A autonomia do Banco Central sempre foi tema sensível nas relações entre política monetária e governo. Com a nomeação de Gabriel Galípolo para a presidência da instituição, o debate reacende: o Banco Central continuará verdadeiramente independente ou haverá interferência política na condução da política monetária?
A experiência do ex-presidente do BC Henrique Meirelles lança luz sobre esse tema. Em conversa recente, ele rememorou momentos-chave de sua gestão, quando, mesmo sem o respaldo legal da autonomia formal, atuou de forma independente, graças à confiança direta do então presidente Lula. Segundo Meirelles, essa confiança é essencial para que o presidente da instituição possa agir com liberdade técnica — e, nesse sentido, o fato de Galípolo ter sido escolhido pelo atual presidente pode ser mais uma vantagem do que um risco.
Durante o mandato de Meirelles, houve episódios emblemáticos, como a pressão direta de Lula para a redução da taxa de juros em 2007, durante a implementação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Meirelles, fiel à responsabilidade de manter as expectativas inflacionárias ancoradas, recusou a pressão. Na época, a Selic chegou a 26,5% — uma decisão técnica dura, mas eficaz para controlar a inflação. O episódio revelou que, mesmo diante de ameaças de exoneração, a independência de fato pode prevalecer quando há convicção institucional.
Com Galípolo, o cenário parte de um ponto mais formalizado: o Banco Central hoje possui autonomia legal, o que deveria reforçar a confiança do mercado. Ainda assim, o histórico de desconfiança entre Lula e Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro, demonstrou como percepções políticas podem contaminar o ambiente institucional.
Galípolo, por sua vez, busca sinalizar compromisso institucional. A iniciativa de entrevistar todos os ex-presidentes do Banco Central é um gesto simbólico que aponta para continuidade e respeito à história da autoridade monetária. Meirelles, inclusive, enxerga esse gesto como sinal de humildade e seriedade.
O mercado financeiro, naturalmente cético, observa se o novo presidente agirá com a independência que o cargo exige ou se cederá às eventuais pressões do Executivo por juros mais baixos para impulsionar o crescimento.
No fim das contas, como disse Meirelles, o mais importante é o resultado concreto: manter a inflação sob controle, ancorar as expectativas e sustentar a credibilidade da política monetária. Se Galípolo conseguir isso — ainda que alinhado politicamente ao presidente — será a prova cabal de que o Banco Central independente não é apenas uma promessa legal, mas uma realidade institucional consolidada no Brasil.
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