Introdução
O clássico jogo Sid Meier’s Civilization I, lançado em 1991, marcou época ao propor que o jogador conduzisse uma civilização desde a Antiguidade até a Era Espacial, desenvolvendo tecnologias, fundando cidades e promovendo guerras e descobertas. No entanto, a simplificação necessária para tornar o jogo jogável acabou por negligenciar conexões históricas fundamentais entre instituições e práticas sociais que marcaram o progresso da humanidade.
Um exemplo notável é o surgimento da Universidade no jogo, representada apenas como uma etapa após o desenvolvimento da Filosofia. Historicamente, porém, as universidades não brotaram de ideias abstratas, mas sim de estruturas sociais muito concretas: as associações corporativas medievais, conhecidas como guildas. Este artigo propõe uma reformulação da árvore tecnológica do Civilization I, com base numa reconstrução mais realista do papel das instituições sociais e da cultura cristã no surgimento das universidades.
A Universidade como corporação de mestres e estudantes
A palavra “universidade” vem do latim universitas, que significava originalmente qualquer tipo de associação legal de pessoas com fins comuns. No caso das universidades medievais, tratava-se de corporações formadas por mestres e estudantes que se reuniam para ensinar e aprender segundo certos estatutos, com reconhecimento legal e autonomia garantida por bulas papais ou cartas régias.
Essas universidades surgem principalmente na Europa cristã entre os séculos XI e XIII, no seio de cidades onde a economia florescia e a vida intelectual se expandia. A Universidade de Bolonha, a de Paris e a de Oxford, por exemplo, eram instituições profundamente inseridas em um contexto de guildas, ordens religiosas e estruturas de poder que viam na educação uma missão cristã e um instrumento de organização social.
Uma Nova Lógica para a Árvore Tecnológica
Propomos abaixo uma nova linha de desenvolvimento para o surgimento da Universidade em Civilization I, baseada na história real das instituições medievais.
1. Código de Leis + Moeda → Associações
O desenvolvimento de um Código de Leis permite reconhecer contratos, obrigações e pessoas jurídicas. A Moeda estabelece relações econômicas mais complexas e impessoais. A junção dessas duas tecnologias cria o ambiente necessário para o surgimento de Associações voluntárias: grupos de artesãos, mercadores ou estudiosos que se organizam por afinidade de ofício e objetivos.
2. Associações + Religião → Guildas
No contexto da cristandade medieval, essas associações se transformam em Guildas — entidades com função social, religiosa, educacional e econômica. Elas regulavam o trabalho, cuidavam dos membros enfermos, educavam aprendizes e sustentavam cultos e festas religiosas. A guilda é a base institucional e moral sobre a qual as universidades serão modeladas.
3. Guildas → Universidade
As Universidades emergem como corporações de um tipo especial: dedicadas ao ofício do saber. Assim como as guildas protegiam e regulavam artesãos e mercadores, as universidades protegiam e organizavam mestres e estudantes. Essa transformação exige maturidade institucional, estabilidade social e patrocínio político-religioso — algo que apenas sociedades com guildas bem estabelecidas poderiam oferecer.
Tecnologias Complementares
Para enriquecer a profundidade histórica dessa linha de desenvolvimento, propomos também tecnologias complementares que poderiam fazer parte da árvore:
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Retórica e Dialética – fundamentos do ensino escolástico.
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Latim Eclesiástico – idioma universal da ciência medieval.
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Trivium e Quadrivium – as sete artes liberais que compunham o currículo.
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Imprensa Manual – que impulsiona posteriormente a circulação de conhecimento.
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Bulas Papais / Patrocínio Real – legitimando as universidades como instituições autônomas.
Comparação com o Modelo Original do Jogo
No modelo original de Civilization I, a Universidade aparece como uma tecnologia derivada diretamente da Filosofia e da Literatura. Essa ligação, embora não esteja totalmente errada, omite as bases sociais e institucionais que permitiram que o saber se institucionalizasse de maneira duradoura.
A proposta aqui apresentada oferece uma visão mais integrada e realista da história, em que o desenvolvimento do conhecimento formal se apoia sobre estruturas jurídicas, econômicas e religiosas sólidas — o que faz mais sentido dentro de uma simulação histórica com pretensões civilizatórias.
Conclusão: Jogar e Ensinar História ao Mesmo Tempo
Reformular a árvore tecnológica de Civilization I não é apenas um exercício de crítica histórica, mas uma proposta de educação lúdica. Ao integrar elementos mais fiéis ao processo civilizacional real, o jogo se torna uma ferramenta mais poderosa para ensinar como as instituições humanas evoluíram. A Universidade não é uma ideia abstrata que surgiu do nada: ela é fruto de uma longa tradição de organização social e espiritual que só pôde florescer numa civilização enraizada na Lei, na Fé e no trabalho corporativo.
Essa é a verdadeira história da civilização — e ela merece ser contada, até mesmo em pixels.
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