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domingo, 26 de outubro de 2025

O prazo de proteção dos direitos autorais na Espanha e o caso de Ortega y Gasset (e de outros autores espanhóis)

Introdução

A legislação de direitos autorais é um campo em que história, política cultural e interesses econômicos se entrelaçam. Embora a União Europeia tenha buscado harmonizar os prazos de proteção, a Espanha manteve uma particularidade notável: a regra dos 80 anos post mortem auctoris para autores falecidos antes de 1987. Esse regime jurídico prolongado impactou diretamente grandes nomes da literatura espanhola, como José Ortega y Gasset, Miguel de Unamuno, Antonio Machado e Federico García Lorca.

A tradição espanhola dos 80 anos

A Lei de Propriedade Intelectual de 1879, posteriormente reformada em 1987, estabeleceu prazos de 80 anos após a morte do autor. Essa extensão foi justificada pela ideia de proteger não apenas os herdeiros, mas também a herança cultural espanhola.

Com a Lei 22/1987, esse prazo foi consolidado, criando uma situação excepcional dentro da Europa. Autores falecidos antes dessa data permaneceram sob a regra dos 80 anos, mesmo depois da harmonização legislativa europeia.

A intervenção da União Europeia

Com a Diretiva 93/98/CEE, depois consolidada em 2006/116/CE, a União Europeia fixou o prazo em 70 anos post mortem para todos os Estados-membros. Contudo, para evitar prejuízo a herdeiros e editoras, a norma trouxe uma cláusula de não-retrocesso: países que já garantiam prazos mais amplos não precisariam reduzi-los.

Nota de Rodapé

A cláusula de não-retrocesso foi essencial para evitar que milhares de obras caíssem instantaneamente em domínio público. No caso da Espanha, isso significou que autores falecidos antes de 7 de dezembro de 1987 permaneceriam sob a proteção dos 80 anos. Por isso, a obra de Ortega y Gasset, falecido em 1955, continua protegida até 2035.

O caso de José Ortega y Gasset

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883–1955) é exemplo claro da excepcionalidade espanhola.

  • Brasil: Pela lei de 1973 (60 anos), sua obra está em domínio público desde 01/01/2016.

  • Espanha/União Europeia: Pela regra dos 80 anos, a proteção dura até 31/12/2035. Somente em 01/01/2036, suas obras entrarão em domínio público.

Esse descompasso cria uma diferença de 20 anos entre o acesso brasileiro e o europeu ao mesmo patrimônio cultural.

Outros autores espanhóis atingidos

  1. Miguel de Unamuno (1864–1936)

    • Espanha: domínio público em 2017.

    • Brasil: domínio público em 1997.

  2. Antonio Machado (1875–1939)

    • Espanha: domínio público em 2020.

    • Brasil: domínio público em 2000.

  3. Federico García Lorca (1898–1936)

    • Espanha: domínio público em 2017.

    • Brasil: domínio público em 1997.

Esses exemplos mostram como o regime espanhol prolongou por décadas a exclusividade de exploração das obras desses autores em relação ao Brasil.

Quadro Comparativo 

Jurisdição Lei Aplicável Ano da Morte Início da Contagem Prazo Fim da Proteção Início do Domínio Público
Brasil Lei 5.988/1973 (60 anos) 1955 01/01/1956 60 anos 31/12/2015 01/01/2016
Espanha Lei 22/1987 (80 anos para autores pré-1987) 1955 01/01/1956 80 anos 31/12/2035 01/01/2036
UE Diretiva 93/98/CEE + 2006/116/CE 1955 01/01/1956 70 anos (regra geral, mas respeita 80 da Espanha) 31/12/2035 01/01/2036

Panorama de Autores Espanhóis 

Autor Ano de Falecimento Domínio Público no Brasil Domínio Público na Espanha
Miguel de Unamuno 1936 01/01/1997 01/01/2017
Antonio Machado 1939 01/01/2000 01/01/2020
Federico García Lorca 1936 01/01/1997 01/01/2017
José Ortega y Gasset 1955 01/01/2016 01/01/2036

Conclusão

O caso de Ortega y Gasset e de outros escritores espanhóis mostra como o direito autoral não é apenas uma questão jurídica, mas também um marco cultural que define o tempo de circulação das ideias.

No Brasil, leitores e editores tiveram acesso às obras desses autores décadas antes dos espanhóis, enquanto na Espanha a proteção prolongada manteve a exclusividade em mãos de herdeiros e editoras até o século XXI.

Essa situação evidencia a tensão permanente entre a justa remuneração e proteção do autor e seus herdeiros e o direito coletivo de acesso à cultura. No caso espanhol, essa balança pendeu fortemente para o lado da proteção patrimonial, retardando o pleno florescimento popular de alguns dos maiores escritores do século XX.

 👉 Assim, Ortega y Gasset e seus contemporâneos não são apenas exemplos literários, mas também símbolos do impacto da legislação autoral na circulação cultural: suas ideias atravessaram fronteiras, mas ficaram presas por décadas em malhas jurídicas distintas.

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