Introdução
A incorporação de Alberta como o 51º estado da União durante a Grande Depressão de 1929 teria trazido consigo a tradição do crédito social, inspirada em C.H. Douglas. Essa corrente econômica, ao propor dividendos sociais universais, oferecia uma alternativa radical à abordagem keynesiana do New Deal.
Neste exercício de história contrafactual, exploramos como a presença de Alberta poderia ter moldado não apenas as políticas de Roosevelt nos anos 1930, mas também o rumo do século americano: a luta contra o fascismo, a Guerra Fria e os dilemas contemporâneos da globalização.
O “New Deal distributivo” e suas consequências
Se as ideias do crédito social tivessem sido incorporadas no New Deal, os EUA teriam consolidado um modelo híbrido: obras públicas e regulação financeira, somadas a um dividendo nacional permanente. Essa inovação teria gerado efeitos cumulativos ao longo do século XX:
-
Economia de consumo fortalecida:
A distribuição de renda universal garantiria que os ganhos de produtividade da era fordista fossem acompanhados por aumento proporcional da demanda. Isso poderia ter reduzido crises cíclicas de superprodução e fortalecido o mercado interno. -
Desigualdade estrutural reduzida:
Com uma base de renda assegurada, a disparidade entre capital e trabalho não teria crescido tanto a partir dos anos 1970, quando o neoliberalismo abriu caminho para a financeirização. -
Mudança no perfil do welfare state:
Ao contrário do modelo europeu, focado em seguros sociais ligados ao emprego, os EUA teriam desenvolvido um welfare universalista baseado em dividendos. Isso mudaria a percepção cultural americana, conciliando individualismo com solidariedade econômica.
Impactos na política externa e na Guerra Fria
-
Concorrência com o socialismo soviético:
Se os EUA já contassem com um programa nacional de dividendos sociais, poderiam se apresentar ao mundo não apenas como a “terra da liberdade”, mas também como a terra da justiça econômica distributiva. O apelo do socialismo nos países do Terceiro Mundo seria enfraquecido diante de um capitalismo com rosto humano. -
Plano Marshall mais ousado:
A tradição distributiva americana poderia ter se projetado internacionalmente. Em vez de apenas reconstrução via empréstimos, o Plano Marshall poderia ter incluído mecanismos de dividendos sociais aplicados nos países aliados, aproximando ainda mais a Europa Ocidental dos EUA. -
Descolonização em chave americana:
O discurso da Guerra Fria teria mudado. Os EUA poderiam apresentar sua política social como alternativa não apenas ao comunismo, mas também ao neocolonialismo europeu, oferecendo dividendos a partir da exploração de recursos em parceria com ex-colônias.
Efeitos no constitucionalismo americano
-
Segunda Declaração de Direitos consolidada:
A “Segunda Declaração de Direitos” proposta por Roosevelt em 1944 — que falava em direito ao emprego, à saúde e à segurança econômica — teria incluído explicitamente o direito ao dividendo social. Isso transformaria a Constituição americana, fortalecendo o papel da União na redistribuição de renda. -
Federalismo fiscal mais equilibrado:
Com Alberta e o Alaska como exemplos, estados ricos em recursos naturais pressionariam por modelos de dividendos estaduais, mas dentro de uma moldura nacional. Isso teria dado mais coesão ao federalismo norte-americano, evitando tensões fiscais entre estados ricos e pobres. -
Precedente global:
O constitucionalismo americano teria exportado o modelo de renda básica antes da Europa. A ONU, em sua Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), poderia ter incluído o direito ao dividendo como cláusula econômica universal.
O século XXI sob um New Deal distributivo
Se essa tradição tivesse vingado, os EUA de hoje seriam bastante diferentes:
-
Desigualdade menor: a polarização entre “1% e 99%” que marcou a crise de 2008 teria sido atenuada.
-
Maior legitimidade democrática: a renda básica teria reduzido a vulnerabilidade política ao populismo.
-
Transição tecnológica mais suave: com dividendos garantidos, a automação e a inteligência artificial seriam vistas como oportunidade de libertar tempo humano, não como ameaça ao emprego.
-
Papel global renovado: em vez de importar o welfare state europeu, os EUA teriam exportado um modelo próprio de justiça social baseado no dividendo.
Conclusão
A história não se escreve com “ses”, mas o exercício contrafactual mostra que a presença de Alberta nos EUA desde os anos 1930 poderia ter dado à democracia americana uma dimensão mais distributiva. O “New Deal distributivo” uniria Roosevelt, Douglas e Paine em uma síntese histórica singular, capaz de oferecer ao século XX uma alternativa ao socialismo soviético e ao neoliberalismo global.
No século XXI, os EUA poderiam ser lembrados não apenas como a potência da liberdade e do mercado, mas também como a nação que inaugurou, já em 1933, o direito universal ao dividendo social — antecipando de quase um século o debate contemporâneo sobre renda básica universal.
📚 Bibliografia Comentada
-
Douglas, C.H. Credit-Power and Democracy. Londres: Cecil Palmer, 1920.
A formulação central da doutrina do crédito social, base do movimento em Alberta. -
Finkel, Alvin. The Social Credit Phenomenon in Alberta. Toronto: University of Toronto Press, 1989.
Análise do impacto político do crédito social em Alberta, essencial para pensar sua exportação ao contexto americano. -
Kennedy, David M. Freedom from Fear: The American People in Depression and War, 1929–1945. Nova York: Oxford University Press, 1999.
Contexto histórico indispensável para entender a Grande Depressão e o New Deal. -
Roosevelt, Franklin D. The Second Bill of Rights. Discursos, 1944.
Proposta inacabada de Roosevelt, que poderia ter incluído o direito ao dividendo social. -
Van Parijs, Philippe; Vanderborght, Yannick. Basic Income: A Radical Proposal for a Free Society and a Sane Economy. Cambridge: Harvard University Press, 2017.
Obra contemporânea que ajuda a pensar como uma renda básica poderia ter moldado o século americano se tivesse sido implementada já nos anos 1930.
Nenhum comentário:
Postar um comentário