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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Fortaleza e o atlântico: o Brasil reposiciona seu espaço aéreo no tabuleiro geopolítico

A decisão do Governo do Ceará de subsidiar novos voos internacionais para a Europa, por meio do Decreto nº 36.878/2025, vai além de uma política setorial de turismo. Trata-se de um movimento geopolítico que reposiciona o Brasil no Atlântico Sul, abre uma disputa direta com hubs consolidados como Lisboa, Madri e Casablanca, e inaugura uma nova etapa na relação entre o Nordeste e os grandes blocos econômicos globais.

1. Fortaleza e a geografia do poder aéreo

Fortaleza possui uma vantagem geográfica inata: é a capital brasileira mais próxima da Europa e dos Estados Unidos em linha reta. Isso reduz custos operacionais e tempo de voo. Historicamente, o Brasil concentrou seus fluxos internacionais em São Paulo e Rio de Janeiro, ignorando o potencial do Nordeste. Agora, com incentivos fiscais (isenção de ICMS do querosene) e financeiros (até R$ 10 milhões/ano por rota), o Ceará busca reverter essa lógica centralizadora.

Assim, Fortaleza assume papel similar ao de Lisboa em relação à Europa: um ponto de ancoragem atlântica, cuja função excede o turismo e alcança logística, comércio exterior e até segurança estratégica. 

2. Multipolaridade aérea e blocos globais

A entrada confirmada da Iberia (Grupo IAG) e o interesse da Discover Airlines (Lufthansa Group) colocam Fortaleza no mapa dos grandes conglomerados aéreos internacionais. Somados à Air France-KLM, TAP e LATAM, formam cinco forças globais competindo no mesmo hub.

Esse arranjo gera:

  • Competição tarifária, reduzindo custos para passageiros;

  • Multipolaridade de alianças: Fortaleza deixa de ser satélite da TAP (Lisboa) para se tornar um ponto neutro, onde diversos blocos disputam rotas;

  • Soft power diplomático: cada novo voo é também uma ponte cultural e política com a Europa.

3. O vetor Itália: entre diáspora e soft power

Um destino natural para expansão da LATAM é a Itália (Roma ou Milão). A ligação direta com Fortaleza já existiu nos anos 2000 e atende não apenas ao turismo, mas também a uma dimensão civilizacional: os italianos figuram entre os três grupos europeus que mais visitam o Ceará.

Reativar esses voos reforça:

  • Laços migratórios e culturais;

  • O papel do Ceará como porta de entrada da latinidade europeia no Brasil;

  • A inserção do Nordeste em redes históricas de circulação, agora renovadas no século XXI.

4. Do turismo à segurança estratégica

Os voos internacionais não movimentam apenas pessoas: eles transportam toneladas de carga no porão, integrando cadeias globais de suprimentos.

Isso produz implicações geopolíticas:

  • Redundância logística: menos dependência dos portos/aeroportos do Sudeste;

  • Capacidade de projeção militar indireta: corredores aéreos densos podem ser estratégicos em cenários de defesa e monitoramento do Atlântico;

  • Integração Sul–Norte: Fortaleza emerge como alternativa sul-americana frente aos hubs africanos (Casablanca, Dakar) e caribenhos (Punta Cana, Miami).

5. Comparação com hubs atlânticos

  • Lisboa: consolidou-se como ponto de conexão entre Europa, África e América Latina, explorando a língua portuguesa e a TAP como vetor estatal. Fortaleza pode desempenhar papel similar, mas com alcance regional no Brasil.

  • Miami: porta de entrada dos EUA para a América Latina, funciona como nó cultural e logístico. Fortaleza pode ser o “Miami brasileiro” para a Europa.

  • Casablanca/Dakar: hubs africanos que cresceram por incentivos estatais e posição geográfica estratégica. Fortaleza segue caminho paralelo, mas com maior escala de mercado interno.

Esses paralelos mostram que o hub aéreo é também um hub de poder, capaz de moldar redes comerciais e diplomáticas.

6. Conclusão

A política aérea cearense é, em essência, uma estratégia de soberania. Ao descentralizar a conectividade internacional do Brasil e criar um polo atlântico no Nordeste, o governo local projeta Fortaleza como nó geopolítico entre continentes.

Cada novo voo é mais do que uma rota: é uma linha de poder que redesenha o mapa da influência entre Europa, América e África. No século XXI, a guerra dos céus não se trava apenas com caças e bases militares, mas com aeronaves comerciais que carregam turistas, cargas e, sobretudo, influência.

Bibliografia

  • DIÁRIO DO NORDESTE. Ceará terá mais voos diários para a Europa: Incentivo pode fazer de Fortaleza um hub internacional. 2025.

  • LIMA, Marcos Costa. Geopolítica do Atlântico Sul. São Paulo: Editora UNESP, 2013.

  • CASTRO, Therezinha de. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1999.

  • SÁNCHEZ, Luis. Air Hubs and Global Power: The Strategic Role of Aviation in International Relations. London: Routledge, 2020.

  • FREYRE, Gilberto. Interpretação do Brasil Atlântico. Recife: UFPE, 1961.

  • VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A política externa brasileira: a busca da autonomia, de Sarney a Lula. São Paulo: UNESP, 2007.

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