[Local: Sala de conferências da Real Academia de la Historia, Madri. Público acadêmico presente. Após a palestra, os dois autores conversam sentados frente a frente, com copos de água à mão.]
FELIPE FERNÁNDEZ-ARMESTO:
Manuel, você percebe como os engenheiros da Monarquia Hispânica ilustram quase à perfeição a minha tese de que civilização é uma forma de imposição cultural sobre a natureza? Em Civilization, argumentei que a civilização é menos um estado de ser e mais um ato contínuo de transformação — uma ambição humana de moldar o mundo. Os engenheiros do Império faziam exatamente isso: domavam rios, erguiam fortalezas, redesenhavam paisagens.
MANUEL LUCENA GIRALDO:
Concordo, Felipe. Mas veja: em Un Imperio de Ingenieros, procuramos mostrar que essa transformação não é apenas ambição, mas também cálculo, formação, método. A engenharia imperial é, antes de tudo, uma escola de racionalidade técnica posta a serviço do poder político e espiritual da Monarquia Católica. Os engenheiros eram soldados da fé e da ciência. Não se tratava apenas de transformar a natureza, mas de ordená-la segundo um plano providencial — talvez até espiritual.
FERNÁNDEZ-ARMESTO:
Justamente! E é aí que nossas obras se encontram. Quando escrevi que civilização é “a tentativa humana de fazer do mundo um lugar mais confortável e inteligível para nós mesmos”, não excluí o papel das instituições — apenas as vi como expressões culturais. Os engenheiros espanhóis, com sua formação rigorosa em matemática, desenho e cosmografia, encarnam essa vontade civilizatória com sotaque ibérico.
LUCENA GIRALDO:
E com sotaque cristão, Felipe. Porque não podemos esquecer que muitos desses engenheiros viam sua missão como continuação do mandato espiritual de Ourique: servir a Cristo em terras distantes. A engenharia não era apenas ciência aplicada, mas também evangelização materializada. Ao construir pontes, fortes, aquedutos, eles levavam consigo o símbolo de uma ordem católica universal. A técnica a serviço da transcendência.
FERNÁNDEZ-ARMESTO (sorrindo):
Uma bela maneira de dizer que a civilização hispânica era uma civilização da fidelidade. O Ocidente moderno esqueceu isso — e com isso, perdeu o sentido de finalidade. Em vez de transformar a natureza para glorificar o Criador, passamos a subjugá-la para engrandecer o ego. E aqui está o contraste com os engenheiros que você tão bem descreve.
LUCENA GIRALDO:
É o que tento sempre lembrar aos meus alunos: o engenheiro imperial não era um tecnocrata moderno, mas um homem universal — militar, cartógrafo, matemático, teólogo prático. A fronteira entre cultura e técnica, entre ciência e missão, era porosa. Essa é a lição maior: o império não foi apenas uma estrutura política, mas uma pedagogia histórica.
FERNÁNDEZ-ARMESTO:
Pedagogia, sim — e também drama. Porque toda civilização carrega o germe de sua autocrítica. A civilização hispânica transformou continentes, mas também colheu resistências. Talvez a maior lição seja esta: que nenhuma civilização se sustenta apenas pela técnica, se não houver imaginação moral e fidelidade a algo maior que si mesma.
LUCENA GIRALDO:
Então, Felipe, talvez devamos escrever juntos um novo livro. Que tal: Un Imperio de Civilizadores?
FERNÁNDEZ-ARMESTO (rindo):
Ou Civilización y Cruz. Vamos conversar com o editor…
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