Resumo
O presente ensaio discute a dignidade espiritual do trabalho agrícola e do papel civilizatório do colono, tomando como ponto de partida a etimologia da palavra “Polônia” (Polska, do polonês pole, “campo”) e os sentidos clássicos da palavra "colônia" conforme Rafael Bluteau. Mostra-se que, tanto na tradição portuguesa quanto na polonesa, o cultivo da terra e a fundação de povoações não são apenas atos econômicos, mas expressões de uma vocação espiritual: a de servir a Cristo através do trabalho, povoando e ordenando o mundo segundo a vontade divina. O termo “colono”, especialmente no contexto da imigração polonesa em Curitiba, revela-se, portanto, não como uma ofensa, mas como uma honra que traduz a missão civilizatória e espiritual desse povo.
Palavras-chave: Colônia. Polônia. Doutrina Social da Igreja. Trabalho. Santificação.
1. Introdução
A vocação civilizatória do homem consiste, desde o Gênesis, em cultivar e guardar o jardim (Gn 2,15). Essa missão se concretiza no trabalho, na ordenação da matéria e na construção de sociedades justas e voltadas para o bem comum. Quando observamos o significado etimológico da palavra Polônia (do polonês pole, “campo”), percebemos que essa nação se define, desde sua origem, pela ligação intrínseca entre território, trabalho agrícola e identidade espiritual.
Ao cruzar essa reflexão com a tradição portuguesa, em especial a definição de colônia no Vocabulário Português e Latino de Rafael Bluteau (1712), vê-se que o maior feito de uma empresa colonial não era a simples extração de riquezas, mas o estabelecimento de povoações, sesmarias e missões, onde os homens pudessem se santificar pelo trabalho.
Este ensaio pretende mostrar como, sob essa ótica, chamar um polonês de colono em Curitiba ou em qualquer outro lugar não é uma ofensa, mas um reconhecimento da nobreza espiritual de quem transforma terras incultas em espaços de vida, trabalho e santificação.
2. O Significado de "Colônia" na Tradição Portuguesa
No Vocabulário Português e Latino, Rafael Bluteau (1712) define colônia como:
“Estabelecimento de povoações, lavouras e fazendas, debaixo de certa jurisdição e governo, onde se pretende não só tirar fruto da terra, mas também fazer com que nela se propague a civilização, a fé e o bem comum.” (BLUTEAU, 1712, p. 195).
Essa definição reflete claramente a missão portuguesa nos tempos modernos: povoar terras distantes com o duplo objetivo de servir a Cristo e de criar condições materiais para a vida cristã florescer. A verdadeira empresa colonial bem-sucedida não se media apenas pela riqueza, mas pela capacidade de criar uma ordem social estável, justa e santificante, onde o trabalho organizado permitisse que os homens vivessem segundo os mandamentos de Deus.
3. A Etimologia de "Polônia" e sua Vocação Espiritual
A palavra Polska, nome da Polônia em polonês, deriva de pole, que significa literalmente “campo” (BORYŚ, 2005, p. 445). Portanto, Polska designa a “terra dos campos” ou “terra dos que vivem no campo”.
Essa etimologia não é meramente descritiva, mas carrega um profundo sentido espiritual e civilizatório. A história da Polônia, marcada por uma cultura rural robusta, reflete a vocação de um povo que se santifica através do trabalho agrícola, da vida familiar, da manutenção da tradição e da fidelidade à fé cristã, mesmo em meio às adversidades históricas, como invasões, partições e guerras.
O camponês polonês — rolnik — não é apenas um trabalhador da terra, mas um colaborador da obra da Criação, alguém que exerce o mandato divino de cultivar, proteger e ordenar o mundo.
4. O trabalho como caminho de santificação
Desde o Gênesis, o trabalho é parte do plano de Deus para o homem: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem, e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e guardar” (Gn 2,15). A doutrina social da Igreja reforça essa verdade ao longo dos séculos.
Leão XIII, na Rerum Novarum (1891), ensinou que:
“O trabalho não é vergonha para o homem, mas sua glória; antes, é um meio de santificar-se.” (LEÃO XIII, 1891, n. 24).
