O termo apologia possui uma trajetória semântica rica e multifacetada, cuja compreensão exige atenção ao contexto em que é empregado. Embora em português o sentido central seja o de defesa argumentativa de uma ideia, causa ou pessoa, em inglês o termo homônimo (apology) significa desculpa ou pedido de perdão, sem qualquer relação com defesa. Essa distinção revela como o uso linguístico pode alterar a percepção do discurso e até a caracterização de um ato como moral ou jurídico.
1. Apologia na filosofia
No âmbito filosófico, apologia se refere à defesa racional ou ética de uma ideia, independentemente de sua veracidade. Um exemplo clássico é a Apologia de Sócrates, de Platão, na qual o filósofo defende suas ações perante o tribunal ateniense. Aqui, o caráter apologético não garante a verdade da ideia defendida; serve para justificar moral e racionalmente uma posição ou conduta.
2. Apologia no Direito Penal Brasileiro
No Direito Penal brasileiro, a apologia de crime adquire uma dimensão rigorosamente jurídica. O art. 287 do Código Penal tipifica como crime a defesa pública de condutas ilícitas. Originalmente vista como conduta acessória que “segue a sorte do principal”, a apologia de crime foi transformada em crime autônomo, permitindo à persecução penal reprimir discursos que incentivem condutas delituosas, independentemente da ocorrência do crime principal.
Exemplos claros incluem a apologia ao uso de drogas, que não apenas justifica um comportamento ilícito, mas também propaga riscos sociais e individuais, como vício, destruição familiar e fortalecimento do crime organizado. O legislador reconhece que a defesa pública de um ilícito, apresentada como nobre ou sacrossanta, possui efeitos concretos na sociedade, justificando a criminalização autônoma.
3. Apologia e o uso linguístico impróprio
A cultura popular também oferece exemplos curiosos do uso equivocado de “apologia”. Um caso notável é Maria Altiva, personagem interpretada por Eva Wilma em novelas brasileiras. Ao empregar o termo no sentido britânico de “desculpa” ou “escusa”, a personagem:
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Demonstra pedantismo e pretensão social, tentando soar culta e erudita;
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Cria efeito cômico, pois o público percebe o erro semântico;
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Marca seu estilo linguístico, transformando a escolha lexical em instrumento de caracterização narrativa.
Como se pode notar, o fenômeno linguístico aqui é um falso cognato funcional, onde o termo estrangeiro é incorporado à fala sem a adaptação do sentido, criando novas nuances estilísticas e humorísticas.
4. Conclusão
A análise de “apologia” revela três dimensões distintas, mas complementares:
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Filosófica: defesa argumentativa, nem sempre verdadeira, mas racionalmente justificável.
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Jurídica: defesa de ilícito, agora criminalizada autonomamente, para proteger a sociedade e prevenir a propagação do crime.
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Linguística e cultural: uso equivocado ou estilizado, como forma de pretensão ou efeito cômico, distante do sentido original.
Em termos claros, muitas vezes o que se apresenta como defesa não é apologético, mas sofre mais do que uma simples desculpa, como se observa nos exageros de personagens como Maria Altiva. No direito, porém, a apologia deixa de ser apenas retórica para se tornar conduta socialmente e juridicamente censurável, mostrando que a palavra, embora antiga, mantém relevância prática e moral até os dias atuais.
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