Pesquisar este blog

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

A técnica como expressão civilizacional: um diálogo entre as obras Meditación sobre la técnica (José Ortega y Gasset) e Un Imperio de Ingenieros (Felipe Fernández-Armesto e Manuel Lucena Girialdo)

Resumo

Este artigo busca estabelecer um diálogo crítico entre Meditação da Técnica (1933), de José Ortega y Gasset, e Un Imperio de Ingenieros (2022), de Felipe Fernández-Armesto e Manuel Lucena Giraldo. Ambas as obras, embora distintas em escopo e método, convergem na compreensão da técnica como expressão cultural e não como mero instrumento. Enquanto Ortega propõe uma reinterpretação filosófica da técnica como projeção do projeto vital humano, os autores de Un Imperio de Ingenieros exploram o papel dos engenheiros na construção do império espanhol como missão civilizadora e católica. A análise conjunta revela a singularidade da tradição hispânica ao lidar com a técnica: longe de reduzi-la ao utilitarismo moderno, ela é vista como veículo de valores espirituais, culturais e políticos.

Palavras-chave: técnica; império; cultura hispânica; Ortega y Gasset; engenharia; civilização.

1. Introdução

A técnica, desde o século XIX, passou a ser pensada sobretudo sob o prisma do progresso material e da eficiência. Contudo, filósofos e historiadores vinculados à tradição hispânica propõem uma abordagem mais profunda, que reconhece na técnica um elemento central da cultura e da espiritualidade. Nesse contexto, o presente artigo propõe um diálogo entre José Ortega y Gasset e os autores de Un Imperio de Ingenieros, argumentando que ambos oferecem visões complementares da técnica como expressão de um destino civilizacional.

2. Ortega y Gasset: A técnica como projeção do projeto vital

No ensaio Meditação da Técnica, Ortega y Gasset rejeita a concepção materialista que reduz a técnica à mera ferramenta de adaptação ao meio. Para ele, a técnica nasce da liberdade do ser humano de não se conformar com o dado:

“A técnica é o esforço para fazer possível o impossível” (ORTEGA Y GASSET, 2014, p. 33).

Dessa forma, a técnica é uma criação histórica, que reflete o modo como o homem escolhe viver. Ortega denuncia o perigo da técnica moderna, que se autonomiza da vida e do pensamento, tornando-se um sistema autossuficiente que ameaça dominar o homem.

3. Un Imperio de Ingenieros: a engenharia como forma de governo e missão

Na obra Un Imperio de Ingenieros, Fernández-Armesto e Lucena Giraldo traçam o perfil de uma elite de engenheiros ao serviço do Império Espanhol entre os séculos XVI e XVIII. Esses profissionais eram mais do que técnicos: eram cartógrafos, arquitetos, juristas, religiosos e artistas. A técnica, nesse contexto, era:

“um saber totalizante que integrava ciência, fé, administração e cultura” (FERNÁNDEZ-ARMESTO; LUCENA GIRALDO, 2022, p. 57).

O engenheiro do império não apenas edificava fortificações e cidades, mas também fundava uma ordem cristã no território. A técnica se convertia, assim, em instrumento de governo e missão espiritual.

4. Convergências: Técnica como cultura

Ortega e os autores de Un Imperio de Ingenieros partem da mesma premissa: a técnica não é neutra. Em ambos os casos, ela é uma forma de cultura, ou seja, uma forma de ordenar o mundo conforme um sentido. A técnica hispânica não se confunde com o maquinismo anglo-saxão. Ela nasce de um horizonte teleológico e transcendente — no qual a ação técnica se insere dentro de uma ordem maior, seja ela filosófica (Ortega) ou imperial-cristã (Fernández-Armesto e Lucena Giraldo).

5. Tensões: O indivíduo e o império

A principal tensão entre os autores está na ênfase: Ortega escreve a partir do drama do indivíduo moderno, angustiado diante da hipertrofia da técnica; os historiadores espanhóis, por outro lado, celebram o engenheiro como figura orgânica da ordem imperial. Ortega teme que o tecnicismo destrua o projeto vital; os autores de Un Imperio de Ingenieros mostram uma técnica integrada a um projeto coletivo — o do Império Católico.

6. A tradição hispânica e a redenção da técnica

Em tempos em que a técnica se autonomiza da ética, ambas as obras oferecem lições. Ortega propõe uma reorientação filosófica da técnica a partir da vida humana concreta. Já Fernández-Armesto e Lucena Giraldo demonstram como uma tradição espiritual e política conseguiu integrar técnica e transcendência. A técnica, para ambos, deve ser recolocada a serviço de um fim humano superior — e não meramente produtivista.

7. Considerações finais

O diálogo entre Ortega y Gasset e os autores de Un Imperio de Ingenieros revela uma visão alternativa ao paradigma tecnocrático dominante. Ao compreender a técnica como expressão de um destino histórico e espiritual, essas obras resgatam a possibilidade de uma cultura técnica enraizada na verdade, na justiça e na missão. Trata-se de uma contribuição valiosa da tradição hispânica para o pensamento contemporâneo.

