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sábado, 18 de outubro de 2025

O mundo atual sob o New Deal distributivo: aspectos geopolíticos desse ensaio de história contrafactual

Introdução

Se Alberta tivesse se tornado o 51º estado americano nos anos 1930, trazendo consigo a tradição do crédito social, o New Deal teria incorporado a ideia de dividendos sociais universais como parte de sua arquitetura. Isso não apenas alteraria a economia doméstica, mas também teria repercussões profundas na política internacional e na ordem global que emergiu após 1945.

Neste artigo, exploramos como seria o mundo atual — economia, geopolítica e relações EUA-China — caso os Estados Unidos tivessem inaugurado já na década de 1930 um modelo distributivo de renda universal.

1. Os Estados Unidos como pioneiros do welfare distributivo

No mundo real, os EUA construíram um welfare state limitado, em contraste com a Europa do pós-guerra. No contrafactual, os dividendos sociais fariam parte do tecido constitucional americano desde o New Deal.

  • Legitimidade interna reforçada: a pobreza estrutural e os guetos urbanos, que se agravaram nos anos 1960-70, seriam mitigados.

  • Crise de 2008 menos devastadora: com dividendos nacionais, a população teria maior resiliência diante do colapso hipotecário, reduzindo a polarização política que emergiu na era pós-crise.

  • Base cultural distinta: a narrativa americana se apoiaria não apenas no "sonho individual", mas também na "cidadania distributiva", equilibrando mérito e solidariedade.

2. A Guerra Fria em chave distributiva

  • Concorrência com a URSS:
    Em vez de ser acusado de capitalismo selvagem, os EUA poderiam confrontar a URSS como um regime que garantia não apenas liberdades civis, mas também segurança econômica universal. Isso reduziria o apelo comunista em países do Terceiro Mundo.

  • Plano Marshall ampliado:
    Ao exportar sua experiência de dividendos sociais, os EUA poderiam ter incluído transferências diretas de renda na reconstrução da Europa, vinculando o continente ainda mais fortemente ao modelo americano.

  • Movimentos sociais domésticos:
    A luta pelos direitos civis nos anos 1960 teria encontrado um cenário menos desigual. Líderes como Martin Luther King Jr., que já falava em "renda garantida", teriam visto suas demandas atendidas décadas antes.

3. A globalização sob um paradigma distributivo

Quando a globalização neoliberal ganhou força nos anos 1980-90, os EUA entraram nesse processo já marcados pela desigualdade crescente. Mas sob o contrafactual:

  • Tecnologia e dividendos:
    A revolução digital e a automação seriam vistas como libertadoras de tempo humano, não como ameaça ao emprego. A sociedade americana aceitaria mais facilmente a transição para uma economia de serviços de alta produtividade.

  • Efeito demonstrativo global:
    Se os EUA praticassem dividendos universais desde os anos 1930, outras economias avançadas teriam imitado. O resultado seria uma globalização distributiva, com menos pobreza no Sul Global.

4. EUA-China: um confronto diferente

Hoje, a disputa entre EUA e China gira em torno de tecnologia, comércio e influência global. Mas, no contrafactual:

  • Soft power americano ampliado:
    A China usa o crescimento econômico como legitimidade política. Um EUA distributivo teria exportado, desde 1945, um modelo alternativo de prosperidade social. Isso reduziria a capacidade da China de se apresentar como campeã do desenvolvimento econômico inclusivo.

  • Economia interna mais resiliente:
    Com dividendos sociais, a indústria americana teria lidado melhor com a competição chinesa nos anos 2000, pois o consumo interno sustentaria a demanda mesmo diante da desindustrialização.

  • Diplomacia distributiva:
    Em vez de apenas tratados de livre comércio, os EUA poderiam ter promovido acordos internacionais para criação de fundos distributivos globais, financiados por recursos naturais e tecnologia.

Conclusão

Se Alberta tivesse se tornado parte da União na década de 1930, o New Deal teria incorporado uma dimensão distributiva universal. Isso teria mudado a trajetória dos EUA e do mundo: menos desigualdade, mais legitimidade democrática, uma Guerra Fria travada também no campo da justiça social, e uma globalização menos excludente.

No século XXI, os EUA não apenas competiriam com a China em inovação tecnológica e poder militar, mas também ostentariam o título de pioneiros da renda básica universal. Em vez de estarmos hoje debatendo a viabilidade de programas pilotos de renda básica, viveríamos em um mundo em que esse princípio já seria um pilar da ordem internacional desde 1945.

📚 Bibliografia Comentada

  • Friedman, Milton. Capitalism and Freedom. Chicago: University of Chicago Press, 1962.
    Referência obrigatória para contrastar como a hegemonia neoliberal poderia ter sido evitada por um modelo distributivo alternativo.

  • King Jr., Martin Luther. Where Do We Go from Here: Chaos or Community? Nova York: Harper & Row, 1967.
    Obra em que King defende explicitamente uma renda garantida — ponto que teria sido antecipado em décadas pelo contrafactual.

  • Paine, Thomas. Agrarian Justice. Londres, 1797.
    Fonte primária que fundamenta a tradição americana de dividendos sociais.

  • Stiglitz, Joseph. Globalization and Its Discontents. Nova York: W.W. Norton, 2002.
    Análise crítica da globalização real, útil para pensar como teria sido uma globalização distributiva.

  • Van Parijs, Philippe; Vanderborght, Yannick. Basic Income: A Radical Proposal for a Free Society and a Sane Economy. Cambridge: Harvard University Press, 2017.
    Base contemporânea para pensar como o contrafactual americano teria antecipado o debate da renda básica.

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