A era dos nomes
Houve um tempo em que os árbitros da NHL usavam o sobrenome nas costas do uniforme. Para quem viveu aquela época, não era apenas uma questão estética — era uma forma de reconhecer que até o juiz tinha uma história dentro do gelo. Sob o tecido listrado em preto e branco, havia um homem que errava, acertava, mas sobretudo interpretava o jogo com um certo estilo pessoal, como quem participa, ainda que de forma discreta, da narrativa épica do hóquei.
Quando se via Fraser, McCreary ou Koharski nas costas de um árbitro, havia uma sensação de familiaridade. O torcedor sabia o que esperar: o rigor de um, a diplomacia de outro, a autoridade silenciosa de um terceiro. O nome tornava a arbitragem algo humano, visível, responsável. Era quase como um selo de honra — o árbitro se apresentava ao público, dizendo: “estou aqui, e meu julgamento tem dono.”
A padronização de 1994
Em 1994, a NHL decidiu substituir os nomes por números, numa tentativa de padronizar e despersonalizar a arbitragem. A justificativa era técnica: reduzir a pressão individual, evitar que os árbitros se tornassem alvos da mídia e devolver o foco ao jogo. A decisão fazia sentido em tempos de globalização e profissionalização, mas algo se perdeu nesse movimento.
A figura do árbitro, antes parte do drama esportivo, tornou-se anônima, quase burocrática — como se o gelo agora fosse vigiado por códigos, não por consciências. O nome desapareceu, e com ele desapareceu também o vínculo entre o árbitro e o torcedor.
O anonimato moderno
Hoje, quando vemos um árbitro em ação, ele é apenas “o número 8” ou “o 22”, e não mais Kerry Fraser, com seu cabelo impecável e gestos firmes. O número substituiu o nome, e com isso o torcedor perdeu a possibilidade de reconhecer o homem por trás da autoridade.
Talvez seja um detalhe, mas o hóquei sempre viveu desses detalhes — da coragem de um bloqueio, do som do patim que corta o gelo, do olhar entre o atacante e o goleiro antes do disparo. O nome nas costas do árbitro fazia parte desse universo. Ele lembrava que, mesmo no papel mais ingrato do esporte, ainda havia espaço para a individualidade, para a honra e para a memória.
Entre o rosto e o número
Hoje, porém, vivemos a era da neutralidade aparente — tudo é função, número, protocolo. A figura humana foi substituída pela eficiência institucional, e o esporte, em muitos sentidos, reflete essa tendência. Perdemos os rostos, os gestos e os estilos. Perdemos, talvez, a consciência de que até a justiça — no gelo ou fora dele — precisa ter um nome, um rosto e uma alma.
Afinal, o hóquei não é apenas um jogo de regras. É um jogo de homens — e os homens têm nome.
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