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terça-feira, 21 de outubro de 2025

Capital Moral como categoria jurídica: uma proposta para a Teoria do Direito

Introdução

O Direito moderno reconhece como bens tutelados a propriedade (material e imaterial), a honra, a dignidade e o nome. No entanto, ainda não há, de forma explícita, o reconhecimento jurídico do capital moral como categoria autônoma.

À luz de Hernando de Soto (O Mistério do Capital), podemos compreender que a riqueza não se limita ao domínio de bens formais, mas ao conjunto de instrumentos que dão segurança às transações. Do mesmo modo, à luz de Hayek, Leão XIII, Szondi e Frankl, é possível afirmar que existe uma forma de capital anterior e mais profunda: o capital moral, encarnado sobretudo no bom nome da família.

Este ensaio propõe a formalização do capital moral como categoria jurídica, dotada de tutela própria e de funções essenciais à ordem social e econômica.

1. Definição de Capital Moral

O capital moral é o conjunto de valores, virtudes e reputação acumulados por uma pessoa ou família ao longo do tempo, que geram confiança social e funcionam como garantia natural nas relações jurídicas, econômicas e políticas.

Ele é:

  • Personalíssimo: inalienável, não pode ser vendido nem transferido.

  • Intergeracional: transmitido como herança moral.

  • Funcional: reduz custos de transação, gera crédito e confiança.

  • Existencial: confere sentido à vida ao inserir o indivíduo numa cadeia de gerações.

2. Diferença em relação à honra e ao nome

A honra e o nome já são bens tutelados pelo ordenamento jurídico (CF/88, art. 5º, X; CC/2002, arts. 12 e 20). No entanto, tratam-se de bens de personalidade, voltados à proteção da individualidade.

O capital moral vai além: ele é coletivo, acumulativo e funcional. Não protege apenas a subjetividade da pessoa, mas a reputação da linhagem e sua função econômica e política como moeda natural.

3. Funções do capital moral no direito

O capital moral exerce funções comparáveis às da propriedade formal em Hernando de Soto:

  1. Identificação – distingue famílias e indivíduos pela reputação herdada.

  2. Garantia – funciona como colateral moral, assegurando confiança em contratos.

  3. Proteção das transações – reduz a insegurança jurídica e a necessidade de coerção estatal.

  4. Continuidade – preserva a ordem espontânea (Hayek) e a cadeia de gerações (Lovejoy).

  5. Sentido existencial – protege o homem da falta de sentido (Frankl) e o vincula à missão herdada (Szondi).

4. Tutela Jurídica Proposta

A formalização do capital moral como categoria jurídica poderia se dar em três níveis:

  • Constitucional: reconhecimento expresso do capital moral como bem da personalidade coletiva da família, ligado à dignidade da pessoa humana.

  • Civil: inserção no Código Civil de dispositivos que reconheçam o capital moral como patrimônio imaterial transmissível, protegido contra calúnia, difamação e abuso de autoridade.

  • Penal: agravamento das penas para crimes contra a honra que destruam não apenas o indivíduo, mas também a reputação intergeracional de famílias.

Exemplo de dispositivo normativo (proposta):

“Art. X – O capital moral, consistente no bom nome e na reputação acumulados por pessoa ou família, constitui bem jurídico imaterial e personalíssimo, transmissível intergeracionalmente, protegido contra qualquer forma de ataque, abuso de autoridade ou difamação que comprometa sua função social e econômica.”

5. Capital Moral em tempos de democracia relativa

Em contextos de democracia relativa e de estado de exceção, quando instituições falham ou se tornam instrumentos de difamação, a proteção do capital moral é ainda mais urgente. Autoridades ilegítimas que enlameiam o bom nome de inocentes cometem não apenas um crime contra a honra individual, mas um atentado contra o capital moral da sociedade.

A democracia só pode subsistir quando há confiança entre os cidadãos. E essa confiança depende do bom nome — a verdadeira moeda moral da vida social.

Conclusão

O capital moral deve ser reconhecido como categoria autônoma no Direito. Ele não é apenas honra ou nome, mas a moeda natural que sustenta a confiança, garante a cooperação e dá sentido à vida social.

Assim como Hernando de Soto revelou o mistério do capital na formalização da propriedade, precisamos hoje desvendar o mistério do capital moral: a herança imaterial que sustenta a ordem espontânea, a dignidade das famílias e a legitimidade da democracia.

Proteger o bom nome da família como NFT natural é, portanto, não só um dever jurídico, mas um ato de resistência cultural e espiritual — pois, nos méritos de Cristo, esse é o talento recebido que deve ser multiplicado em favor da verdade e da liberdade.

Bibliografia

  • Aristóteles. Política. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora UnB, 1991.

  • Bauman, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

  • Bourdieu, Pierre. Formas de Capital. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (orgs.). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

  • Brough, William. The Natural Law of Money. New York: Appleton and Company, 1896.

  • Burke, Edmund. Reflections on the Revolution in France. London: Penguin Classics, 2004.

  • Coleman, James. Foundations of Social Theory. Cambridge: Harvard University Press, 1990.

  • Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal.

  • De Soto, Hernando. O Mistério do Capital: por que o capitalismo triunfa no Ocidente e fracassa em todo o resto do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2001.

  • Frankl, Viktor. Em Busca de Sentido. Petrópolis: Vozes, 2011.

  • Hayek, Friedrich. Law, Legislation and Liberty. London: Routledge, 1973.

  • Leão XIII (Papa). Rerum Novarum. Roma, 1891.

  • Lovejoy, Arthur O. The Great Chain of Being: A Study of the History of an Idea. Cambridge: Harvard University Press, 1936.

  • Menger, Carl. Principles of Economics. Auburn: Ludwig von Mises Institute, 2007 [1871].

  • Szondi, Leopold. Schicksalsanalyse: Wahl in Liebe, Freundschaft, Beruf, Krankheit und Tod. Bern: Hans Huber, 1963.

  • Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002). Brasília: Senado Federal.

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