Referências

FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe; LUCENA GIRALDO, Manuel. Un Imperio de Ingenieros: Una historia del saber al servicio del poder. Madrid: Taurus, 2022.

ORTEGA Y GASSET, José. Meditação da Técnica e outros ensaios. Tradução de Helena Silveira. São Paulo: Editora Globo, 2014.

Diálogo imaginário entre Felipe Fernández-Armesto e Manuel Lucena Giraldo

 [Local: Sala de conferências da Real Academia de la Historia, Madri. Público acadêmico presente. Após a palestra, os dois autores conversam sentados frente a frente, com copos de água à mão.]

FELIPE FERNÁNDEZ-ARMESTO:
Manuel, você percebe como os engenheiros da Monarquia Hispânica ilustram quase à perfeição a minha tese de que civilização é uma forma de imposição cultural sobre a natureza? Em Civilization, argumentei que a civilização é menos um estado de ser e mais um ato contínuo de transformação — uma ambição humana de moldar o mundo. Os engenheiros do Império faziam exatamente isso: domavam rios, erguiam fortalezas, redesenhavam paisagens.

MANUEL LUCENA GIRALDO:
Concordo, Felipe. Mas veja: em Un Imperio de Ingenieros, procuramos mostrar que essa transformação não é apenas ambição, mas também cálculo, formação, método. A engenharia imperial é, antes de tudo, uma escola de racionalidade técnica posta a serviço do poder político e espiritual da Monarquia Católica. Os engenheiros eram soldados da fé e da ciência. Não se tratava apenas de transformar a natureza, mas de ordená-la segundo um plano providencial — talvez até espiritual.

FERNÁNDEZ-ARMESTO:
Justamente! E é aí que nossas obras se encontram. Quando escrevi que civilização é “a tentativa humana de fazer do mundo um lugar mais confortável e inteligível para nós mesmos”, não excluí o papel das instituições — apenas as vi como expressões culturais. Os engenheiros espanhóis, com sua formação rigorosa em matemática, desenho e cosmografia, encarnam essa vontade civilizatória com sotaque ibérico.

LUCENA GIRALDO:
E com sotaque cristão, Felipe. Porque não podemos esquecer que muitos desses engenheiros viam sua missão como continuação do mandato espiritual de Ourique: servir a Cristo em terras distantes. A engenharia não era apenas ciência aplicada, mas também evangelização materializada. Ao construir pontes, fortes, aquedutos, eles levavam consigo o símbolo de uma ordem católica universal. A técnica a serviço da transcendência.

FERNÁNDEZ-ARMESTO (sorrindo):
Uma bela maneira de dizer que a civilização hispânica era uma civilização da fidelidade. O Ocidente moderno esqueceu isso — e com isso, perdeu o sentido de finalidade. Em vez de transformar a natureza para glorificar o Criador, passamos a subjugá-la para engrandecer o ego. E aqui está o contraste com os engenheiros que você tão bem descreve.

LUCENA GIRALDO:
É o que tento sempre lembrar aos meus alunos: o engenheiro imperial não era um tecnocrata moderno, mas um homem universal — militar, cartógrafo, matemático, teólogo prático. A fronteira entre cultura e técnica, entre ciência e missão, era porosa. Essa é a lição maior: o império não foi apenas uma estrutura política, mas uma pedagogia histórica.

FERNÁNDEZ-ARMESTO:
Pedagogia, sim — e também drama. Porque toda civilização carrega o germe de sua autocrítica. A civilização hispânica transformou continentes, mas também colheu resistências. Talvez a maior lição seja esta: que nenhuma civilização se sustenta apenas pela técnica, se não houver imaginação moral e fidelidade a algo maior que si mesma.

LUCENA GIRALDO:
Então, Felipe, talvez devamos escrever juntos um novo livro. Que tal: Un Imperio de Civilizadores?

FERNÁNDEZ-ARMESTO (rindo):
Ou Civilización y Cruz. Vamos conversar com o editor… 

Civilização da Santa Cruz: a técnica como missão no Império Católico

 

“Los imperios se levantan sobre mapas, se sostienen con palabras, pero se perpetúan con obras.”
— Manuel Lucena Giraldo

“Civilização é a arte de impor um propósito moral ao caos da natureza.”
— Felipe Fernández-Armesto

I. A ambição civilizatória e sua vontade de forma

A história da civilização é a história da forma imposta à matéria. Esta afirmação — aparentemente simples — carrega o peso de séculos de ambição humana, espiritualidade e conflito. Quando estudamos a expansão ibérica dos séculos XVI e XVII, não podemos vê-la apenas como um movimento político, econômico ou militar. Ela foi, acima de tudo, um projeto civilizatório integral, cuja força estava no cruzamento entre cultura, fé e técnica.

Felipe Fernández-Armesto já havia demonstrado, em Civilization: Culture, Ambition and the Transformation of Nature (2000), que a marca fundamental das civilizações é o esforço humano para moldar o ambiente, transcendendo seus limites naturais. É nesse sentido que o autor propõe uma definição de civilização como “controle ambiental” — não no sentido destrutivo da modernidade industrial, mas como vocação de ordenação e significação.

