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terça-feira, 7 de outubro de 2025

O Copyright e o Domínio Público: da propriedade privada ao bem comum em Cristo

 A questão do copyright não pode ser compreendida apenas sob o prisma da propriedade privada ou do interesse econômico do autor. Trata-se, antes, de um instituto jurídico que nasce de uma tensão intrínseca entre o direito individual e o bem comum. No fundo, o copyright é um direito de cópia, de caráter instrumental, que se conecta a direitos mais elevados e de natureza pública, como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

Esses direitos, por sua vez, são perpétuos e naturais, pois dizem respeito à própria comunicação da verdade entre os homens. A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa não se ordenam ao capricho individual, mas à difusão do verdadeiro e do bem, que servem à Cristandade e, portanto, ao bem comum. São liberdades que têm origem no desígnio divino — pois o Verbo, que é Cristo, é a Palavra que se comunica e dá vida. Nesse sentido, toda expressão autêntica é, de algum modo, participação na Palavra divina, e todo conhecimento verdadeiro é reflexo da Verdade eterna.

Por isso, o direito autoral é, em sua essência, acessório e transitório. O privilégio concedido ao autor sobre sua obra é uma forma legítima de proteção e reconhecimento de seu trabalho, mas não constitui um fim em si mesmo. É um privilégio temporário, análogo ao que se dá com as invenções e descobertas no campo da ciência e da técnica: serve para recompensar o esforço e estimular a criatividade humana, mas deve, com o tempo, ceder lugar à universalização do conhecimento.

Quando o prazo de proteção se extingue, o interesse privado adere naturalmente ao interesse público, e a obra entra em domínio público. Este é o momento em que o fruto do engenho humano retorna à comunidade, tornando-se parte do patrimônio espiritual da sociedade. O bem comum se enriquece com o labor de gerações passadas, e o país, enquanto corpo moral, se edifica como um lar em Cristo, por Cristo e para Cristo — pois tudo o que é verdadeiro, belo e bom converge para Ele.

Assim, o copyright, quando corretamente compreendido, não é um instrumento de dominação ou exclusividade, mas um meio de ordenação justa dos bens intelectuais. Seu fim último é o serviço à verdade e à liberdade — e não o lucro isolado. A obra humana, tal como o trabalho manual, deve ser vista à luz da doutrina do bem comum: o homem trabalha, cria e se expressa para cooperar com a criação divina, não para se fechar sobre si mesmo.

Portanto, a passagem do direito privado ao domínio público representa mais do que um processo jurídico: é um ato simbólico de restituição. O que nasceu de um dom individual retorna ao todo, elevando-se ao plano da comunhão universal dos bens espirituais. É nessa restituição que a economia do espírito se cumpre — pois, em última instância, nada é verdadeiramente nosso, senão o que oferecemos a Deus e à comunidade dos homens.

Fundamentação Doutrinária e Filosófica

1. Santo Tomás de Aquino
Na Suma Teológica (II-II, q. 66, a. 2), Santo Tomás ensina que a propriedade privada tem fundamento no direito natural enquanto meio de administração, não de exclusividade. O homem tem o direito de possuir bens, mas o uso deles deve sempre se ordenar ao bem comum. Daí se conclui que o direito autoral, como forma de posse intelectual, é lícito enquanto meio de governar e distribuir um bem, mas não enquanto instrumento de apropriação perpétua.

2. Papa Leão XIII – Rerum Novarum
Na encíclica Rerum Novarum (1891), Leão XIII estabelece que o trabalho humano, material ou intelectual, é uma participação na obra criadora de Deus. O capital, entendido como o acúmulo do trabalho ao longo do tempo, deve servir à elevação moral e espiritual da sociedade. Assim, o capital intelectual — que inclui as obras de arte, literatura e ciência — é legítimo enquanto fruto do trabalho, mas deve, a seu tempo, retornar à comunidade, enriquecendo a cultura e a fé dos povos.

3. Papa Pio XI – Quadragesimo Anno
Pio XI reforça, em Quadragesimo Anno (1931), a necessidade de uma justa ordenação dos bens e das atividades econômicas ao bem comum. O direito de propriedade deve sempre se submeter à lei moral e à caridade cristã. Aplicado ao domínio da propriedade intelectual, isso significa que a exploração exclusiva de uma obra deve ter limites temporais e finalidades justas, sob pena de se tornar usura espiritual.

4. Josiah Royce – A Filosofia da Lealdade
Royce argumenta que a verdadeira lealdade consiste em dedicar-se a causas que transcendem o interesse próprio. Aplicando-se essa ideia ao campo intelectual, a criação humana atinge sua plenitude quando se torna bem comum — quando a obra deixa de ser apenas do autor e passa a ser da humanidade, servindo à verdade e à justiça.

5. Tradição Católica e o Milagre de Ourique
O Milagre de Ourique, como símbolo da missão espiritual de Portugal e, por extensão, das nações que herdam sua vocação, recorda que toda autoridade e todo dom são concedidos para servir. Assim, a missão cultural e intelectual dos povos cristãos é transformar o conhecimento em comunhão, e a ciência em caridade — servindo a Cristo nas almas e nas letras.

Conclusão

O copyright, quando interpretado sob a luz da lei natural e da doutrina cristã, revela-se um meio, e não um fim. Ele assegura um tempo legítimo de proteção à obra do autor, mas sua finalidade última é que esse bem retorne ao todo social, enriquecendo o patrimônio espiritual e cultural da humanidade. A passagem ao domínio público não é perda, mas plenitude — o cumprimento da justiça distributiva e da caridade intelectual.

Assim, o verdadeiro destino das obras humanas é o mesmo de toda criação: servir a Deus e aos homens. E toda nação que compreender isso tomará a si mesma como um lar em Cristo, por Cristo e para Cristo — pois somente n’Ele o bem privado encontra o seu repouso no bem comum.

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