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sábado, 18 de outubro de 2025

O New Deal distributivo e o Século Americano: como Alberta poderia ter mudado os EUA? Um ensaio de história contrafactual

Introdução

A incorporação de Alberta como o 51º estado da União durante a Grande Depressão de 1929 teria trazido consigo a tradição do crédito social, inspirada em C.H. Douglas. Essa corrente econômica, ao propor dividendos sociais universais, oferecia uma alternativa radical à abordagem keynesiana do New Deal.

Neste exercício de história contrafactual, exploramos como a presença de Alberta poderia ter moldado não apenas as políticas de Roosevelt nos anos 1930, mas também o rumo do século americano: a luta contra o fascismo, a Guerra Fria e os dilemas contemporâneos da globalização.

O “New Deal distributivo” e suas consequências

Se as ideias do crédito social tivessem sido incorporadas no New Deal, os EUA teriam consolidado um modelo híbrido: obras públicas e regulação financeira, somadas a um dividendo nacional permanente. Essa inovação teria gerado efeitos cumulativos ao longo do século XX:

  1. Economia de consumo fortalecida:
    A distribuição de renda universal garantiria que os ganhos de produtividade da era fordista fossem acompanhados por aumento proporcional da demanda. Isso poderia ter reduzido crises cíclicas de superprodução e fortalecido o mercado interno.

  2. Desigualdade estrutural reduzida:
    Com uma base de renda assegurada, a disparidade entre capital e trabalho não teria crescido tanto a partir dos anos 1970, quando o neoliberalismo abriu caminho para a financeirização.

  3. Mudança no perfil do welfare state:
    Ao contrário do modelo europeu, focado em seguros sociais ligados ao emprego, os EUA teriam desenvolvido um welfare universalista baseado em dividendos. Isso mudaria a percepção cultural americana, conciliando individualismo com solidariedade econômica.

Impactos na política externa e na Guerra Fria

  1. Concorrência com o socialismo soviético:
    Se os EUA já contassem com um programa nacional de dividendos sociais, poderiam se apresentar ao mundo não apenas como a “terra da liberdade”, mas também como a terra da justiça econômica distributiva. O apelo do socialismo nos países do Terceiro Mundo seria enfraquecido diante de um capitalismo com rosto humano.

  2. Plano Marshall mais ousado:
    A tradição distributiva americana poderia ter se projetado internacionalmente. Em vez de apenas reconstrução via empréstimos, o Plano Marshall poderia ter incluído mecanismos de dividendos sociais aplicados nos países aliados, aproximando ainda mais a Europa Ocidental dos EUA.

  3. Descolonização em chave americana:
    O discurso da Guerra Fria teria mudado. Os EUA poderiam apresentar sua política social como alternativa não apenas ao comunismo, mas também ao neocolonialismo europeu, oferecendo dividendos a partir da exploração de recursos em parceria com ex-colônias.

Efeitos no constitucionalismo americano

  • Segunda Declaração de Direitos consolidada:
    A “Segunda Declaração de Direitos” proposta por Roosevelt em 1944 — que falava em direito ao emprego, à saúde e à segurança econômica — teria incluído explicitamente o direito ao dividendo social. Isso transformaria a Constituição americana, fortalecendo o papel da União na redistribuição de renda.

  • Federalismo fiscal mais equilibrado:
    Com Alberta e o Alaska como exemplos, estados ricos em recursos naturais pressionariam por modelos de dividendos estaduais, mas dentro de uma moldura nacional. Isso teria dado mais coesão ao federalismo norte-americano, evitando tensões fiscais entre estados ricos e pobres.

  • Precedente global:
    O constitucionalismo americano teria exportado o modelo de renda básica antes da Europa. A ONU, em sua Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), poderia ter incluído o direito ao dividendo como cláusula econômica universal.

O século XXI sob um New Deal distributivo

Se essa tradição tivesse vingado, os EUA de hoje seriam bastante diferentes:

  • Desigualdade menor: a polarização entre “1% e 99%” que marcou a crise de 2008 teria sido atenuada.

  • Maior legitimidade democrática: a renda básica teria reduzido a vulnerabilidade política ao populismo.

  • Transição tecnológica mais suave: com dividendos garantidos, a automação e a inteligência artificial seriam vistas como oportunidade de libertar tempo humano, não como ameaça ao emprego.

  • Papel global renovado: em vez de importar o welfare state europeu, os EUA teriam exportado um modelo próprio de justiça social baseado no dividendo.

Conclusão

A história não se escreve com “ses”, mas o exercício contrafactual mostra que a presença de Alberta nos EUA desde os anos 1930 poderia ter dado à democracia americana uma dimensão mais distributiva. O “New Deal distributivo” uniria Roosevelt, Douglas e Paine em uma síntese histórica singular, capaz de oferecer ao século XX uma alternativa ao socialismo soviético e ao neoliberalismo global.

No século XXI, os EUA poderiam ser lembrados não apenas como a potência da liberdade e do mercado, mas também como a nação que inaugurou, já em 1933, o direito universal ao dividendo social — antecipando de quase um século o debate contemporâneo sobre renda básica universal.

📚 Bibliografia Comentada

  • Douglas, C.H. Credit-Power and Democracy. Londres: Cecil Palmer, 1920.
    A formulação central da doutrina do crédito social, base do movimento em Alberta.

  • Finkel, Alvin. The Social Credit Phenomenon in Alberta. Toronto: University of Toronto Press, 1989.
    Análise do impacto político do crédito social em Alberta, essencial para pensar sua exportação ao contexto americano.

  • Kennedy, David M. Freedom from Fear: The American People in Depression and War, 1929–1945. Nova York: Oxford University Press, 1999.
    Contexto histórico indispensável para entender a Grande Depressão e o New Deal.

  • Roosevelt, Franklin D. The Second Bill of Rights. Discursos, 1944.
    Proposta inacabada de Roosevelt, que poderia ter incluído o direito ao dividendo social.

  • Van Parijs, Philippe; Vanderborght, Yannick. Basic Income: A Radical Proposal for a Free Society and a Sane Economy. Cambridge: Harvard University Press, 2017.
    Obra contemporânea que ajuda a pensar como uma renda básica poderia ter moldado o século americano se tivesse sido implementada já nos anos 1930.

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