É precisamente nesse espírito que se inserem os engenheiros da Monarquia Hispânica.

II. O engenheiro como missionário técnico

Em Un Imperio de Ingenieros (2023), Manuel Lucena Giraldo, ao lado de Fernández-Armesto, dá voz a uma figura muitas vezes esquecida nas narrativas tradicionais do império: o engenheiro. Mas não qualquer engenheiro. Estamos falando de homens como Cristóbal de Rojas, Juan de Herrera, Pedro de Esquivel e tantos outros que, com régua, compasso e tratados técnicos, moldaram a paisagem do mundo hispânico nos quatro cantos do globo.

Mais do que construtores, eles eram intelectuais militares e artífices de um plano providencial. O Real Corpo de Engenheiros, criado formalmente em 1711, era herdeiro de uma tradição iniciada nos séculos anteriores, sob o comando de mestres formados em matemática, fortificação, hidrologia, náutica e cosmografia. Suas obras — fortalezas, pontes, cidades inteiras como Manila ou Cartagena de Indias — não apenas asseguravam o controle territorial, mas ensinavam uma lógica cristã de organização social e espacial.

O engenheiro não apenas subjugava a natureza. Ele catequizava o espaço.

III. O espírito de Ourique em terras distantes

Esse ethos civilizatório tem raízes profundas. Como recorda Fernández-Armesto, o imaginário da missão ibérica remonta à própria fundação de Portugal, no Milagre de Ourique (1139), onde o rei Afonso Henriques teria recebido a visão de Cristo que o legitimaria como defensor da fé e da ordem cristã. Esta visão da história como cumprimento de uma missão divina está presente, séculos depois, nos projetos de colonização e engenharia na América, na África e na Ásia.

A frase “servir a Cristo em terras distantes” não era mera retórica. Era vontade operante, traduzida em plantas urbanas, cálculos de declividade, canais, bastiões e escadarias. O engenheiro não era apenas um tecnocrata: ele era um servo da Cruz com instrumentos geométricos.

IV. Técnica e Redenção: A cristandade como forma

Enquanto o mundo moderno se afasta cada vez mais da ideia de uma técnica orientada por fins morais, a experiência do Império Católico nos oferece uma alternativa: a técnica como parte de um processo de redenção. O engenheiro imperial não era neutro. Sua neutralidade seria uma traição. Como argumentamos neste capítulo, as obras públicas da Monarquia Hispânica não eram apenas funcionalmente eficientes: elas eram belas, proporcionais, simbólicas.

Essa convergência entre forma técnica e forma espiritual pode ser vista nos traçados das cidades coloniais, organizadas segundo o modelo da “plaza mayor” (praça central), como expressão do centro cósmico e social, onde a Igreja e o poder civil se encontram.

Essa estética não era apenas urbanística, mas teológica.

V. Epílogo: por uma engenharia da civilização

O mundo atual parece fascinado com a técnica desligada do espírito, com a inovação sem fidelidade. Em nome do progresso, constrói-se o que é funcional, mas não o que é justo. Desenha-se o que é eficiente, mas não o que é belo. Planeja-se o que é lucrativo, mas não o que é verdadeiro.

Recuperar o exemplo dos engenheiros da Cristandade ibérica é um convite à integração entre cultura, fé e ciência. Não se trata de um retorno ao passado, mas de uma retomada de propósito: entender que nenhuma civilização perdura sem um eixo moral. E que a Cruz não se opõe ao cálculo, mas o orienta.

Referências:

FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Civilization: Culture, Ambition and the Transformation of Nature. London: Pan Macmillan, 2000.

FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe; LUCENA GIRALDO, Manuel. Un Imperio de Ingenieros: una historia del saber al servicio de la Monarquía. Barcelona: Taurus, 2023.

ROJAS, Cristóbal de. Teórica y práctica de fortificación. Madrid: Real Imprenta, 1598.

HERRERA, Juan de. Tratado de Arquitectura. Manuscrito inédito, Biblioteca Nacional de España.

A engenharia como missão: técnica, lealdade e fronteira na formação dos impérios cristãos

Resumo

Este artigo propõe uma leitura comparativa de três obras centrais para a compreensão da relação entre técnica, lealdade e espaço na construção de impérios: Un imperio de ingenieros (Fernández-Armesto e Lucena Giraldo), The Frontier in American History (Turner) e The Philosophy of Loyalty (Royce). O objetivo é mostrar como a engenharia e o domínio técnico podem ser compreendidos não apenas como instrumentos de poder político, mas como expressões de um serviço espiritual à ordem da Cristandade, particularmente quando inseridos numa economia simbólica fundada na verdade e na missão.

1. Introdução

A modernidade técnica separou a ciência do seu princípio fundador: a servitude ao verdadeiro Deus. No entanto, ao analisar o papel dos engenheiros na formação do Império Hispânico, Felipe Fernández-Armesto e Manuel Lucena Giraldo oferecem uma chave de leitura alternativa à narrativa iluminista: o engenheiro como servo de uma missão imperial teológica. Esta perspectiva se amplia ao ser confrontada com a noção de fronteira em Turner e com o conceito de lealdade em Royce.

