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quarta-feira, 14 de maio de 2025

O Surgimento das Universidades Medievais: Origens, Motivações e Estrutura

 Resumo

Este artigo tem como objetivo examinar o surgimento das universidades na Idade Média, discutindo os fatores que possibilitaram sua origem, os modelos institucionais adotados, e os aspectos sociais, econômicos e eclesiásticos que determinaram sua consolidação. Contrariando a noção popular da Idade Média como um período de obscurantismo intelectual, argumenta-se que as universidades medievais representaram um dos mais significativos avanços institucionais na história do Ocidente, sendo fundamentais para a organização e a difusão do saber no período.

1. Introdução

A imagem vulgarizada da Idade Média como uma “Idade das Trevas” ignora a complexidade cultural e institucional do período. Um dos testemunhos mais contundentes da vitalidade intelectual medieval é o surgimento das universidades, instituições que ainda hoje representam o epicentro da produção e transmissão do conhecimento. Longe de serem fruto do Renascimento ou da Modernidade, as universidades têm suas raízes fincadas no contexto sócio-histórico do final do século XI e do século XII, dentro de um ambiente marcado pela expansão urbana, pela reorganização eclesiástica e pela crescente demanda por burocratas letrados.

2. Antecedentes: formas de ensino antes das universidades

Antes da emergência das universidades, a educação era ministrada em ambientes diversos, tais como:

  • Escolas monásticas, voltadas à formação religiosa;

  • Escolas palatinas, destinadas à formação de nobres e membros das cortes;

  • Associações informais entre mestres e discípulos, onde o aprendizado se dava por imitação e acompanhamento direto.

Essas formas tradicionais de ensino, embora eficazes em seus contextos específicos, tornaram-se insuficientes diante da crescente complexidade da sociedade europeia do século XII.

3. Condições sociais e a necessidade de institucionalização

O desenvolvimento urbano, o fortalecimento dos reinos e principados, bem como a complexificação da estrutura eclesiástica, criaram uma demanda urgente por profissionais instruídos em áreas como teologia, direito canônico e civil, filosofia e medicina. Paralelamente, os estudantes da época, oriundos de regiões distantes, encontravam-se vulneráveis nos centros urbanos que buscavam para seus estudos. Essa condição motivou a organização de corporações — associações de mestres e alunos — voltadas à proteção jurídica e à negociação com as autoridades locais.

4. A formação das universidades como corporações

As primeiras universidades surgiram como universitas scholarium (corporação de estudantes) ou universitas magistrorum et scholarium (corporação de mestres e estudantes). O termo universitas, ao contrário do que se imagina, não se referia à universalidade do saber, mas sim a qualquer associação jurídica de pessoas com fins comuns, como os universos dos sapateiros ou cirurgiões.

As cidades de Bolonha, na Itália, e Paris, na França, tornaram-se modelos paradigmáticos para as universidades europeias, influenciando suas estruturas pedagógicas e administrativas.

5. Estrutura e funcionamento das primeiras universidades

Inicialmente, as universidades não possuíam instalações próprias. As aulas eram ministradas em salas alugadas, muitas vezes precárias, com os estudantes sentados sobre feno, tomando notas enquanto o mestre discursava. A estrutura física era secundária frente à centralidade do conteúdo e da relação entre mestre e discípulo.

A formação acadêmica era voltada mais à qualificação do indivíduo do que à obtenção de um diploma formal. A matrícula envolvia:

  • O pagamento de taxas;

  • Juramentos morais de conduta;

  • Contribuições para a manutenção dos mestres.

Cabe destacar que a cobrança direta por ensino era malvista, uma vez que o lucro sobre o conhecimento era considerado eticamente reprovável. Por isso, o financiamento dos mestres dava-se por doações ou coletas comunitárias.

6. Reconhecimento institucional e autonomia

A consolidação das universidades se deu por meio de autorizações papais (bulas) e cartas de reconhecimento emitidas por autoridades civis, que conferiam autonomia em relação aos poderes locais. Essa autonomia permitia às universidades regulamentar seu próprio funcionamento, proteger seus membros juridicamente e manter sua integridade pedagógica.

7. Considerações finais

As universidades medievais não foram apenas centros de ensino, mas instituições fundamentais para a formação de uma nova ordem social, jurídica e intelectual no Ocidente. Seu surgimento não decorreu de um projeto racional previamente estabelecido, mas de uma necessidade histórica concreta, que uniu mestres e estudantes em torno do saber como bem comum. Longe de serem “ilhas de escuridão”, as universidades da Idade Média foram faróis de racionalidade e estrutura institucional, legando à modernidade a noção de ciência organizada e comunitária.

Bibliografia

  • LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1985.

  • SOUTHERN, Richard W. The Making of the Middle Ages. Yale University Press, 1953.

  • VERGER, Jacques. A Universidade na Idade Média. São Paulo: Unesp, 2001.

  • COBBAN, Alan B. The Medieval Universities: Their Development and Organization. Methuen, 1975.

  • HASKINS, Charles Homer. The Rise of Universities. Ithaca: Cornell University Press, 1923.

  • DEYON, Pierre. A Universidade na Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1991.

 Fonte:

https://www.youtube.com/watch?v=ReZPXIAv2jQ

Henrique Caldeira

Estranha História

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