Introdução
A legislação de direitos autorais é um campo em que história, política cultural e interesses econômicos se entrelaçam. Embora a União Europeia tenha buscado harmonizar os prazos de proteção, a Espanha manteve uma particularidade notável: a regra dos 80 anos post mortem auctoris para autores falecidos antes de 1987. Esse regime jurídico prolongado impactou diretamente grandes nomes da literatura espanhola, como José Ortega y Gasset, Miguel de Unamuno, Antonio Machado e Federico García Lorca.
A tradição espanhola dos 80 anos
A Lei de Propriedade Intelectual de 1879, posteriormente reformada em 1987, estabeleceu prazos de 80 anos após a morte do autor. Essa extensão foi justificada pela ideia de proteger não apenas os herdeiros, mas também a herança cultural espanhola.
Com a Lei 22/1987, esse prazo foi consolidado, criando uma situação excepcional dentro da Europa. Autores falecidos antes dessa data permaneceram sob a regra dos 80 anos, mesmo depois da harmonização legislativa europeia.
A intervenção da União Europeia
Com a Diretiva 93/98/CEE, depois consolidada em 2006/116/CE, a União Europeia fixou o prazo em 70 anos post mortem para todos os Estados-membros. Contudo, para evitar prejuízo a herdeiros e editoras, a norma trouxe uma cláusula de não-retrocesso: países que já garantiam prazos mais amplos não precisariam reduzi-los.
Nota de Rodapé
A cláusula de não-retrocesso foi essencial para evitar que milhares de obras caíssem instantaneamente em domínio público. No caso da Espanha, isso significou que autores falecidos antes de 7 de dezembro de 1987 permaneceriam sob a proteção dos 80 anos. Por isso, a obra de Ortega y Gasset, falecido em 1955, continua protegida até 2035.
O caso de José Ortega y Gasset
O filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883–1955) é exemplo claro da excepcionalidade espanhola.
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Brasil: Pela lei de 1973 (60 anos), sua obra está em domínio público desde 01/01/2016.
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Espanha/União Europeia: Pela regra dos 80 anos, a proteção dura até 31/12/2035. Somente em 01/01/2036, suas obras entrarão em domínio público.
Esse descompasso cria uma diferença de 20 anos entre o acesso brasileiro e o europeu ao mesmo patrimônio cultural.
Outros autores espanhóis atingidos
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Miguel de Unamuno (1864–1936)
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Espanha: domínio público em 2017.
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Brasil: domínio público em 1997.
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Antonio Machado (1875–1939)
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Espanha: domínio público em 2020.
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Brasil: domínio público em 2000.
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Federico García Lorca (1898–1936)
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Espanha: domínio público em 2017.
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Brasil: domínio público em 1997.
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Esses exemplos mostram como o regime espanhol prolongou por décadas a exclusividade de exploração das obras desses autores em relação ao Brasil.
Quadro Comparativo
| Jurisdição | Lei Aplicável | Ano da Morte | Início da Contagem | Prazo | Fim da Proteção | Início do Domínio Público |
|---|---|---|---|---|---|---|
| Brasil | Lei 5.988/1973 (60 anos) | 1955 | 01/01/1956 | 60 anos | 31/12/2015 | 01/01/2016 |
| Espanha | Lei 22/1987 (80 anos para autores pré-1987) | 1955 | 01/01/1956 | 80 anos | 31/12/2035 | 01/01/2036 |
| UE | Diretiva 93/98/CEE + 2006/116/CE | 1955 | 01/01/1956 | 70 anos (regra geral, mas respeita 80 da Espanha) | 31/12/2035 | 01/01/2036 |
Panorama de Autores Espanhóis
| Autor | Ano de Falecimento | Domínio Público no Brasil | Domínio Público na Espanha |
|---|---|---|---|
| Miguel de Unamuno | 1936 | 01/01/1997 | 01/01/2017 |
| Antonio Machado | 1939 | 01/01/2000 | 01/01/2020 |
| Federico García Lorca | 1936 | 01/01/1997 | 01/01/2017 |
| José Ortega y Gasset | 1955 | 01/01/2016 | 01/01/2036 |
Conclusão
O caso de Ortega y Gasset e de outros escritores espanhóis mostra como o direito autoral não é apenas uma questão jurídica, mas também um marco cultural que define o tempo de circulação das ideias.
No Brasil, leitores e editores tiveram acesso às obras desses autores décadas antes dos espanhóis, enquanto na Espanha a proteção prolongada manteve a exclusividade em mãos de herdeiros e editoras até o século XXI.
Essa situação evidencia a tensão permanente entre a justa remuneração e proteção do autor e seus herdeiros e o direito coletivo de acesso à cultura. No caso espanhol, essa balança pendeu fortemente para o lado da proteção patrimonial, retardando o pleno florescimento popular de alguns dos maiores escritores do século XX.
👉 Assim, Ortega y Gasset e seus contemporâneos não são apenas exemplos literários, mas também símbolos do impacto da legislação autoral na circulação cultural: suas ideias atravessaram fronteiras, mas ficaram presas por décadas em malhas jurídicas distintas.
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