Introdução
Entre 1580 e 1640, Portugal e Espanha estiveram unidos sob uma única coroa: a dos Habsburgo espanhóis, num período conhecido como União Ibérica. Esse arranjo dinástico não significou a fusão dos impérios coloniais, mas permitiu, por razões políticas e logísticas, uma integração mais ampla entre possessões portuguesas e espanholas espalhadas pelo globo. Nesse contexto, o Brasil, então colônia portuguesa, e as Filipinas, sob domínio espanhol desde 1565, tornaram-se pontos estratégicos de um projeto imperial que visava o controle de rotas comerciais e a circulação de pessoas, ideias e mercadorias entre o Atlântico Sul e o Pacífico.
A lógica do império global
A dinastia filipina dos Habsburgo (Felipe II, III e IV da Espanha) administrava um império de escala planetária, com interesses interligados na América, África e Ásia. O Brasil era o coração econômico do império português, fornecendo açúcar, madeira e posteriormente ouro; as Filipinas, por sua vez, eram o elo do comércio transpacifico entre a Ásia e as Américas espanholas, especialmente via o galeão de Manila, que conectava Manila a Acapulco.
Durante a União Ibérica, embora Portugal e Espanha mantivessem estruturas administrativas separadas, o intercâmbio entre suas possessões cresceu. A navegação entre o Atlântico Sul e o Pacífico foi facilitada pela cessação temporária das hostilidades ibéricas. Missionários, soldados, comerciantes e aventureiros portugueses passaram a atuar nas Filipinas e em outras partes da Ásia sob domínio espanhol. Do mesmo modo, filipinos e espanhóis presentes no Oriente entraram em contato com rotas marítimas portuguesas e com a América portuguesa.
Laços indiretos: escravidão e comércio
Embora não haja registros abundantes de intercâmbio direto entre Brasil e Filipinas nesse período, há evidências indiretas de conexões dentro do império. Escravos africanos traficados pelos portugueses foram levados para as Filipinas via México, e há estudos que apontam que alguns desses escravos poderiam ter vindo do Brasil. Produtos tropicais brasileiros, como o pau-brasil e o açúcar, também circulavam em circuitos comerciais intercontinentais que tocavam portos asiáticos.
Além disso, a presença de jesuítas portugueses e espanhóis nas Filipinas, bem como no Brasil, evidencia uma unidade de propósitos na missão evangelizadora que servia ao projeto imperial hispânico.
Decadência e separação
A União Ibérica começou a ruir a partir das crises econômicas e militares do século XVII. Portugal restaurou sua independência em 1640 com a ascensão da dinastia de Bragança. Com isso, as possibilidades de articulação direta entre Brasil e Filipinas no interior do império foram cortadas. Ainda assim, os efeitos dessa união deixaram marcas duradouras: o modelo de expansão missionária, as rotas comerciais e a experiência de administração de impérios multicontinentais seguiram moldando as histórias coloniais de ambos os países.
Considerações finais
O Brasil e as Filipinas, durante a União Ibérica, foram pontos extremos de um mesmo império, que ligava o Atlântico ao Pacífico. Mesmo que a relação direta entre os dois territórios tenha sido limitada, a pertença comum ao projeto ibérico dos Habsburgo inseriu-os num sistema global de poder, comércio e religião. Essas conexões ainda carecem de estudos mais aprofundados, sobretudo no que diz respeito às circulações de pessoas e mercadorias entre os mundos lusófono e hispânico na Ásia e América.
Bibliografia recomendada
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Subrahmanyam, Sanjay. O Império Asiático dos Portugueses (1500–1700). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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Newson, Linda A., e King, Susie M. “The Iberian Empires and Globalization, 1580–1640” in The Oxford Handbook of the History of Global Capitalism, Oxford University Press, 2019.
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Bethencourt, Francisco. História da Expansão Portuguesa, vol. 3. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998.
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