Introdução
A província canadense de Alberta, tradicionalmente marcada por seu petróleo e por uma política muitas vezes divergente de Ottawa, revive hoje debates antigos sob novas formas: de um lado, o legado do crédito social de C.H. Douglas, que marcou profundamente sua cultura política; de outro, o separatismo energético, que vê nas políticas ambientais federais um obstáculo ao desenvolvimento local. A hipótese de que Alberta possa, como o Texas no século XIX, buscar sua independência para posteriormente unir-se aos Estados Unidos não é apenas retórica política, mas reflete uma tensão histórica entre centro e periferia, ideologia e recurso material.
1. O crédito social em Alberta: raízes históricas
A doutrina de Major C.H. Douglas, formulada nas décadas de 1920-1930, defendia a ideia de que a produção moderna gerava bens em excesso em relação ao poder de compra dos consumidores. Para equilibrar esse descompasso, o Estado deveria emitir dividendos sociais a cada cidadão, lastreados na riqueza real do país.
Em Alberta, essa ideia encontrou terreno fértil:
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O Social Credit Party venceu as eleições de 1935 e governou até 1971.
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Ainda que as propostas de Douglas nunca tenham sido aplicadas integralmente, elas consolidaram em Alberta uma tradição de política econômica distributiva, marcada por resistência ao controle financeiro de Ottawa e ênfase na autonomia dos recursos locais.
2. O petróleo como novo “lastro” de crédito social
O petróleo em Alberta não é apenas uma commodity: é a base da arrecadação fiscal, do bem-estar social e do peso político da província.
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Assim como o ouro já foi lastro monetário, o petróleo pode ser visto como lastro de dividendos sociais, funcionando como um fundo de distribuição direta de riqueza.
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A experiência mais próxima disso nos EUA é o Alaska Permanent Fund, criado em 1976, que distribui anualmente dividendos à população a partir dos lucros do petróleo.
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Nessa lógica, Alberta poderia atualizar o crédito social de Douglas, substituindo o lastro abstrato (crédito emitido pelo Estado) por um lastro concreto em hidrocarbonetos.
Em termos práticos, o petróleo permitiria a criação de uma renda básica de cidadania, garantida por um recurso físico e exportável, blindado das flutuações ideológicas de Ottawa.
3. A tradição americana de dividendos sociais
Os Estados Unidos têm uma longa tradição intelectual de defesa de uma renda básica universal:
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Thomas Paine, em Agrarian Justice (1797), propôs que todos os cidadãos recebessem uma compensação pelo uso comum da terra, uma forma inicial de “dividendo social”.
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Experimentos modernos, como o Alaska Permanent Fund, mostram que essa tradição se materializa em realidades locais, sobretudo em regiões de fronteira, onde a natureza e os recursos são a principal fonte de riqueza.
Se Alberta se aproximasse dos EUA, sua lógica de dividendos petrolíferos se encaixaria com naturalidade nessa tradição norte-americana.
4. Separatismo e o paralelo com o Texas
O movimento separatista de Alberta encontra ressonância na história do Texas:
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Em 1836, o Texas se separou do México e permaneceu independente por nove anos.
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Em 1845, tornou-se parte dos EUA, levando consigo sua riqueza em algodão e petróleo.
De forma análoga, Alberta poderia seguir uma trajetória de independência breve, sustentada por sua riqueza petrolífera, antes de negociar sua adesão à federação americana como o “Estado 51”. Essa união seria lógica, considerando que sua economia já é fortemente integrada ao mercado dos EUA, e que Ottawa impõe, segundo a visão separatista, políticas ambientais que reduzem sua competitividade.
5. Conclusão
O crédito social em Alberta foi uma tentativa, no século XX, de redistribuir o excedente econômico em favor dos cidadãos. No século XXI, o petróleo pode assumir o papel de lastro material para uma nova versão dessa política, ancorada na realidade do mercado energético global.
A tradição americana de renda básica, desde Thomas Paine até o Alasca, fornece o modelo cultural e político no qual Alberta poderia se inserir caso se tornasse parte dos EUA. Assim como o Texas no século XIX, Alberta poderia primeiro afirmar sua independência e, depois, encontrar nos EUA não apenas um mercado, mas um quadro institucional que legitime o petróleo como base de uma cidadania econômica.
Bibliografia comentada
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Douglas, C.H. – Economic Democracy (1920)
Obra seminal do engenheiro britânico que deu origem ao movimento de crédito social, defendendo dividendos sociais universais. -
Finkel, Alvin – The Social Credit Phenomenon in Alberta (1989)
Estudo clássico que analisa o impacto do crédito social na política e sociedade albertana durante o século XX. -
Paine, Thomas – Agrarian Justice (1797)
Texto fundamental que antecipa a noção de dividendos sociais como direito de todos, ligando propriedade da terra à justiça social. -
Knapp, Gunnar – The Alaska Permanent Fund: Assessing the Dividend Program (2004)
Análise do fundo do Alasca, exemplo prático de redistribuição de riqueza petrolífera em forma de renda básica. -
Resnick, Philip – The European Roots of Canadian Identity (2005)
Explora como tradições políticas importadas da Europa, como o crédito social, moldaram a identidade de províncias como Alberta.
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