2. Un imperio de ingenieros: técnica como extensão do espírito

Fernández-Armesto e Lucena Giraldo (2018) demonstram que o engenheiro não era meramente um técnico, mas um agente civilizador da Monarquia Católica. Ele integrava saberes práticos (cartografia, fortificação, hidráulica) com a ordem política e espiritual, atuando como soldado-letrado, cuja autoridade provinha tanto do domínio técnico quanto da fidelidade à missão régia-cristã.

"Los ingenieros eran también portadores de orden moral y político, ejecutores de una visión católica del mundo." (Fernández-Armesto; Lucena Giraldo, 2018, p. 42)

Essa abordagem ecoa a tradição medieval que não via antagonismo entre fé e razão, mas uma hierarquia: a técnica é boa quando está a serviço da verdade.

3. Turner e a fronteira como mito fundacional

Em The Frontier in American History, Frederick Jackson Turner (1920) propõe que a experiência americana de expansão para o Oeste moldou o caráter democrático e individualista dos EUA. A fronteira, para Turner, não é apenas um limite geográfico, mas um espaço simbólico de renovação social e política.

Contudo, o que falta à tese de Turner é um critério transcendente: sua fronteira é marcada por um ethos protestante e secularizado, fundado no autonomismo espiritual do indivíduo, em contraste com a missão unificadora da Cristandade.

A comparação revela um contraste essencial: enquanto a fronteira hispânica buscava implantar uma ordem católica integrada, a americana multiplicava espaços de disputa e dissolução simbólica, mesmo quando pretendia fundar uma república virtuosa.

4. Royce: lealdade como fundamento da comunidade

Josiah Royce, em The Philosophy of Loyalty (1908), oferece o conceito-chave que une os dois modelos: lealdade como vocação. Para Royce, ser leal é consagrar-se a uma causa mais alta do que o ego, assumindo-a com constância e consciência.

“Loyalty is the willing and practical and thoroughgoing devotion of a person to a cause.” (Royce, 1908, p. 16)

Ora, o engenheiro imperial espanhol é leal à Monarquia Católica como ordem temporal legitimada por uma causa eterna; o pioneiro americano, na leitura de Royce, pode ser leal a uma ideia de liberdade, mas esta frequentemente degenera em mera autonomia, sem transcendência.

Royce serve como ponte crítica: sua filosofia permite avaliar quais lealdades constroem comunidades duráveis e quais apenas as fragmentam.

5. Técnica, lealdade e serviço: o engenheiro como arquétipo católico

Ao confrontar as três obras, emerge uma figura ideal: o engenheiro-cristão como símbolo da santificação pelo trabalho, fiel a uma missão que integra saber técnico, fidelidade política e serviço espiritual. Ele se distingue tanto do “pioneiro liberal” quanto do “tecnocrata moderno”.

Essa síntese remete à ideia patrística de que a criação é um cosmos ordenado, e a técnica deve espelhar essa ordem. A fronteira, então, deixa de ser lugar de evasão para se tornar lugar de missão, e a lealdade, em vez de laço subjetivo, assume seu papel de aliança objetiva com o todo de Deus.

6. A União Ibérica e o espírito de Ourique na formação do engenheiro imperial

Entre 1580 e 1640, Portugal e seus domínios estiveram sob domínio da Monarquia Hispânica. Nesse período, conhecido como União Ibérica, houve não apenas uma fusão política, mas também uma convergência simbólica e espiritual entre o ideal missionário português e a racionalidade técnica espanhola.

Desde a Batalha de Ourique (1139), a fundação da nacionalidade portuguesa esteve marcada por uma teofania: Cristo teria aparecido a Dom Afonso Henriques, confiando-lhe a missão de instaurar um reino a serviço de Deus. Essa visão estabeleceu Portugal como instrumento divino de expansão da fé — ideia que orientou seus feitos marítimos e coloniais.

Durante a União Ibérica, esse espírito não foi anulado, mas assimilado: os engenheiros da Monarquia Hispânica, muitos deles portugueses ou formados em território lusitano, herdaram essa vocação cristocêntrica e guerreira, tornando-se protagonistas da construção da ordem católica ultramarina.

“Os engenheiros ibéricos eram, mais que funcionários, instrumentos conscientes da ordenação divina do mundo.” (FERNÁNDEZ-ARMESTO; LUCENA GIRALDO, 2018, p. 51)

7. A Companhia de Jesus como modelo de engenharia espiritual e técnica

Não se pode entender a fusão entre técnica e missão sem considerar o papel da Companhia de Jesus, fundada em 1540. Os jesuítas atuaram como engenheiros espirituais, mas também como educadores, arquitetos, cartógrafos e cientistas.

No Brasil, nomes como Manuel da Nóbrega e José de Anchieta uniam ação missionária com ação civilizadora e urbanística. Nos colégios jesuítas, ensinava-se latim, retórica, lógica, mas também matemática e cosmografia — ou seja, a formação de engenheiros do Reino de Deus e do rei terreno.

