Introdução
Pensar o direito não é apenas tarefa do legislador, do juiz ou do jurista profissional. Cada pessoa, em suas circunstâncias únicas, é chamada a refletir sobre como as normas gerais e abstratas se aplicam concretamente à sua vida. O princípio socrático “conhece-te a ti mesmo”, somado à máxima de Ortega y Gasset — “eu sou eu e minha circunstância” —, oferece um método para verificar se a lei aperfeiçoa a liberdade ou se, ao contrário, a restringe indevidamente.
O direito como regra geral e abstrata
O direito positivo possui caráter geral e abstrato. As normas são formuladas para abarcar um número indeterminado de pessoas e situações, garantindo previsibilidade e igualdade formal. No entanto, somente ao encarnar-se em casos concretos é que se verifica se esse ideal cumpre sua função: promover a justiça e a liberdade real.
Nesse sentido, a introspecção é um exercício hermenêutico: ao examinar a si mesmo e às próprias circunstâncias, o indivíduo pode perceber se a lei está em harmonia com os valores que pretende resguardar ou se existem falhas ocultas.
Bastiat e o que não se vê
Frédéric Bastiat, em sua célebre obra O que se vê e o que não se vê, adverte que as consequências das leis e políticas públicas não se limitam aos efeitos imediatos. O que se vê é apenas a superfície; o que não se vê são os efeitos indiretos, difusos, de longo prazo.
Assim, o exercício de autoanálise não apenas revela como a lei atua sobre a vida do indivíduo, mas também permite identificar externalidades invisíveis: desigualdades reforçadas, liberdades corroídas, injustiças não intencionadas. Ao iluminar o não visto, o cidadão se torna intérprete crítico do ordenamento jurídico.
O Direito e a liberdade concreta
A medida última da justiça de uma lei é sua capacidade de aperfeiçoar a liberdade. A norma que protege a vida, a honra e a dignidade amplia a esfera de ação do indivíduo; a que o aprisiona em formalismos ou injustiças ocultas reduz seu potencial humano.
Nesse ponto, a experiência pessoal se torna critério avaliativo: se, nas minhas circunstâncias, a lei me conduz a uma vida mais justa e livre, ela cumpre sua finalidade; se não, denuncia-se uma falha legislativa ou interpretativa que precisa ser corrigida.
Conclusão
Pensar o direito a partir do “conhece-te a ti mesmo” é resgatar a dimensão humana da norma jurídica. É olhar para além do texto legal e perceber o impacto real sobre a vida concreta. Quando esse exercício se alia à lição de Bastiat — ver também o que não se vê —, o direito deixa de ser mera abstração e se transforma em caminho para a realização da liberdade.
Bibliografia
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BASTIAT, Frédéric. O que se vê e o que não se vê. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010.
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ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occidente, 1914.
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SÓCRATES. Fragmentos preservados por Platão em Apologia de Sócrates.
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REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
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FRANKL, Viktor. Em Busca de Sentido. Petrópolis: Vozes, 2019.
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