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segunda-feira, 5 de maio de 2025

O Contrato Social como pacto com o diabo: Uma leitura crítica a partir de Rousseau e Goethe

A modernidade política consolidou-se sobre a ideia de que a ordem social deve ser fundada por um contrato. Esta tese, notoriamente desenvolvida por Jean-Jacques Rousseau em O Contrato Social, propõe que os indivíduos renunciem à liberdade natural para ingressar em uma comunidade regida pela chamada "vontade geral". Em troca, recebem a liberdade civil e a segurança que um corpo político organizado pode oferecer. Tal proposta, porém, quando examinada sob uma lente filosófico-teológica, revela similaridades perturbadoras com o pacto faustiano consagrado por Goethe: uma barganha entre o homem e uma instância que promete poder, conhecimento e realização, à custa da alma.

No drama Fausto, Goethe narra a história de um homem que, insatisfeito com os limites do conhecimento humano, entrega sua alma ao diabo em troca de experiências ilimitadas. O paralelo com Rousseau emerge no momento em que o indivíduo, no contrato social, aliena sua liberdade natural — que, embora perigosa e incerta, é também o sinal de sua dignidade ontológica — para se submeter a uma vontade coletiva que o engole como parte de um todo abstrato. A "vontade geral", nesse contexto, torna-se uma entidade quase mística, soberana e infalível, que decide o que é justo, sem referência necessária a uma ordem moral objetiva ou transcendente.

Ora, ao entregar-se totalmente a essa vontade generalizada e muitas vezes manipulada por elites, o cidadão moderno não estaria repetindo, em chave política, o gesto de Fausto? Não estaria trocando a verdade por uma promessa de bem-estar, o dever moral por um simulacro de participação e autonomia? A promessa de liberdade contida no contrato social pode, então, esconder uma sutil escravidão: a servidão ao Estado, aos interesses difusos de uma maioria que não conhece a verdade, ou pior, que a rejeita.

A constituição, enquanto expressão jurídica do contrato social, passa a desempenhar um papel de texto sagrado laico. Mas diferentemente da Lei dada por Deus, que ordena o homem ao bem e ao verdadeiro, a constituição moderna frequentemente se baseia apenas na vontade dos homens, desprezando o direito natural e a ordem divina. Trata-se, portanto, de um documento que pode institucionalizar o erro, como bem o viu Leão XIII ao criticar o liberalismo e o positivismo jurídico em suas encíclicas.

Assim, equiparar o contrato social ao pacto faustiano não é mera retórica; é uma maneira de denunciar que, ao abandonar a referência a Deus e à verdade objetiva, a modernidade política se entrega à tirania do relativismo, da vontade arbitrária e da ilusão de uma liberdade sem responsabilidade ontológica. Ao tentar fundar a sociedade apenas sobre si mesma, o homem moderno realiza o sonho de Lúcifer: ser como Deus, legislador absoluto, ainda que para isso precise vender a própria alma política.

Se quisermos recuperar a liberdade autêntica, é necessário revisar os fundamentos do contrato social e retornar àquele princípio que não pode ser pactuado: a verdade. Só a verdade liberta, como disse Cristo. Qualquer contrato que a substitua é, em última instância, um pacto com o diabo travestido de progresso.

Bibliografia

  • GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto. Trad. Jenny Klabin Segall. São Paulo: Martin Claret, 2005.

  • ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

  • LEÃO XIII. Rerum Novarum. Encíclica sobre a questão operária. Roma, 1891.

  • LEÃO XIII. Libertas Praestantissimum. Encíclica sobre a liberdade humana. Roma, 1888.

  • BENTO XVI. Caritas in Veritate. Encíclica sobre o desenvolvimento humano integral. Roma, 2009.

  • MARITAIN, Jacques. O Homem e o Estado. Trad. Nilo Odalia. São Paulo: Agir, 1967.

  • DEL NOCE, Augusto. O Problema do Ateísmo. Trad. Luiz Sergio Henriques. São Paulo: Edições 70, 2022.

  • CARVALHO, Olavo de. O Imbecil Coletivo. Rio de Janeiro: Record, 1996.

  • ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

  • HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

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