Segundo Frei António Vieira, o império português era o cumprimento da profecia de Isaías: um império universal da fé, não pela força bruta, mas pelo zelo dos que educam, constroem e ordenam. A técnica, nesse contexto, não é neutra: é liturgia material da fé encarnada.

8. Considerações finais

A recuperação do arquétipo do engenheiro católico como figura de lealdade e expansão da ordem espiritual propõe um antídoto ao império da técnica desvinculada da verdade. Em tempos de dissolução simbólica e exílio espiritual, o reencontro com esse modelo pode inspirar uma nova forma de entender a missão intelectual, política e moral da Cristandade no século XXI. A fronteira, como lugar de combate e obediência, volta a ser o que foi em Ourique: um altar de consagração à verdade que salva.

Referências

FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe; LUCENA GIRALDO, Manuel. Un imperio de ingenieros: Una historia del saber al servicio de la Monarquía. Barcelona: Taurus, 2018.

ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. New York: Henry Holt and Company, 1920.

VIEIRA, António. Sermões. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

NÓBREGA, Manuel da. Cartas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1931.

Karna bezpaństwowość i cywilna ekskomunika w porządku Chrześcijaństwa

Wprowadzenie

Współczesne prawo międzynarodowe, opierając się na laickiej abstrakcji godności osoby ludzkiej, oderwało się od swego prawdziwego fundamentu: porządku Stworzenia, prawa naturalnego i suwerenności Boga nad narodami. Rozwód ten zaowocował systemem prawnym, który przyznaje taką samą ochronę sprawiedliwemu i zbrodniarzowi, świętemu i wrogowi Boga, niewinności i zepsuciu. Nadszedł czas, aby przywrócić prawdziwą sprawiedliwość: taką, która rozróżnia duszę wierną od zatwardziale przewrotnej, obywatela godnego Chrześcijaństwa od zdrajcy Prawa Bożego.

W niniejszym artykule proponujemy przywrócenie instytucji karnej bezpaństwowości, rozumianej jako utrata obywatelstwa za przestępstwa o najwyższej wadze moralnej i politycznej, na wzór cywilnej ekskomuniki. Sankcja ta ma na celu ochronę ciała politycznego narodów chrześcijańskich przed skażeniem przez jednostki, które świadomie i uporczywie zrywają moralny sojusz, będący fundamentem każdej prawdziwej wspólnoty.

1. Obywatelstwo w porządku Chrześcijaństwa

W Chrześcijaństwie obywatelstwo nie jest prawem bezwarunkowym; jest raczej udziałem we wspólnocie sprawiedliwych, tych, którzy — choć niedoskonale — starają się żyć według Prawa Bożego. Obywatel jest żołnierzem dobra wspólnego, dzielącym misję moralną i duchową budowy społeczeństwa zgodnie z Królestwem Chrystusa.

Według św. Tomasza z Akwinu, dobro wspólne jest celem ostatecznym prawa ludzkiego, a to prawo jest zgodne z prawem tylko wtedy, gdy jest podporządkowane sprawiedliwości i wiecznemu prawu Bożemu (AQUINO, 2015, I-II, q. 90, a. 2). Filozof ten również utrzymuje, że prawo powinno promować cnotę i prowadzić do życia dobrego.

Tę koncepcję potwierdzają również założyciele Szkoły z Salamanki, szczególnie Francisco de Vitoria, który twierdził, że narody chrześcijańskie mają misję zachowania porządku politycznego zgodnego z prawem naturalnym i boskim¹.

2. Dwa typy bezpaństwowców: ofiary i winni

Wyróżnia się dwa typy bezpaństwowców:

a) Bezpaństwowość z powodu błędu systemu prawnego
Dotyczy jednostek, które z powodu negatywnego konfliktu obywatelstwa rodzą się bez uznanej ojczyzny. Są to ofiary niedoskonałych systemów prawnych. Konwencja z 1961 roku o redukcji bezpaństwowości uznaje ten problem i zobowiązuje państwa do zapewnienia obywatelstwa urodzonym na ich terytorium, jeśli nie posiadają innego (ONZ, 1961).

b) Bezpaństwowość jako sankcja moralna i polityczna
Odnosi się do tych, którzy przez swoje przestępcze i haniebne postępowanie dobrowolnie zrywają sojusz ze społeczeństwem chrześcijańskim. Gwałciciele, mordercy, terroryści, handlarze narkotyków, skorumpowani urzędnicy wysokiego szczebla i systematyczni łamacze praw człowieka (jak ci sankcjonowani ustawą Magnitsky) przestają być obywatelami. Są wrogami Chrześcijaństwa i jako tacy powinni zostać ogłoszeni bezpaństwowcami przez sprawiedliwą cywilną ekskomunikę².