São João Paulo II, profundamente enraizado na espiritualidade camponesa polonesa, reafirma na Laborem Exercens (1981):
“Pelo trabalho, o homem não só transforma a natureza, adaptando-a às suas necessidades, mas também se realiza como homem e, em certo sentido, se torna mais homem.” (JOÃO PAULO II, 1981, n. 4).
Mas foi São Josemaría Escrivá quem, no século XX, deu uma formulação explícita e universal a essa doutrina, mostrando que qualquer trabalho honesto, não importa quão humilde, é meio de santificação e de construção da civilização cristã:
“Santificar o trabalho, santificar-se no trabalho, santificar os outros com o trabalho.” (ESCRIVÁ, 2005, p. 51).
Para Escrivá, a santificação não está reservada aos mosteiros ou às obras diretamente religiosas. O camponês, o artesão, o professor, o operário e o colono que lavra a terra fazem, quando trabalham por amor a Deus e segundo a justiça, um verdadeiro ato de culto a Deus.
“O trabalho — qualquer trabalho — se converte em oração, em caminho de santidade, se for feito por amor e com perfeição humana e sobrenatural.” (ESCRIVÁ, 2005, p. 115).
Essa perspectiva se encaixa perfeitamente tanto na espiritualidade dos colonos portugueses quanto na dos poloneses. O colono é aquele que santifica a terra, ordenando-a, cultivando-a e oferecendo-a a Deus como fruto do trabalho humano unido à graça divina.
5. A Imigração Polonesa em Curitiba: ser colono enquanto honra
A chegada dos poloneses ao Brasil, especialmente ao Paraná, no século XIX, reproduz esse mesmo espírito. Como observa Meira (1994):
“Os poloneses trouxeram consigo não apenas suas técnicas agrícolas, mas sobretudo uma visão de mundo onde o trabalho da terra era inseparável da vida religiosa e comunitária.” (MEIRA, 1994, p. 88).
Assim, chamar um polonês de colono em Curitiba não é reduzi-lo a uma condição inferior, mas reconhecer sua dignidade como aquele que, no exílio, continuou cumprindo o mandato divino de povoar, cultivar e santificar a terra.
Trata-se, portanto, de um título de honra, que remete tanto à missão civilizatória portuguesa quanto à espiritualidade polonesa, ambas enraizadas na tradição cristã.
6. Conclusão
O termo colono, longe de ser uma ofensa, carrega um título de nobreza espiritual. Ele exprime a dignidade de quem participa do mandato divino de povoar, cultivar e ordenar o mundo segundo a vontade de Deus.
Da tradição portuguesa, com seu entendimento de colônia como missão civilizatória e espiritual, até a etimologia da própria palavra Polônia, que evoca o campo como espaço de vida e trabalho, passando pela doutrina social da Igreja e pelos ensinamentos de São Josemaría Escrivá, tudo converge para uma verdade central: o trabalho, qualquer trabalho honesto, é caminho de santificação e de construção da ordem cristã no mundo.
Portanto, ao chamar um polonês de colono em Curitiba, se diz, de modo implícito: “Tu és alguém que, como teu povo sempre fez, honra a Deus cultivando a terra, construindo famílias, formando comunidades, sustentando a civilização.”
É a elevação do ordinário ao extraordinário. É a santidade que brota da terra, do suor e do amor.
Referências Bibliográficas
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BLUTEAU, Rafael. Vocabulário Português e Latino. Lisboa: Oficina de Pascoal da Silva, 1712. v. 2.
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BORYŚ, Wiesław. Słownik etymologiczny języka polskiego. Kraków: Wydawnictwo Literackie, 2005.
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ESCRIVÁ, Josemaría. Caminho. 25. ed. São Paulo: Quadrante, 2005.
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JOÃO PAULO II. Laborem Exercens. Carta Encíclica sobre o trabalho humano. Vaticano, 14 de setembro de 1981. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091981_laborem-exercens.html. Acesso em: 3 jun. 2025.
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LEÃO XIII. Rerum Novarum. Carta Encíclica sobre a condição dos operários. Vaticano, 15 de maio de 1891. Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html. Acesso em: 3 jun. 2025.
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MEIRA, Luciano. Imigração Polonesa no Paraná: Trabalho, Fé e Cultura. Curitiba: Editora UFPR, 1994.