mas já era tarde demais.

Legado Histórico

Apesar de seus problemas, o sistema da wolna elekcja foi uma experiência pioneira de participação política e limitação do poder monárquico. Séculos depois, conceitos como separação de poderes, estado de direito e controle constitucional se tornariam pilares das democracias modernas.

A República das Duas Nações, com todos os seus defeitos, antecipou debates que hoje continuam centrais em qualquer sociedade democrática: quem escolhe o governante, em nome de quem ele governa e quais os limites de seu poder.

Conclusão

Estudar a história da wolna elekcja não é apenas revisitar um capítulo curioso do passado polonês, mas entender como os desafios da democracia — suas virtudes e vícios — são recorrentes na história da humanidade. Promessas vazias, manipulação, polarização e interferência externa são males tão antigos quanto o próprio voto. Mas também são antigos os ideais de participação, soberania popular e responsabilidade dos governantes perante seus eleitores.

Bibliografia Recomendada

Obras em Polonês:

  • Mariusz Markiewicz, Historia Polski 1492–1795, Wydawnictwo Literackie, Kraków, 2002.

  • Urszula Augustyniak, Wazowie i „Rzeczpospolita”: studium władzy królewskiej w Polsce w XVII wieku, Neriton, Warszawa, 2006.

  • Henryk Wisner, Rzeczpospolita Wazów. Czasy Zygmunta III i Władysława IV, PIW, Warszawa, 2002.

Obras em Inglês:

  • Norman Davies, God's Playground: A History of Poland, vol. 1: The Origins to 1795, Oxford University Press, 2005.

  • Robert I. Frost, The Oxford History of Poland-Lithuania, vol. 1: The Making of the Polish-Lithuanian Union, 1385–1569, Oxford University Press, 2015.

  • Robert I. Frost, The Oxford History of Poland-Lithuania, vol. 2: The Modern Republic, 1569–1795, Oxford University Press (no prelo na época da última atualização).

Fontes Primárias e Documentos:

  • Artigos Henricianos (1573) – primeiro documento constitucional polonês.

  • Pacta Conventa – pactos específicos de cada rei eleito.

Fonte: 

https://www.youtube.com/watch?v=-Lu3WkEkqkg&t=27s

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