3. Cywilna ekskomunika jako wymiar boskiej i ludzkiej sprawiedliwości

Tak jak ekskomunika kościelna oddziela heretyka od Mistycznego Ciała Chrystusa, tak ekskomunika cywilna oddziela zdrajcę od Ciała Politycznego Chrześcijaństwa. Nie jest ona zemstą, lecz sprawiedliwością. Osoba, która gardzi dobrem wspólnym, niszczy rodziny, deprawuje instytucje lub sieje terror, powinna zostać pozbawiona obywatelstwa jako widoczny znak wewnętrznego zerwania z porządkiem moralnym.

W myśli Josepha de Maistre’a, zatwardziały przestępca traci więzi ze społeczeństwem i powinien zostać wydalony, aby ciało polityczne mogło zachować swoją integralność³. Kara ta nie służy jedynie korekcie jednostki, ale oczyszczeniu wspólnoty.

4. Dług moralny jako fundament niewoli

Ci, którzy popełniają zbrodnie haniebne, takie jak handel narkotykami (handel śmiercią), gwałt, okrutne morderstwo, strukturalna korupcja i terroryzm, zrywają nie tylko z ludźmi, ale i z samym Bogiem. Ich dług nie jest jedynie karny, lecz metafizyczny.

Inspirując się Ewangelią według Mateusza (Mt 18, 23–35), widzimy, że sługa nieprzebaczający traci prawo do miłosierdzia i zostaje wydany „katom, dopóki nie spłaci całego długu”. Analogicznie — tacy ludzie nie mogą korzystać z pełni obywatelstwa, bowiem mają trwały dług wobec Boga i dobra wspólnego.

5. Odbudowa międzynarodowego porządku Chrześcijaństwa

Na poziomie międzynarodowym doktryna ta wymaga:

  • Uznania bloku narodów chrześcijańskich, zobowiązanych do przestrzegania prawa naturalnego i boskiego;

  • Stworzenia międzynarodowych rejestrów cywilnej ekskomuniki, analogicznych do list sankcyjnych ustawy Magnitsky;

  • Ogłoszenia nielegalności politycznej reżimów antychrześcijańskich, skorumpowanych lub rewolucyjnych;

  • Przywrócenia pojęcia wojny sprawiedliwej i sankcji między państwami opartych na obiektywnych winach moralnych (AQUINO, 2015, II-II, q. 40).

Zakończenie: dla honoru obywatelstwa w zasługach Chrystusa

Obywatelstwo jest darem i zaszczytem. Nie można go rozciągać na tych, którzy gardzą życiem, porządkiem i sprawiedliwością. Przywrócenie karnej bezpaństwowości i cywilnej ekskomuniki to akt miłości względem niewinnych, sprawiedliwości względem zdrajców i czci wobec Boga.

W zasługach Chrystusa wzywamy ludzi dobrej woli do odbudowy Chrześcijaństwa, nie jako imperium politycznego, lecz jako międzynarodowego porządku moralnego, w którym pokój rodzi się z prawdy, wolność poddaje się Prawu Bożemu, a obywatelstwo pieczętuje się ofiarą tego, kto miłuje sprawiedliwość.

 Przypisy

¹ VITÓRIA, Francisco de. Relecciones teológicas sobre los indios y sobre el poder civil. Tłum. Luis Alberto de Boni. Petrópolis: Vozes, 1997.
² MAGNITSKY ACT. U.S. Congress, 2012. Amerykańska ustawa federalna nakładająca sankcje na łamaczy praw człowieka i systemowych korupcjonistów. Może być reinterpretowana przez Chrześcijaństwo w kluczu moralnym i duchowym.
³ MAISTRE, Joseph de. Considerações sobre a França. São Paulo: É Realizações, 2013.

Bibliografia

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Tłum. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2015. 5 tomów.
MAISTRE, Joseph de. Considerações sobre a França. São Paulo: É Realizações, 2013.
ONZ. Konwencja o zmniejszeniu przypadków bezpaństwowości. Nowy Jork: Organizacja Narodów Zjednoczonych, 1961.
VITÓRIA, Francisco de. Relecciones teológicas sobre los indios y sobre el poder civil. Petrópolis: Vozes, 1997.
SUÁREZ, Francisco. De legibus ac Deo legislatore. Madryt: BAC, 1962.

Od niewolnictwa do Złotego Prawa: medytacja o wolności, kulturze i ekonomii w zasługach Chrystusa

Wstęp

Historia ludzkości jest w dużej mierze historią walki o wolność. Ta walka nie jest tylko socjologiczna, prawna czy polityczna — jest przede wszystkim duchowa. Droga od niewolnika do człowieka wolnego, od sługi do obywatela, od nędzarza do człowieka godnego, nie jest przebywana jedynie przez rewolucje czy dekrety, lecz przez symbole, słowa i wieczne prawdy. Wśród wielu znaków, które wyznaczają tę przemianę, znajdujemy osobliwą zbieżność między angielskim słowem slave a etnosem słowiańskim, zbieżność między brazylijskim Złotym Prawem (Lei Áurea) a polskim Złotym Prawem, a także samą nazwą polskiej waluty: złoty, co znaczy „złoty”. Te językowe mosty, które na pierwszy rzut oka wydają się etymologicznymi ciekawostkami, okazują się prawdziwymi żyłami duchowego i kulturowego złota, gdy są oświetlone zasługami Chrystusa.

