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terça-feira, 21 de outubro de 2025

O direito ao bom nome da família como moeda moral, capital social e sentido existencial

Introdução

O mundo contemporâneo enfrenta uma crise profunda nos vínculos familiares e sociais. Relações baseadas em afetos desordenados, ou mesmo em meros interesses passageiros, substituíram a solidez das famílias que outrora transmitiam honra e dignidade de geração em geração. Esse cenário de liquidez afetiva, denunciado por Bauman, corrói a confiança, desestrutura a economia e mina o sentido da vida.

O direito ao bom nome da família emerge, nesse contexto, como patrimônio jurídico, econômico e existencial. Ele não se reduz ao mero direito individual de personalidade: é herança imaterial e intergeracional, funcionando como moeda moral que sustenta a ordem espontânea da sociedade. Ao mesmo tempo, ele é ponte de sentido, confirmando a tese de Viktor Frankl de que o homem sobrevive a tudo, menos à falta de sentido, e de Szondi, que vê o homem como construtor de pontes entre gerações e destinos.

1. O direito ao bom nome: perspectiva jurídica

A Constituição brasileira garante a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, III), e o Código Civil protege a honra e o nome (arts. 12 e 20). Contudo, falta explicitar o bom nome familiar como patrimônio transmissível.

Assim como herdam-se bens e dívidas, também se herda uma reputação consolidada. Essa herança não é apenas simbólica: ela tem efeitos concretos na vida civil e econômica do herdeiro, influindo no crédito, nos contratos e até na participação social.

Aqui, o direito ao bom nome da família se conecta com a ideia de direito natural de crédito: um patrimônio imaterial, inseparável da dignidade, que deve ser reconhecido e protegido.

2. O bom nome como moeda moral e capital social

Inspirando-se em William Brough (The Natural Law of Money), podemos compreender o bom nome como uma forma de natural money, isto é, uma moeda espontânea que nasce da confiança acumulada entre gerações.

  • Assim como o ouro ou a prata foram reconhecidos socialmente como dinheiro, o bom nome é reconhecido como crédito moral.

  • Ele abre portas em negócios, reduz custos de transação e gera confiança em relações econômicas e sociais.

  • Funciona como moeda intergeracional, um ativo invisível mas real, transmitido pela família.

Do ponto de vista sociológico, autores como Pierre Bourdieu e James Coleman já falaram em capital social: redes de confiança que produzem benefícios concretos. O bom nome da família é a expressão mais densa desse capital, porque não se reduz a relações circunstanciais, mas se enraíza na herança moral.

3. Ordem Espontânea e Cadeia do Ser

Para Hayek, a ordem social é resultado da sucessão espontânea das tradições e costumes. O bom nome da família é um desses pilares invisíveis da ordem espontânea.

Ao assumir as dívidas morais e materiais dos pais, o herdeiro perpetua a confiança social, transformando sua família numa cadeia do ser (Lovejoy), em que cada geração fortalece a continuidade.

Nessa perspectiva, o bom nome é novo tipo de nobreza: não baseada em títulos, mas na reputação de honra, lealdade e responsabilidade.

4. Sentido, Destino e Psicologia do Vínculo

Aqui entra a dimensão psicológica e existencial:

  • Leopold Szondi fala do homem como construtor de pontes (Brückenbauer): entre passado e futuro, entre tradição e liberdade. O direito ao bom nome é uma dessas pontes.

  • Viktor Frankl lembra que o homem pode sobreviver a tudo, menos à falta de sentido. O bom nome herdado dá sentido às escolhas, porque insere cada indivíduo numa história maior que si mesmo.

  • Quando o amor se torna líquido e os afetos são desordenados, a vida perde sentido, e até a economia degenera em mera crematística (Aristóteles) — o lucro pelo lucro, sem finalidade comunitária ou ética.

Assim, o direito ao bom nome funciona como resistência ao niilismo: ele garante continuidade, missão e sentido.

5. Implicações Econômicas e Políticas

Essa concepção tem desdobramentos práticos:

  1. Mercado financeiro – além do score de crédito algorítmico, deveria haver reconhecimento jurídico do bom nome como patrimônio imaterial.

  2. Política pública – programas poderiam valorizar famílias que acumulam reputação de serviço comunitário e responsabilidade social.

  3. Sucessão – o bom nome deveria ser protegido expressamente como herança intangível, ao lado de marcas, patentes e outros bens imateriais.

  4. Economia moral – sociedades que reconhecem a moeda moral da honra exigem menos intervenção estatal e geram maior liberdade, porque a confiança substitui a coerção.

Conclusão

O direito ao bom nome da família é mais do que uma questão de honra individual: é patrimônio intergeracional que funciona como moeda moral, capital social e ponte de sentido. Ele sustenta a ordem espontânea (Hayek), constitui capital acumulado (Leão XIII), integra a cadeia do ser (Lovejoy), expressa a psicologia do destino (Szondi) e garante o sentido da vida (Frankl).

Numa sociedade de amores líquidos, onde tudo é provisório, o bom nome é o elemento que resiste ao niilismo. Ele garante continuidade à família, confiança à economia e solidez à política. Mais do que isso: nos méritos de Cristo, o bom nome revela-se vocação e missão, um talento recebido para ser multiplicado e devolvido a Deus em forma de caridade, justiça e verdade.

Referências

  • Aristóteles, Política, Livro I (sobre economia e crematística).

  • Arthur Lovejoy, The Great Chain of Being.

  • Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France.

  • Friedrich Hayek, Law, Legislation and Liberty.

  • Leopold Szondi, Schicksalsanalyse (Psicologia do Destino).

  • Viktor Frankl, Em Busca de Sentido.

  • Zygmunt Bauman, Amor Líquido.

  • Papa Leão XIII, Rerum Novarum.

  • William Brough, The Natural Law of Money (1896).

  • Pierre Bourdieu, Formas de Capital (1986).

  • James Coleman, Foundations of Social Theory (1990).

  • Constituição Federal de 1988, art. 1º, III; arts. 12 e 20.

  • Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002).

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