Introdução
O mundo contemporâneo enfrenta uma crise profunda nos vínculos familiares e sociais. Relações baseadas em afetos desordenados, ou mesmo em meros interesses passageiros, substituíram a solidez das famílias que outrora transmitiam honra e dignidade de geração em geração. Esse cenário de liquidez afetiva, denunciado por Bauman, corrói a confiança, desestrutura a economia e mina o sentido da vida.
O direito ao bom nome da família emerge, nesse contexto, como patrimônio jurídico, econômico e existencial. Ele não se reduz ao mero direito individual de personalidade: é herança imaterial e intergeracional, funcionando como moeda moral que sustenta a ordem espontânea da sociedade. Ao mesmo tempo, ele é ponte de sentido, confirmando a tese de Viktor Frankl de que o homem sobrevive a tudo, menos à falta de sentido, e de Szondi, que vê o homem como construtor de pontes entre gerações e destinos.
1. O direito ao bom nome: perspectiva jurídica
A Constituição brasileira garante a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, III), e o Código Civil protege a honra e o nome (arts. 12 e 20). Contudo, falta explicitar o bom nome familiar como patrimônio transmissível.
Assim como herdam-se bens e dívidas, também se herda uma reputação consolidada. Essa herança não é apenas simbólica: ela tem efeitos concretos na vida civil e econômica do herdeiro, influindo no crédito, nos contratos e até na participação social.
Aqui, o direito ao bom nome da família se conecta com a ideia de direito natural de crédito: um patrimônio imaterial, inseparável da dignidade, que deve ser reconhecido e protegido.
2. O bom nome como moeda moral e capital social
Inspirando-se em William Brough (The Natural Law of Money), podemos compreender o bom nome como uma forma de natural money, isto é, uma moeda espontânea que nasce da confiança acumulada entre gerações.
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Assim como o ouro ou a prata foram reconhecidos socialmente como dinheiro, o bom nome é reconhecido como crédito moral.
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Ele abre portas em negócios, reduz custos de transação e gera confiança em relações econômicas e sociais.
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Funciona como moeda intergeracional, um ativo invisível mas real, transmitido pela família.
Do ponto de vista sociológico, autores como Pierre Bourdieu e James Coleman já falaram em capital social: redes de confiança que produzem benefícios concretos. O bom nome da família é a expressão mais densa desse capital, porque não se reduz a relações circunstanciais, mas se enraíza na herança moral.
3. Ordem Espontânea e Cadeia do Ser
Para Hayek, a ordem social é resultado da sucessão espontânea das tradições e costumes. O bom nome da família é um desses pilares invisíveis da ordem espontânea.
Ao assumir as dívidas morais e materiais dos pais, o herdeiro perpetua a confiança social, transformando sua família numa cadeia do ser (Lovejoy), em que cada geração fortalece a continuidade.
Nessa perspectiva, o bom nome é novo tipo de nobreza: não baseada em títulos, mas na reputação de honra, lealdade e responsabilidade.
4. Sentido, Destino e Psicologia do Vínculo
Aqui entra a dimensão psicológica e existencial:
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Leopold Szondi fala do homem como construtor de pontes (Brückenbauer): entre passado e futuro, entre tradição e liberdade. O direito ao bom nome é uma dessas pontes.
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Viktor Frankl lembra que o homem pode sobreviver a tudo, menos à falta de sentido. O bom nome herdado dá sentido às escolhas, porque insere cada indivíduo numa história maior que si mesmo.
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Quando o amor se torna líquido e os afetos são desordenados, a vida perde sentido, e até a economia degenera em mera crematística (Aristóteles) — o lucro pelo lucro, sem finalidade comunitária ou ética.
Assim, o direito ao bom nome funciona como resistência ao niilismo: ele garante continuidade, missão e sentido.
5. Implicações Econômicas e Políticas
Essa concepção tem desdobramentos práticos:
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Mercado financeiro – além do score de crédito algorítmico, deveria haver reconhecimento jurídico do bom nome como patrimônio imaterial.
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Política pública – programas poderiam valorizar famílias que acumulam reputação de serviço comunitário e responsabilidade social.
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Sucessão – o bom nome deveria ser protegido expressamente como herança intangível, ao lado de marcas, patentes e outros bens imateriais.
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Economia moral – sociedades que reconhecem a moeda moral da honra exigem menos intervenção estatal e geram maior liberdade, porque a confiança substitui a coerção.
Conclusão
O direito ao bom nome da família é mais do que uma questão de honra individual: é patrimônio intergeracional que funciona como moeda moral, capital social e ponte de sentido. Ele sustenta a ordem espontânea (Hayek), constitui capital acumulado (Leão XIII), integra a cadeia do ser (Lovejoy), expressa a psicologia do destino (Szondi) e garante o sentido da vida (Frankl).
Numa sociedade de amores líquidos, onde tudo é provisório, o bom nome é o elemento que resiste ao niilismo. Ele garante continuidade à família, confiança à economia e solidez à política. Mais do que isso: nos méritos de Cristo, o bom nome revela-se vocação e missão, um talento recebido para ser multiplicado e devolvido a Deus em forma de caridade, justiça e verdade.
Referências
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Aristóteles, Política, Livro I (sobre economia e crematística).
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Arthur Lovejoy, The Great Chain of Being.
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Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France.
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Friedrich Hayek, Law, Legislation and Liberty.
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Leopold Szondi, Schicksalsanalyse (Psicologia do Destino).
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Viktor Frankl, Em Busca de Sentido.
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Zygmunt Bauman, Amor Líquido.
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Papa Leão XIII, Rerum Novarum.
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William Brough, The Natural Law of Money (1896).
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Pierre Bourdieu, Formas de Capital (1986).
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James Coleman, Foundations of Social Theory (1990).
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Constituição Federal de 1988, art. 1º, III; arts. 12 e 20.
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Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002).
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