I. Niewolnictwo i etymologia: historyczny ciężar imienia

Angielskie słowo slave pochodzi od łacińskiego sclavus, które oznaczało Słowian zniewolonych przez Germanów i Bizantyjczyków w średniowieczu. To nie jest przypadkowa zbieżność językowa, lecz dziedzictwo historyczne: cały lud został tak utożsamiony z losem niewolników, że jego nazwa stała się nazwą niewolnictwa jako takiego. Mamy tu do czynienia nie z przypadkową etykietą, ale z głębokim znakiem cywilizacyjnym — z narodem, którego tożsamość przez wieki była definiowana przez pozbawienie wolności.

Jednak ten sam rdzeń, który w średniowiecznym Zachodzie był używany do określenia niewolników, został z czasem odkupiony poprzez rozwój chrześcijańskich narodów słowiańskich, a szczególnie Polski, która odegrała kluczową rolę w oporze wobec nowożytnych totalitaryzmów i w obronie wartości ludzkiej godności.

II. Złote Prawo i Lei Áurea: złoto jako symbol wyzwolenia

W Brazylii zniesienie niewolnictwa zostało ogłoszone 13 maja 1888 roku przez podpisanie Lei Áurea – Złotego Prawa. Sama nazwa tego aktu, daleka od przypadkowości, przywołuje złoto — nie jako metal chciwości, lecz jako symbol szlachetności, sprawiedliwości i duchowej wartości. Złoto Złotego Prawa reprezentuje przywrócenie godności tym, którzy zostali jej pozbawieni.

Po polsku „Złote Prawo” tłumaczy się właśnie jako Złote Prawo. Słowo złote, poza znaczeniem „złoty”, jest językowo powiązane z złotym, oficjalną walutą Polski. Tej zbieżności nie można ignorować. Tak jak złoto w nazwie Złotego Prawa przywołuje wolność, tak złoty jako waluta przypomina nam o gospodarce opartej na godności człowieka — lub przynajmniej powinien.

III. Kultura jako przemiana potrzeby w wolność

Jednym z fundamentów prawdziwej kultury jest zdolność przemiany potrzeby w drogę do wolności. Jest to możliwe tylko wtedy, gdy cierpienie, brak i wysiłek zostają przemienione w miłosierną służbę. Kultura nie jest wówczas luksusem, lecz liturgią: codziennym kultem Dobra, Prawdy i Piękna — nawet w małych aktach pracy i ekonomii.

Tutaj pojawia się rola pieniędzy. Pieniądz jako narzędzie jest neutralny. Może służyć grzechowi lub łasce. Użyty dla zaspokojenia próżności lub wyzysku staje się trucizną. Ale gdy służy bliźniemu, staje się złotem odkupionym. Staje się złotym w najwyższym sensie: symbolem ceny zapłaconej przez Chrystusa za nasze dusze, i zapłaty, jaką On sam daje nam, gdy służymy innym.

IV. Ekonomia łaski: Chrystus-potrzebujący i Chrystus-książę

Chrystus uczy nas, że wszystko, co czynimy dla bliźnich — zwłaszcza dla ubogich i potrzebujących — czynimy dla Niego. „Byłem głodny, a daliście Mi jeść; byłem spragniony, a daliście Mi pić...” (Mt 25,35). Gdy dajemy coś cierpiącemu człowiekowi z miłości do Chrystusa, dajemy samemu Majestatowi Bożemu. Zapłata więc nie pochodzi jedynie ze świata, ale od Chrystusa-Księcia, który wynagradza nas hojnie duchowymi łaskami i wiecznymi zasługami.

Ekonomia zbawienia to tajemnicza transakcja, w której prawdziwa zapłata nie odbywa się w liczbach, lecz w odkupieniu. A jednak moneta może stać się drogą łaski, jeśli zostanie użyta do wyzwalania, ratowania, nauczania, budowania.

V. Zakończenie

Między slave (niewolnikiem) a złotym (złotem) istnieje droga odkupienia. Ta droga prowadzi przez krzyż, kulturę i miłosierdzie. Niewolę narzuconą przez historię można pokonać przez kulturę odkupioną. Niewolę narzuconą przez brak można przemienić przez hojność. A złoto — niegdyś symbol ucisku — staje się, dzięki Chrystusowi, znakiem wyzwolenia.

Prawdziwe Złote Prawo nie jest tylko aktem prawnym, ale wewnętrzną dyspozycją: dać drugiemu to, co wyzwoliłoby nas, gdybyśmy byli na jego miejscu. A to, uczynione w imię Chrystusa, zostanie królewsko nagrodzone przez samego Chrystusa — Króla królów, Pana panów, który sam stał się sługą wszystkich, aby wszyscy mogli być wolni.

Aforyzm końcowy

„Między slave a złotym, między niewolą a wolnością, jest Chrystus — który z miłości stał się sługą, aby zapłacić za nas nieprzemijającym złotem odkupienia.”

