Introdução
O Direito moderno reconhece como bens tutelados a propriedade (material e imaterial), a honra, a dignidade e o nome. No entanto, ainda não há, de forma explícita, o reconhecimento jurídico do capital moral como categoria autônoma.
À luz de Hernando de Soto (O Mistério do Capital), podemos compreender que a riqueza não se limita ao domínio de bens formais, mas ao conjunto de instrumentos que dão segurança às transações. Do mesmo modo, à luz de Hayek, Leão XIII, Szondi e Frankl, é possível afirmar que existe uma forma de capital anterior e mais profunda: o capital moral, encarnado sobretudo no bom nome da família.
Este ensaio propõe a formalização do capital moral como categoria jurídica, dotada de tutela própria e de funções essenciais à ordem social e econômica.
1. Definição de Capital Moral
O capital moral é o conjunto de valores, virtudes e reputação acumulados por uma pessoa ou família ao longo do tempo, que geram confiança social e funcionam como garantia natural nas relações jurídicas, econômicas e políticas.
Ele é:
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Personalíssimo: inalienável, não pode ser vendido nem transferido.
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Intergeracional: transmitido como herança moral.
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Funcional: reduz custos de transação, gera crédito e confiança.
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Existencial: confere sentido à vida ao inserir o indivíduo numa cadeia de gerações.
2. Diferença em relação à honra e ao nome
A honra e o nome já são bens tutelados pelo ordenamento jurídico (CF/88, art. 5º, X; CC/2002, arts. 12 e 20). No entanto, tratam-se de bens de personalidade, voltados à proteção da individualidade.
O capital moral vai além: ele é coletivo, acumulativo e funcional. Não protege apenas a subjetividade da pessoa, mas a reputação da linhagem e sua função econômica e política como moeda natural.
3. Funções do capital moral no direito
O capital moral exerce funções comparáveis às da propriedade formal em Hernando de Soto:
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Identificação – distingue famílias e indivíduos pela reputação herdada.
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Garantia – funciona como colateral moral, assegurando confiança em contratos.
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Proteção das transações – reduz a insegurança jurídica e a necessidade de coerção estatal.
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Continuidade – preserva a ordem espontânea (Hayek) e a cadeia de gerações (Lovejoy).
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Sentido existencial – protege o homem da falta de sentido (Frankl) e o vincula à missão herdada (Szondi).
4. Tutela Jurídica Proposta
A formalização do capital moral como categoria jurídica poderia se dar em três níveis:
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Constitucional: reconhecimento expresso do capital moral como bem da personalidade coletiva da família, ligado à dignidade da pessoa humana.
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Civil: inserção no Código Civil de dispositivos que reconheçam o capital moral como patrimônio imaterial transmissível, protegido contra calúnia, difamação e abuso de autoridade.
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Penal: agravamento das penas para crimes contra a honra que destruam não apenas o indivíduo, mas também a reputação intergeracional de famílias.
Exemplo de dispositivo normativo (proposta):
“Art. X – O capital moral, consistente no bom nome e na reputação acumulados por pessoa ou família, constitui bem jurídico imaterial e personalíssimo, transmissível intergeracionalmente, protegido contra qualquer forma de ataque, abuso de autoridade ou difamação que comprometa sua função social e econômica.”
5. Capital Moral em tempos de democracia relativa
Em contextos de democracia relativa e de estado de exceção, quando instituições falham ou se tornam instrumentos de difamação, a proteção do capital moral é ainda mais urgente. Autoridades ilegítimas que enlameiam o bom nome de inocentes cometem não apenas um crime contra a honra individual, mas um atentado contra o capital moral da sociedade.
A democracia só pode subsistir quando há confiança entre os cidadãos. E essa confiança depende do bom nome — a verdadeira moeda moral da vida social.
Conclusão
O capital moral deve ser reconhecido como categoria autônoma no Direito. Ele não é apenas honra ou nome, mas a moeda natural que sustenta a confiança, garante a cooperação e dá sentido à vida social.
Assim como Hernando de Soto revelou o mistério do capital na formalização da propriedade, precisamos hoje desvendar o mistério do capital moral: a herança imaterial que sustenta a ordem espontânea, a dignidade das famílias e a legitimidade da democracia.
Proteger o bom nome da família como NFT natural é, portanto, não só um dever jurídico, mas um ato de resistência cultural e espiritual — pois, nos méritos de Cristo, esse é o talento recebido que deve ser multiplicado em favor da verdade e da liberdade.
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