Pesquisar este blog

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

A uberização do trabalho nos supermercados e a rejeição à CLT

Introdução

O mercado de trabalho brasileiro vem passando por mudanças estruturais aceleradas. Uma das mais marcantes é a uberização das relações laborais: a adoção de plataformas digitais que conectam empresas e trabalhadores em turnos temporários, de forma semelhante ao modelo da Uber. O setor de supermercados é hoje um dos principais laboratórios desse fenômeno, refletindo não apenas transformações econômicas, mas também mudanças culturais profundas, marcadas pela rejeição crescente ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A uberização do trabalho no varejo alimentar

Supermercados enfrentam dificuldade para contratar trabalhadores no regime da CLT. A solução encontrada por algumas redes é recorrer a aplicativos de trabalho temporário, como a plataforma Help, que funcionam como um “Uber dos supermercados”: trabalhadores escolhem turnos e funções específicas, recebendo remuneração sem vínculo formal.

Esse modelo atende tanto a necessidade das empresas de lidar com picos de demanda (feriados, promoções, sazonalidades), quanto ao desejo dos trabalhadores de manter flexibilidade de tempo e autonomia sobre sua renda.

A cultura de rejeição à CLT 

A CLT, criada em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, tem inspiração direta na Carta del Lavoro de Benito Mussolini (1927), um documento corporativista do regime fascista italiano. Não à toa que muitos analistas consideram que a origem autoritária e centralizadora dessa lei marca até hoje a rigidez de suas regras, a ponto de serem consideradas ineficientes  e ilusórias, já que criam um sistema que onera empresas com impostos e riscos jurídicos sem efetivamente proteger os trabalhadores. Esse desgaste cultural transformou o termo “ser celetista" em um estigma no Brasil, especialmente em setores de alta rotatividade como o varejo alimentar.

Razões para a Rejeição

  1. Custos e insegurança jurídica: empregadores precificam os riscos de ações trabalhistas em salários mais baixos ou em aumento de preços.

  2. Perda de autonomia: o modelo tradicional exige cumprimento rígido de horários e subordinação hierárquica.

  3. Cultura digital: trabalhadores acostumados a Uber, iFood e outros apps tendem a valorizar a liberdade de escolher quando e como trabalhar.

  4. Origem autoritária: por ter nascido de um regime fascista, a CLT carrega um DNA de controle estatal e corporativismo que entra em choque com a lógica descentralizada da economia digital.

Paralelo com a descentralização

Na guerra da Ucrânia, a descentralização produtiva, sobretudo na fabricação de drones, mostrou-se mais eficiente do que aquela realizada por estruturas centralizadas. A mesma lógica se aplica ao mercado de trabalho: redes flexíveis de profissionais tendem a ser mais adaptáveis do que contratos fixos e engessados.

Conclusão

A uberização dos supermercados não é apenas uma inovação operacional: é o sintoma de uma mudança cultural mais profunda, que rejeita estruturas herdadas de um passado autoritário e busca autonomia, flexibilidade e descentralização. Se a CLT foi concebida como instrumento de controle em um contexto corporativista inspirado pelo fascismo, a nova economia de plataformas representa a ruptura com esse modelo, ainda que traga seus próprios desafios — como a ausência de segurança previdenciária e a volatilidade de renda.

O embate entre essas duas visões (estatismo versus mercado descentralizado) será um dos eixos centrais da política trabalhista no Brasil nos próximos anos.

Bibliografia

  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2022.

  • FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2019.

  • MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2021.

  • POCHMANN, Márcio. A Uberização do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 2020.

  • ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão: O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

  • CARDOSO, Adalberto. A construção da sociedade do trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro: FGV, 2010.

  • Carta del Lavoro (1927). Documento oficial do regime fascista italiano, publicado em Roma em 21 de abril de 1927.

  • BARBOSA, Alexandre de Freitas. Trabalho e Regulação Social: a CLT e o corporativismo varguista. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 53, 2003.

  • VENTURA, Deisy de Freitas Lima. Direito e Fascismo: a Carta del Lavoro e a CLT. Revista Direito e Práxis, v. 8, n. 2, 2017.

Nenhum comentário:

Postar um comentário