Da escravidão à Lei Áurea: uma meditação sobre liberdade, cultura e economia nos méritos de Cristo

Introdução

A história da humanidade é, em grande medida, a história da luta por liberdade. Essa luta não é apenas sociológica, jurídica ou política — ela é, antes de tudo, espiritual. O caminho que vai do escravo ao livre, do servo ao cidadão, do indigente ao homem digno, é trilhado não apenas por revoluções ou decretos, mas por símbolos, palavras e verdades eternas. Entre os muitos signos que articulam essa transição, encontramos a estranha afinidade entre a palavra inglesa slave e a etnia eslava, a coincidência entre a Lei Áurea do Brasil e o Złote Prawo (Lei Dourada) em polonês, e o próprio nome da moeda polonesa: złoty, que significa “dourado”. Essas pontes linguísticas, que à primeira vista parecem curiosidades etimológicas, revelam-se verdadeiros veios de ouro espiritual e cultural quando iluminadas pelos méritos de Cristo.

I. Escravidão e etimologia: o peso histórico do nome

O inglês slave vem do latim sclavus, que designava os povos eslavos escravizados pelos germânicos e bizantinos na Idade Média. Não é coincidência linguística, mas herança histórica: uma etnia foi tão associada à condição de servidão que acabou nomeando a própria escravidão. O que está em jogo aqui não é um rótulo acidental, mas uma profunda marca civilizacional — um povo cuja identidade foi, durante séculos, definida pela privação da liberdade.

No entanto, essa mesma raiz, que no Ocidente medieval foi usada para falar de escravos, é redimida ao longo da história pelo florescimento das nações eslavas cristãs, especialmente a Polônia, que viria a desempenhar papel crucial na resistência ao totalitarismo moderno e na defesa dos valores da dignidade humana.

II. A Lei Áurea e a Złote Prawo: ouro como símbolo de libertação

No Brasil, a abolição da escravidão foi sancionada em 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea. Seu nome, longe de ser casual, evoca o ouro — não o metal da cobiça, mas o símbolo da nobreza, da justiça e do valor espiritual. O ouro da Lei Áurea representa a restituição da dignidade a quem dela havia sido despojado.

Em polonês, “Lei Áurea” traduz-se por Złote Prawo. A palavra złote, além de significar “dourado”, está linguisticamente relacionada a złoty, a moeda oficial da Polônia. Essa equivalência não deve ser ignorada. Assim como o ouro no nome da Lei Áurea evoca liberdade, o złoty como moeda nos remete à economia fundada na dignidade humana — ou, ao menos, deveria. 

III. A cultura como transfiguração da necessidade em liberdade

Um dos fundamentos da verdadeira cultura é a capacidade de fazer da necessidade uma via de liberdade. Isso só é possível quando se transforma o sofrimento, a carência e o esforço em serviço amoroso. A cultura, então, não é luxo, mas liturgia: é o culto cotidiano ao Bem, ao Verdadeiro e ao Belo, mesmo nas pequenas ações do trabalho e da economia.

Aqui entra o papel do dinheiro. O dinheiro, enquanto instrumento, é neutro. Pode servir ao pecado ou à graça. Quando usado para satisfazer a vaidade ou a exploração, torna-se veneno. Mas quando usado para servir ao próximo, ele é ouro redimido. Ele é złoty no sentido mais alto: símbolo do preço pago por Cristo por nossas almas, e do pagamento que Ele mesmo nos faz quando ajudamos o próximo.

IV. A economia da graça: o Cristo-necessitado e o Cristo-príncipe

Cristo nos ensina que tudo o que fazemos ao próximo — sobretudo aos mais pobres e necessitados — é feito a Ele. “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber...” (Mt 25,35). Quando damos algo a um homem que sofre, e o fazemos por amor a Cristo, damos à própria Majestade Divina. O pagamento, portanto, não vem apenas do mundo, mas do Cristo-príncipe, que nos paga regiamente com graças espirituais e méritos eternos.

A economia da salvação é uma transação misteriosa, onde o pagamento verdadeiro não se dá em cifras, mas em redenção. E, no entanto, a moeda pode se converter em via dessa graça quando usada para libertar, socorrer, educar, edificar.

V. Conclusão

Entre o slave (escravo) e o złoty (dourado) há um caminho de redenção. Esse caminho passa pela cruz, pela cultura e pela caridade. A escravidão imposta pela história pode ser vencida pela cultura redimida. A servidão imposta pela carência pode ser transfigurada pela generosidade. E o ouro — outrora símbolo de opressão — torna-se, por Cristo, sinal de libertação.

A verdadeira Lei Áurea, portanto, não é apenas um decreto legal, mas uma disposição interior: dar ao outro aquilo que nos libertaria se estivéssemos no lugar dele. E isso, feito em nome de Cristo, será regiamente recompensado pelo mesmo Cristo, Rei dos reis, Senhor dos senhores, que fez de si servo de todos para que todos fossem livres.

Aforismo final

"Entre o slave e o złoty, entre a escravidão e a liberdade, está o Cristo — que, por amor, se fez servo para nos pagar com o ouro imperecível da redenção."