Introdução
Em tempos de discursos inflamados sobre desigualdade e justiça social, tornou-se comum confundir a diferença natural entre os homens com um mal moral a ser corrigido. Entretanto, o que se deve condenar não são as desigualdades sociais em si mesmas, pois elas decorrem da própria ordem natural da criação. O que se deve, sim, condenar, é a perda sistemática de oportunidades — o apagamento de vocações que poderiam florescer se houvesse almas dispostas a reconhecer nelas o Cristo oculto, o talento que pede amparo, orientação e fé.
O presente artigo propõe distinguir entre a desigualdade natural, que é expressão da harmonia divina, e a injustiça social propriamente dita, que surge quando o mérito e o dom de Deus são impedidos de se manifestar por falta de mecenas — aqueles que, por caridade e discernimento, ajudam o outro a cumprir sua vocação.
1. A desigualdade natural como reflexo da sabedoria de Deus
Cada ser humano nasce sob circunstâncias únicas — origem, família, talentos, limites e provações que lhe são próprios. Essa singularidade é a marca da Providência. Condenar a desigualdade natural é condenar a própria variedade da Criação. Assim como um corpo possui membros diferentes com funções distintas, a sociedade também é composta por diferentes vocações que, em conjunto, realizam o bem comum.
São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, ensina que a ordem do universo exige desigualdade entre as criaturas, pois “o bem do conjunto requer variedade de graus e perfeições”. O mesmo se aplica à ordem humana: a hierarquia, quando fundada na virtude e na sabedoria, é reflexo da ordem celeste. A tentativa de eliminar as desigualdades naturais conduz, inevitavelmente, à destruição da própria liberdade, pois ela suprime as diferenças que tornam cada alma única diante de Deus.
2. A pobreza como escola de virtude
A pobreza não é uma maldição, mas um campo de provação e aprendizado. Ela pode tornar-se escola de humildade, desapego e fortaleza — virtudes sem as quais a alma não se eleva. Cristo escolheu nascer pobre não por necessidade, mas por amor, e para ensinar que o valor do homem não está na abundância de seus bens, mas na pureza de sua intenção.
As bem-aventuranças confirmam esse princípio: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3). O pobre, quando persevera com dignidade, reflete a imagem do Cristo crucificado, que, na indigência, revelou o poder do Espírito. A pobreza, portanto, é um estado em que o homem é chamado a vencer a si mesmo e a reconhecer sua total dependência da graça divina.
3. O verdadeiro mal: a negação das oportunidades
A injustiça que clama aos céus não está na desigualdade de bens, mas na supressão das oportunidades de florescimento espiritual e intelectual daqueles que merecem ser amparados. Muitos homens e mulheres de talento são impedidos de desenvolver suas virtudes e dons porque não encontram um mecenas que os oriente, um espírito nobre que reconheça neles a centelha do Cristo que deseja servir.
O Estado, por sua natureza impessoal e burocrática, não é capaz de identificar o Cristo necessitado — aquele que pede não esmola, mas chance. Apenas pessoas dotadas de discernimento moral e sensibilidade espiritual podem reconhecer esse Cristo oculto nos talentos esquecidos da sociedade. A função do mecenas é, portanto, uma vocação: a de multiplicar o bem em outros, tornando-se cooperador da Providência.
Leão XIII, na Rerum Novarum, já advertia que a solução das questões sociais não está no nivelamento imposto pelo Estado, mas na restauração das “sociedades intermediárias” — corporações, associações e patronos — que ligam o indivíduo à comunidade e permitem o florescimento das virtudes no campo do trabalho e da cultura.
Negar essa função à sociedade civil é, em última instância, negar a própria caridade cristã. Pois o amor verdadeiro não se limita a dar o que sobra, mas busca transformar o outro, fazendo-o participar do mesmo bem.
Conclusão
A desigualdade natural é condição da liberdade; a pobreza, quando dignamente suportada, é instrumento de purificação; mas a exclusão deliberada dos talentosos, o esquecimento dos que poderiam servir a Cristo por meio de seus dons, é a verdadeira injustiça social de nosso tempo.
Cabe, portanto, aos que receberam mais — seja em bens, saber ou influência — exercer a vocação de mecenas, ajudando o próximo a se elevar, não por interesse, mas por amor. Pois cada alma que floresce em Cristo é um tesouro multiplicado na economia divina da salvação.
A sociedade que compreender isso deixará de sonhar com uma igualdade ilusória e passará a praticar a justiça verdadeira: aquela que reconhece o valor do singular e o conduz ao serviço do Todo.
Bibliografia
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AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica.
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LEÃO XIII. Rerum Novarum. 1891.
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MARITAIN, Jacques. Humanismo Integral.
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PIEPER, Josef. As Virtudes Fundamentais.
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ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty.
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CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições.
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