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sábado, 23 de agosto de 2025

A figura do sócio oculto em sociedades em comandita por ações e as implicações das sanções Magnitsky

Introdução

A sociedade em comandita por ações (SCA) é uma estrutura societária prevista pela Lei nº 6.404/1976, que combina elementos das sociedades por ações e das sociedades em comandita simples. Nessa modalidade, coexiste a figura do sócio comanditado, que responde ilimitadamente pelas obrigações sociais e exerce a administração da sociedade, e a do sócio comanditário, cuja responsabilidade é limitada ao valor das ações subscritas e, em regra, não participa da administração.

No entanto, a legislação brasileira não prevê explicitamente a figura do "sócio oculto", termo utilizado para designar indivíduos que, embora possuam participação econômica na sociedade, não constam formalmente nos registros societários. Essa prática, embora não reconhecida formalmente, pode ser utilizada para ocultar a identidade de investidores, especialmente em contextos internacionais.

Recentemente, com a expansão das sanções internacionais, como a Global Magnitsky Human Rights Accountability Act (Lei Magnitsky), empresas brasileiras têm enfrentado desafios relacionados à identificação e responsabilização de sócios ocultos, especialmente quando estes são alvo de sanções. A aplicação extraterritorial dessas sanções implica que empresas brasileiras podem ser afetadas por associações com indivíduos sancionados, mesmo que estes não sejam formalmente identificados como sócios.

A Lei Magnitsky e seus efeitos extraterritoriais

A Lei Magnitsky foi inicialmente promulgada nos Estados Unidos em 2012, em resposta à morte do advogado russo Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção envolvendo funcionários do governo russo. A legislação permite a imposição de sanções, como congelamento de ativos e proibição de entrada no país, a indivíduos estrangeiros envolvidos em violações de direitos humanos ou corrupção significativa.

Em 2016, a lei foi expandida para abranger violações de direitos humanos e corrupção em qualquer parte do mundo, tornando-se uma ferramenta poderosa para governos estrangeiros influenciarem práticas empresariais globais. No contexto brasileiro, empresas com relações comerciais ou financeiras com indivíduos ou entidades sancionadas podem enfrentar restrições severas, incluindo a proibição de transações financeiras com "U.S. Persons" e o congelamento de ativos localizados nos Estados Unidos.

A Utilização de Sócios Ocultos para Contornar Sanções

A prática de ocultar a identidade de investidores por meio de sócios ocultos em estruturas societárias, como a SCA, pode ser uma estratégia para contornar sanções internacionais. Ao não figurar formalmente nos registros societários, o indivíduo sancionado busca evitar a identificação direta e, consequentemente, as restrições impostas pela legislação internacional.

Contudo, essa prática não é isenta de riscos. Autoridades regulatórias e instituições financeiras internacionais têm intensificado a fiscalização e o monitoramento de transações financeiras, utilizando ferramentas de due diligence aprimoradas para identificar conexões com indivíduos ou entidades sancionadas. Empresas que facilitam ou se beneficiam de tais práticas podem ser responsabilizadas por envolvimento em atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro e evasão de sanções.

Jurisprudência Brasileira Relacionada

Embora a legislação brasileira não trate diretamente da figura do sócio oculto em SCA, existem decisões que abordam práticas societárias relacionadas. Em um caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a responsabilidade de acionistas controladores por atos praticados com abuso de poder, conforme os artigos 116 e 117 da Lei nº 6.404/1976. A decisão destacou que o acionista controlador deve usar seu poder para fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social, sendo passível de responsabilização por danos causados por atos que não atendam a esse fim.

Além disso, a jurisprudência brasileira tem reconhecido a legitimidade de acionistas minoritários para ajuizar ações de responsabilidade contra controladores, visando à reparação de danos causados à companhia. Essas ações podem ser fundamentadas em atos que envolvem abuso de poder ou desvio de finalidade, conforme previsto no artigo 246 da Lei das Sociedades por Ações.

Considerações Finais

A utilização de sócios ocultos em sociedades em comandita por ações, especialmente com o intuito de contornar sanções internacionais como a Lei Magnitsky, representa uma prática arriscada e potencialmente ilegal. Empresas brasileiras devem adotar políticas rigorosas de compliance e due diligence para identificar e evitar associações com indivíduos ou entidades sancionadas. A transparência e a conformidade regulatória são essenciais para mitigar riscos legais e financeiros, garantindo a integridade das operações empresariais no cenário global atual.

Bibliografia

  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Comercial Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

  • MORAES, Eduardo Peixoto Menna Barreto de. Sociedade em Comandita por Ações: Aspectos Jurídicos e Práticos. Rio de Janeiro: FGV, 2015.

  • WALD, Arnoldo. Teoria Geral do Direito Comercial. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

Notas de Rodapé

  1. A sociedade em comandita por ações é regulada pela Lei nº 6.404/1976, que estabelece as normas gerais para as sociedades por ações no Brasil.

  2. A Lei Magnitsky foi promulgada inicialmente nos Estados Unidos em 2012, sendo posteriormente expandida em 2016 para abranger violações de direitos humanos e corrupção em qualquer parte do mundo.

  3. O artigo 246 da Lei das Sociedades por Ações permite que acionistas minoritários ajuízem ações de responsabilidade contra controladores por danos causados à companhia. 

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