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sábado, 18 de outubro de 2025

Alberta como 51º estado e o New Deal: um exercício de história contrafactual

Introdução

A Grande Depressão de 1929 foi, segundo muitos historiadores, uma crise de superprodução e subconsumo. Enquanto as fábricas e o setor agrícola norte-americano inundavam o mercado com bens, os salários não acompanhavam esse crescimento, resultando em estoques acumulados, queda de preços e falências em massa. O presidente Franklin D. Roosevelt respondeu com o New Deal, um conjunto de políticas de estímulo ao emprego, obras públicas, seguridade social e regulação financeira.

Mas e se, nesse cenário, a província canadense de Alberta já fosse um estado da União Americana? Conhecida como o berço do movimento de crédito social inspirado em C.H. Douglas, Alberta teria levado para Washington uma tradição econômica alternativa, baseada na emissão de crédito nacional e na distribuição de dividendos sociais. Este artigo propõe um exercício de história contrafactual: como a presença de Alberta poderia ter alterado os rumos do New Deal e, por consequência, do constitucionalismo americano?

A tradição do crédito social de Alberta

O engenheiro escocês C.H. Douglas formulou a teoria do crédito social nos anos 1920, defendendo que o sistema financeiro criava um “gap” entre preços e salários, tornando impossível que a produção fosse consumida em sua totalidade. Sua solução era a emissão de crédito nacional e a distribuição de dividendos sociais à população, garantindo poder de compra suficiente para sustentar a demanda.

Em Alberta, o movimento ganhou força na década de 1930, durante a própria Depressão. O governo de William Aberhart chegou a tentar aplicar medidas de crédito social, embora com forte resistência do governo federal canadense e do sistema bancário.

Se Alberta fosse parte dos EUA nesse período, essa tradição teria se deslocado para o Congresso americano, justamente quando o país buscava soluções radicais para a crise.

O New Deal e a ausência de uma renda nacional

O New Deal foi revolucionário ao criar programas de emprego, seguridade social e instituições regulatórias. No entanto, manteve intacta a estrutura do sistema bancário e não chegou a implementar uma política de dividendos universais. A resposta foi essencialmente keynesiana: gastar mais via obras públicas para estimular a demanda.

A entrada de Alberta como estado, porém, teria levado para o debate federal a lógica de que não bastava criar empregos: era preciso redistribuir poder de compra diretamente. Isso teria oferecido um contraponto ao keynesianismo pragmático de Roosevelt, evocando a herança americana de Thomas Paine, que no século XVIII já defendia dividendos sociais a partir da propriedade comum da terra.

Contrafactual: Alberta e o New Deal distributivo

Se Alberta tivesse representantes no Congresso nos anos 1930, é plausível imaginar os seguintes desdobramentos:

  1. Propostas legislativas de dividendos sociais: deputados e senadores albertanos poderiam ter defendido a criação de um dividendo nacional, financiado pela emissão de crédito ou pela exploração de recursos naturais, em paralelo ao modelo do Alaska criado meio século depois.

  2. Reforma do Federal Reserve: a pressão política de Alberta questionaria o monopólio do FED na emissão de moeda, fortalecendo a posição do Tesouro como emissor direto de crédito social.

  3. Constitucionalização do direito à renda: o diálogo entre Paine, Douglas e Roosevelt poderia ter produzido uma “Segunda Declaração de Direitos Econômicos” mais robusta, incorporando o direito ao dividendo social como parte do Estado Social americano.

  4. Um welfare state americano original: em vez de seguir o modelo europeu de seguridade social pós-guerra, os EUA poderiam ter consolidado um Estado Social distributivo baseado em dividendos universais, antecipando em décadas os debates atuais sobre renda básica universal.

Repercussões de longo prazo

Se esse contrafactual tivesse se materializado, os efeitos poderiam ter sido significativos:

  • Redução estrutural da desigualdade nos EUA já no século XX.

  • Legitimidade popular do sistema federal, pois a renda universal reforçaria o contrato social entre Estado e cidadão.

  • Mudança na Guerra Fria: os EUA poderiam ter respondido ao desafio soviético não apenas com crescimento econômico, mas também com uma política social distributiva própria, enfraquecendo as críticas sobre desigualdade capitalista.

Conclusão

A história contrafactual nos permite pensar o que poderia ter sido. Se Alberta tivesse sido incorporada como o 51º estado nos anos 1930, sua tradição de crédito social teria se somado ao pragmatismo do New Deal. O resultado plausível seria uma reforma mais radical do federalismo fiscal americano, com a institucionalização de dividendos sociais como política nacional.

Assim, a depressão de 1929, em vez de inaugurar apenas a era keynesiana, poderia ter marcado o início de uma tradição americana de renda básica universal, conciliando a visão de Thomas Paine, C.H. Douglas e Roosevelt sob o manto da Constituição dos Estados Unidos.

📚 Bibliografia Comentada

  • Douglas, C.H. Economic Democracy. Londres: Cecil Palmer, 1920.
    Obra fundadora do crédito social, onde Douglas expõe a ideia do “gap” entre preços e salários.

  • Finkel, Alvin. The Social Credit Phenomenon in Alberta. Toronto: University of Toronto Press, 1989.
    Estudo clássico sobre como o crédito social moldou a política de Alberta nos anos 1930 e 1940.

  • Paine, Thomas. Agrarian Justice. Londres, 1797.
    Panfleto em que Paine defende dividendos sociais financiados pela propriedade comum da terra, antecipando ideias modernas de renda básica.

  • Roosevelt, Franklin D. The Public Papers and Addresses of Franklin D. Roosevelt. Nova York: Random House, 1938.
    Coletânea essencial para compreender o New Deal e a “Segunda Declaração de Direitos”.

  • Kennedy, David M. Freedom from Fear: The American People in Depression and War, 1929–1945. Nova York: Oxford University Press, 1999.
    Panorama fundamental do impacto da Grande Depressão e do New Deal.

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