Na Roma Antiga, acreditava-se que o nome carregava o destino. O nomen não era apenas uma identificação, mas uma síntese do ser, uma marca espiritual e social que vinculava o indivíduo à sua linhagem, aos deuses e ao dever. Ter um nome era ter uma missão — e desonrá-lo era desonrar toda uma casa.
Durante décadas, a National Hockey League (NHL) manteve, talvez sem se dar conta, uma herança dessa tradição antiga: os árbitros traziam seus sobrenomes estampados nas costas. Essa prática, abandonada nas últimas décadas em favor de números, concedia aos juízes do gelo algo que hoje falta a muitas instituições modernas: a autoridade pessoal vinculada à responsabilidade moral.
Quando um árbitro errava, não era um número anônimo que errava — era Smith, McCreary ou Koharski. E esse erro não se dissolvia na burocracia, mas recaía sobre o peso de um nome que o identificava perante todos. Cada decisão era um ato público de julgamento, e cada partida se tornava um pequeno fórum romano, onde o árbitro era o pretor, o guardião momentâneo da ordem.
Mais ainda: se o sobrenome fosse raro, o impacto de suas ações ultrapassava o tempo e o indivíduo. Um erro grave poderia manchar não apenas a reputação do árbitro, mas também a de seus descendentes — assim como na Roma republicana, onde o nomen gentilicium (nome de família) carregava a glória ou a infâmia de todos os seus membros.
Hoje, os árbitros da NHL vestem números. São identificáveis, é verdade, mas não de modo pessoal. O anonimato numérico dilui a honra e a responsabilidade — e, com isso, a nobreza do ofício. Talvez o retorno dos nomes às costas dos árbitros fosse mais do que uma questão estética: seria uma restauração simbólica da dignitas, da ideia de que quem julga em público deve também ser julgado em nome próprio.
Assim como o magistrado romano, o árbitro é chamado a aplicar a lei, garantir a justiça e proteger a integridade do jogo — ou, em termos clássicos, da res publica, a “coisa pública”. Na Roma antiga, o pretor que administrava mal a justiça não apenas perdia o cargo: perdia a honra, e com ela a memória digna de seu nome.
O nome, portanto, é mais do que um rótulo; é um testemunho permanente. E a autoridade, quando dissociada do nome, converte-se em poder impessoal — o que é sempre o primeiro passo para a arbitrariedade. Quando os árbitros da NHL usavam seus sobrenomes nas costas, o gelo não era apenas o palco de um esporte: era também o espelho de uma civilização que ainda lembrava que o julgamento é um ato sagrado.
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